Águas limpas - Interessam?

Tenho a certeza de que a maior parte daqueles que fazem o favor de me ler, não hesitam quanto à resposta a dar a esta pergunta: Prefere mar calmo ou …mar agitado, águas limpas ou sujas?

Passando à frente pelo óbvio e inevitabilidade da resposta mais comum, deixem-me dizer-vos que apenas os que fazem caça submarina terão algumas razões para preferir a primeira opção.
A caça em apneia, uma forma de pesca como outra pesca qualquer, implica um mergulho no mar com alguma visibilidade. Todos os esforços vão no sentido de encontrar águas limpas, transparentes.
E há boas razões para isso: a água com muita visibilidade vertical permite ver muito mais abaixo, e saber planear com rigor tudo aquilo que se pretende fazer nessa baixada. A caça-sub é basicamente a execução de um mergulho previamente planeado. Todos os passos dados, desde a última inspiração profunda, em condições de repouso cardíaco, até à subida controlada, são partes de algo que foi pensado à anteriori.
Um mergulho mal planeado pode ser muito perigoso. É deixar ao improviso, em condições adversas, algo que tem tanta importância como isto: a vida.




Os sargos são particularmente exímios a esconderem-se em recantos apertados, difíceis, e normalmente escuros. Estar cá em cima e ver alguns sargos a entrar para uma fresta, significa que muitos mais estarão lá dentro. São normalmente espaços horizontais estreitos, com um palmo de altura, ou pouco mais. Melhores se com areia fina no fundo.
As grandes furnas não lhes interessam, porque não dão protecção.

Caçadores submarinos conscientes fazem um plano: sabem onde vão descer, a que profundidade, o que vão fazer, e de quanto tempo necessitam para isso. No caso de algo estranho ou inesperado acontecer, a atitude correcta é apenas uma: subir e planear de novo.
Por isso as águas limpas são tão preciosas e necessárias: porque permitem ver da superfície os pontos que podem ter interesse visitar. Uma pedra com rasgos e peixe a entrar e sair, um cardume de peixe a passar a meia água, uma fresta na pedra com boas condições para, eventualmente, ter um peixe escondido. É verdade que com águas limpas o peixe perde parte da sua protecção. Deixa-se ver. Por esse motivo, muitas espécies de peixes adoptaram o princípio de que, com águas limpas, escondem-se em buracos escuros. Estarão na sua óptica mais resguardados, mais escondidos. E é verdade. Não fora o facto de nós humanos termos a possibilidade de utilizar lanternas estanques nesses buracos e muitos dos peixes que se capturam seriam impossíveis.

E na pesca à linha, como funciona? Se estamos a pescar vertical, com uma chumbada e dois ou três anzóis em cima, como funciona o sistema?
Em princípio, …mal! Vamos ver o porquê.
Podemos associar águas limpas a mar calmo, e o oposto também é verdade, a mar agitado, normalmente correspondem águas turvas.
Não é necessariamente sempre assim, há excepções, (depende dos ventos dos dias anteriores, e de que tipo de água predominante temos, de mar ou de rio, ou mistura de ambas), mas esta é a regra. Vamos ver como acontece.

Sabemos que a plataforma continental não é uma rampa uniforme, é sim um rendilhado irregular, por vezes escarpado. Se isso é evidente nas nossas ilhas, onde podemos ter paredes verticais impressionantes, também temos no continente zonas com profundidades mais significativas a poucos metros da praia, com muitos metros de fundo, e outras muito baixas, em que só conseguimos alguns metros bem longe da costa. Quanto mais baixos os fundos, mais probabilidades existem de termos águas tapadas, com muita suspensão activa. Se não há ondulação significativa, ainda assim podemos ter impurezas na água. São as brisas marítimas que levantam este poalho, esta suspensão, ao provocarem vagas. Estas, obrigam a movimentos horizontais, mas também verticais, na coluna de água.

As brisas marítimas são formadas da seguinte forma: ao longo do dia, as águas do mar estão a uma temperatura mais baixa, mais fria, e a terra, pelo aquecimento do sol, fica mais quente. Os ventos sopram sempre de locais mais frios para os mais quentes.
Por efeito dos raios solares, a terra aumenta gradualmente de temperatura. O ar, ao contacto, aquece. Quando quente, aumenta de volume e sobe, deixando por baixo um espaço que tem de ser ocupado. Ou ficaríamos no… vácuo.
Assim sendo, durante o dia o vento sopra na direcção mar-terra. De fora para dentro.
À noite o fenómeno é o inverso. A terra, sem o estímulo do aquecimento solar acaba por arrefecer. Ficam então criadas as condições para que, sendo mais alta a temperatura no mar, o vento passe a soprar de terra para o mar, ou seja, de dentro para fora.
O nome deste fenómeno físico é “convecção”.

