ROBALOS - PRESSÃO ATMOSFÉRICA / PRESSÃO HIPERBÁRICA - CAP II

Um peixe pode, se quiser e por si mesmo, subir e descer muitos metros na coluna de água, sem problemas, sem dor, desde que tenha tempo para equalizar a pressão interna.
A sua bexiga natatória equilibra a pressão hidrostática exterior admitindo mais ou menos gás, mantendo o seu corpo estável, horizontal, e sem esforço, a esse nível.
Quando o pescamos, ele, ao preciso momento de morder e em termos de pressão interna, está fisiologicamente estabilizado à profundidade a que o capturamos.
Mas, a partir do instante em que nós pescadores detectamos algo na nossa cana, cravamos o anzol e enrolamos linha, iniciamos aí um processo que irá afectar drasticamente o estado de equilíbrio desse peixe.
O princípio técnico é este: a pressão tem a particularidade de comprimir os gases. Faz sentido, as moléculas de ar sujeitas a uma maior compressão são forçadas a “juntar-se” mais, a compactar. Logo o volume será menor.
O oposto também acontece e pelo mesmo motivo, os gases, sujeitos a menor pressão, expandem o seu volume. Retenham isto porque vai ser importante para o desenvolvimento do nosso artigo de hoje.
Partindo deste pressuposto, se o peixe afunda necessita de compensar com mais ar para nivelar a bexiga natatória, e, se decidir subir, terá de retirar algum ar, pois os gases internos expandem.
É verdade que o peixe, antes do momento de ferragem, teve muito tempo para proceder à sua adaptação à profundidade a que mordeu o nosso anzol. Até aí ele encontrava-se estável, e o seu corpo tinha condições para cumprir todas as suas funções vitais, incluindo alimentar-se.
Mas a nossa linha e amostra fazem alterar o seu estado de estabilidade, ao iniciarem a tração súbita do corpo do peixe na direcção da superfície.
Assim que nós começamos a enrolar linha no nosso carreto, a pressão bárica exercida sobre o seu corpo passa a ser diferente. Muda. Na circunstância puxamo-lo vertiginosamente para cima, logo a pressão diminui abruptamente.


Alguns peixes suportam melhor que outros as diferenças de pressão, mas todos sofrem com elas. O simples facto de os colocarmos numa posição diferente da horizontal já provoca acréscimo de pressão sobre os seus órgãos internos, e provoca alterações na sua circulação sanguínea.


Porque nós temos muita pressa de ver que peixe mordeu o nosso anzol, tratamos de enrolar linha o mais rápido possível e isso provoca um efeito físico de diminuição brusca da pressão hidrostática no corpo do peixe.
A intensidade dessa diferença de pressão está dependente da capacidade de enrolamento do nosso carreto, versus a nossa velocidade de enrolamento, e a força que conseguimos imprimir à manivela.
Mais velocidade, mais rapidez na subida do peixe. E já agora que ninguém nos ouve, mais dor e sofrimento ao dito peixe.
O movimento é tão brusco que a sua bexiga natatória, um subtil mecanismo de equilíbrio interno de pressões nunca conseguirá compensar as alterações a tempo. E os órgãos vitais do peixe “explodem” pela repentina dilatação de gases!
Quantas vezes já viram o estômago dos peixes fora da boca?! E a sua barriga dilatada, com muito ar lá dentro? E os olhos esbugalhados, fora das órbitas! É isso.
Esse é o efeito de uma expansão de gases extremamente brusca, impossível de compensar. Quando eles nos chegam à superfície nesse estado, na verdade já estão mortos, e mesmo que com o corpo ainda a estrebuchar, na verdade as suas possibilidades de sobrevivência são nulas.
Mesmo que libertados, mesmo que consigam hipoteticamente baixar ao fundo, estão mortos, ficarão inertes sobre o fundo marinho, sem possibilidades de recuperação do seu acidente hiperbárico.
Isto, em termos técnicos, quer dizer que o animal não teve tempo de compensar, de retirar ar da bexiga natatória para ajustar à pressão inferior do patamar a que nós o puxamos, a superfície.
Vocês já ouviram falar daquilo que acontece aos mergulhadores de garrafas quando sobem demasiado depressa: têm uma embolia gasosa, ficam com bolhas de azoto no corpo. Muitos morrem, outros passam a camaras hiperbáricas e levam dias a recuperar.
Com os peixes passa-se o mesmo, pelo mesmo motivo. A sua deslocação repentina, do fundo à superfície, quando rebocados por um carreto de recuperação rápida, é brutal, não lhes dando qualquer possibilidade de sobrevivência.
Curiosamente serão os carretos ditos de menor qualidade, com baixos rácios de recuperação, subida mais lenta, aqueles que ainda assim permitem uma maior taxa de sobrevivência aos exemplares pescados.
Se utilizamos carretos eléctricos, …esqueçam, não há a menor possibilidade de poderem sobreviver, rebentam por dentro.
Por mais que nos custe a ideia, por mais que queiramos que sobrevivam, …o efeito de uma subida assim é quase sempre fatal.




Falámos anteriormente em “baixas e altas pressões” ao nível da nossa atmosfera. Mas há princípios análogos que se aplicam ao espaço entre o fundo e a superfície do mar.
À medida que se desce, a pressão aumenta. Podemos extrapolar daqui que a pressão não é algo que seja inócuo aos nossos peixes, e por isso mesmo eles são particularmente atentos aos seus efeitos. Sofrem com ela.
Vamos agora ver como isso afecta o comportamento de caça dos nossos robalos, pargos, etc.
Quando lançamos a 50/ 70 metros de fundo um jig, ou um vinil com uma cabeça de chumbo, aquilo que procuramos é que essa amostra seja mordida por um peixe activo, a caçar, que esteja receptivo ao nosso engano.
A partir daí, do momento de contacto com o nosso anzol, tudo na vida desse peixe será diferente. Ou porque vai parar à nossa caixa de peixe, e morre, ou porque faz uma subida vertiginosa à superfície, e ...morre.
Mesmo que escape, mesmo que o vejamos baixar a debater-se vigorosamente para alcançar de novo o fundo, a maior probabilidade é que esse peixe fique afectado nos seus órgãos internos e que venha a perecer. A única possibilidade de não haver acidente hiperbárico é mesmo que o peixe escape logo a seguir ao momento de ferragem, ainda em baixo. Aí, estará ainda dentro dos parâmetros de pressão para os quais estava preparado.
Se a subida for significativa, por exemplo os 70 metros do caso apresentado, as possibilidades de regressar da superfície ao fundo sem mazelas internas é diminuta, leia-se nula.
Bem sei que os mais puritanos e crentes dirão que não, que o peixe fugiu e que estava até a nadar bem, “baixou num instante”, mas infelizmente os efeitos fisiológicos far-se-ão sentir e mais tarde ou mais cedo cobrarão os seus créditos.
Esse peixe será comido a seguir por outros peixes ou seres que fazem o papel de necrófagos.




Quando pescamos outras espécies de peixes, nomeadamente bicas, pargos, e outros peixes de fundo, podemos esperar deles ataques mais ou menos padronizados, de uma até outra cota de profundidade bem delimitada. Há uma faixa de água óptima para que actuem.
Sabemos que os pargos têm como apetência especial atacar junto ao fundo, bem como as bicas, os meros, os peixes galo, etc, mas que acima de um determinado nível já poderemos passar a esperar que sejam outras espécies as que irão fazer agitar a nossa amostra. Grosso modo, nos primeiros 10 a 15 metros teremos os peixes de fundo, a seguir uma camada de peixes que trabalham acima desse patamar, os carapaus, as sardas, os robalos, etc, e acima desses, bem cá mais acima, os pelágicos mais comuns, as cavalas, os peixes agulha, os atuns sarrajões, etc.
Entendam isto como um conceito geral, nada impede um peixe, em determinadas condições de mar, de subir ou baixar, de acordo com as suas conveniências alimentares ou fisiológicas. Basta que um cardume de sardinha afunde e leva atrás de si um cortejo de peixes que normalmente estariam mais acima, ou que esse mesmo cardume suba e traga consigo uma resma de predadores interessados no repasto. Mas são contingências que não representam o padrão, e para as quais os peixes têm tempo para se preparar, para ajustarem a pressão interior à pressão exterior.
Com tempo, equalizam com a sua bexiga natatória à pressão a que querem estar.
Quando pescamos, a forma como o fazemos, digamos a nossa “técnica de recuperação do artificial”, em nada conta com os factores fisiológicos, de pressão hidrostática. Não queremos saber.
Aquilo que fazemos é feito por uma pessoa que está com os pés assentes no deck do barco, e não sente qualquer tipo de pressão, quer lance a 10 quer lance a 100 metros de profundidade. Para nós é igual.
Os robalos, ou qualquer outro peixe, não podem reagir da mesma forma! Eles sabem que há um limite de espaço para encetarem uma perseguição. Podem ir “daqui até ali”.
E se isso for levado à risca, quer dizer que ou bem que acertamos com a velocidade certa de recuperação de amostra/ jig, ou sujeitamo-nos a recolher amostras sem o “favor” de qualquer picada.
Se formos demasiado bruscos a enrolar linha, podemos estar a contribuir para dar menos possibilidades aos peixes para conseguirem chegar à nossa amostra!! A “generosidade” da velocidade que imprimimos à manivela do nosso carreto pode limitar os nossos resultados, e fazer com que nesse dia a caixa venha menos cheia, leia-se …mais vazia.
Culpa nossa, que não fomos capazes de compreender que a uma determinada profundidade e a um determinado “campo de trabalho” de um peixe corresponde uma exigência de velocidade de recuperação ideal. Eles precisam de tempo.
Não conseguiremos nunca imaginar a multiplicidade de factores que são considerados por um peixe para estar onde está. Para nós é igual, com calor aligeiramos a roupa, com frio vestimos casacos. Eles, ….eles procuram termoclinas na água.
Que podem estar a patamares pouco habituais para a espécie, mas que são os que proporcionam bem estar. E condições fisiológicas para estar ali.