O vento de terra trava a ondulação ao largo, e torna-a residual. Mais que isso, e sobretudo em zonas de costa mais baixas, o acalmar da superfície do mar torna possível o assentamento de suspensão, de areias, de algas, e isso acaba por limpar as águas.
Em zonas fundas, o fenómeno não é tão evidente, mas acontece. Teremos de analisar o efeito dos ventos na coluna de água, mas o assunto é complexo e será objecto de um trabalho dedicado apenas a esse assunto, a sair aqui dentro de dias.
Assim, passamos a um outro factor: ao soprar persistentemente de terra, o vento empurra para o largo a camada superficial de água. A esta deslocação horizontal, corresponde uma chegada de água vinda dos fundos, limpa. Dou exemplo prático:
Em Setúbal, temos que a água suja do rio Sado sai à foz na vazante e, em condições normais, irá, mercê dos ventos dominantes de noroeste, ser empurrada a sul, na direcção de Sines. Toda a baía fica cheia de sedimentos, de suspensão que mais não é que o arrasto das águas do rio, misturadas com a água do mar. Esta é a situação normal. Ocorre o mesmo com o Tejo, e as águas a sul, Caparica, Meco, Espichel, etc….
Quando o vento roda a leste, tudo muda. As águas sujas são empurradas ao largo, e claro, não se fica em seco, sem água! Entram águas vindas dos fundões, bem limpas. E se o vento leste soprar por mais de dois a três dias, passamos a ter em toda a baía uma grande quantidade de água azul, transparente, ou seja, sem sedimentos.
Essa é a água limpa que nos leva a este artigo: como pescar em águas lusas.




A um vento forte de terra corresponde quase sempre uma limpeza geral das águas na baía de Setúbal/ Sesimbra.




Basta acalmar o mar e as águas têm tendência para ficar limpas. A suspensão baixa ao fundo e assenta.


Este é o aspecto da água, depois de dois a três dias de leste. Azuis. Na verdade, em termos de criação de vida, fitoplancton, zooplancton, ficamos muito mais pobres.


As águas azuis são bonitas de ver, mas péssimas para os habitantes marinhos. São muito mais estéreis que as águas normais, verdes, carregadas de sedimentos, e que propiciam a criação de uma cadeia alimentar normal.




Com águas limpas, as nossas pescas têm de ser ainda mais discretas. No fundo, os peixes conseguem detectar com enorme facilidade aquilo que mandamos para baixo.

As nossas baixadas estão longe de ser um primor de discrição. São altamente visíveis, e ruidosas. Os destorcedores emitem ruídos, a chumbada arrasta no fundo, e tudo isso conta. Os grandes exemplares, nestes dias, ….encolhem-se.
Atendendo ao “naipe” de peixe que existe sobre as pedras, as linhas são normalmente grossas demais, digamos que são “esperançosas”…
Para além de tudo aquilo que é essencial, ainda lhes colocamos uns “bibelots” que vão desde as missangas coloridas, aos tubinhos fluorescentes, aos destorcedores dourados, e mais o raio que parta a uma baixada que basicamente é uma árvore de Natal!

Se o efeito pretendido é ser eficaz, ser discreto, então as falhas são a toda a linha, e seria bom repensar todo o sistema. A começar pelas canas, de peso e comprimento inusitado, boas para saltar à vara. Mas deixemos isso para outro dia.
Em dias de águas muito lusas, as linhas são ainda mais importantes. A mentalidade vigente é a seguinte: se eu tiver uma linha grossa, os peixes não a partem. Sim, verdade.
Mas também é verdade que lhe roubam a possibilidade de ser reactivo, de ser suficientemente rápido de reflexos para conseguir uma boa percentagem de capturas, versus os toques que tem.
Bem sei que isto é pensar em modelos que interessam mais à competição, e à necessidade de ser mais eficaz perante uma quantidade reduzida de picadas. Mas a pessoa que pesca não vai lá para falhar, vai para acertar.
Linhas grossas já aqui foram debatidas, e já vimos o quanto penalizam o pescador, obrigando-o a colocar mais chumbo para conseguir descer a baixada. E o quanto isso limita a acção de pesca em si, retirando-lhe possibilidades de ferrar peixes fáceis, que não faz porque o equipamento não ajuda.

Tudo fica contra: a uma visibilidade acrescida correspondem mais cautelas por parte dos peixes. A somar a isto, temos que considerar a dificuldade em disfarçar a nossa pesca.
O esforço deve ser feito no sentido de, sobretudo nestes dias, tentar ser discreto. Abolir os ruídos a bordo é uma boa medida.
Reduzir um pouco o diâmetro de linhas, madre e baixada, é uma boa medida. Aplicar anzóis um pouco menores e bem tapados de isca, ajuda.
Em suma, tudo o que fizermos que conduza a uma simplificação de processos, ajuda. Lá em baixo, eles estão atentos a tudo.



Vítor Ganchinho



2 Comentários

  1. Bom dia Vitor,

    Mais um artigo muito bom e explicativo de alguns processos que influenciam e muito as nossas lides!

    Já temos fumo branco?!

    "Habemus piscantur?!

    Abraço,

    A. Duarte

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    Respostas
    1. Bom dia António! O que existe é uma informação da DGRM para abertura da pesca lúdica apeada, de costa, para dia 05.04.21. Para os barcos ainda não há nada.

      Sobre este artigo, aquilo que quis explicar às pessoas prende-se com o efeito dos ventos de terra, as lestadas fortes, que levam a água suja para o largo, soprando a capa superficial para longe, entrando por baixo um fluxo de água estabilizada, que vem dos fundões e chega muito limpa. E a necessidade de adaptarmos as nossas baixadas a um ambiente limpo, transparente, onde são muito visíveis. Tenho a noção que muita gente pesca igual em águas sujas ou limpas, ....porque não entende o que se passa lá fora.

      Ter conhecimento é fundamental, é imprescindível para que se consigam resultados, e eu luto por isso, por dar o melhor de mim para passar a quem achar que vale a pena, algo daquilo que sei.

      Abraço!
      Vitor

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