Nunca entenderei a razão de se comprar um carreto olhando a dois factores que são um perfeito disparate: a velocidade de recuperação máxima, ou seja, o rácio de voltas da alça sobre a bobine por cada manivelada, e a capacidade de linha que esse carreto leva.
Se fazemos pesca jigging ligeiro, ou seja, se decidimos actuar com jigs de baixa gramagem, 20 a 60 gramas, é porque queremos trabalhar cotas de profundidade que não excedem os 100 metros. Nesse caso, qual a razão para preferirmos um carreto que em vez de comportar 250 metros de linha leva…600 metros de linha!
Se aquilo que vamos fazer é slow jigging, para que queremos um carreto de alto rácio de recuperação, leia-se grande velocidade de enrolamento de linha?!
Voltando à questão da balizagem de espaço disponível para um peixe atacar uma amostra/ jig, devemos considerar que um peixe estabilizado a uma determinada profundidade, por exemplo 70 metros, será incapaz de fazer uma subida repentina e vir morder a 4 metros da superfície. Podemos ter um ataque
a essa profundidade de 4 metros, mas não é desse peixe que estava em baixo, mas sim de outro que na circunstância estava estabilizado a outra cota menos profunda.
É muito frequente que em dias de calmaria, em que os fundos não mexem, os peixes “alvorem”, que subam a meia água. E se houver um bom motivo para que subam um pouco mais, ( uma arribada de caranguejo pilado…um cardume de petinga…), eles sobem.
E temos peixes de fundo a atacar perto da superfície.




Indo um pouco mais longe, posso até afirmar que haverá um padrão de profundidade de ataques, em função de factores tão diversos como a temperatura das águas à superfície e no fundo, do relevo desse fundo, da visibilidade ao longo da coluna de água, do nível médio a que a comedia se apresenta nesse dia, da pressão atmosférica, da agitação marítima, ondulação e vaga, dos ventos, da pressão humana e suas artes de pesca, etc, etc.
A um determinado padrão de condições, corresponde um comportamento geral de uma determinada espécie. Se os robalos estão, por padrão, a 60/ 80 metros de fundo, dificilmente os veremos à superfície. E vice versa, se estão a comer à superfície, dificilmente poderemos pescar algum a muitas dezenas de metros.
Há sempre boas razões para que eles reajam de uma ou outra forma. E quando o grosso da coluna de robalos toma uma determinada opção de posicionamento, isso significa que esses peixes terão uma faixa de X metros em que poderão actuar sobre o nosso artificial.
A amplitude de ataque não é de 100 metros, pode sim ser de 10 a 20 metros, na melhor das hipóteses.
Há um limite aceitável para que aceitem correr a amostra. O que quer dizer que temos de lhes encontrar o padrão, para então sim, podermos tentar pescar a sério.



Vítor Ganchinho



😀 A sua opinião conta! Clique abaixo se gostou (ou não) deste artigo e deixe o seu comentário.

Artigo Anterior Próximo Artigo

PUB

PUB

نموذج الاتصال