E PARA ACABAR COM ESTA SÉRIE DEDICADA ÀS ÁGUAS FRIAS... - CAP IV

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Algumas espécies encaram estas questões do frio de uma forma mais elaborada….recorrem à química.
As enzimas são proteínas que catalisam reações metabólicas, mas a sua eficiência depende muito da temperatura exterior da água.
Para maximizar a sua eficiência numa determinada gama de temperaturas, alguns peixes desenvolveram sistemas enzimáticos alternativos chamados isozimas.
Outros peixes utilizam aloenzimas – diferentes formas da mesma enzima que são controladas por diferentes alelos, diferentes versões de um gene, que permitem que as reações funcionem em diferentes temperaturas.
Mas eles também sabem fazer mais: nos sistemas marinhos polares, as elevadas concentrações de sal reduzem o ponto de congelamento da água para cerca de -2° – mais frio do que o ponto de congelamento dos fluidos corporais da maioria das espécies de peixes.
Nestes habitats, várias espécies como os bacalhaus, mas também aves como os corvos marinhos, possuem no seu corpo proteínas anticongelantes que impedem a cristalização do sangue.
Isso permite-lhes sobreviver nas regiões polares inóspitas, cobertas de gelo.
Não fica por aqui: algumas outras espécies conseguiram vencer a batalha pela sobrevivência em águas geladas de uma outra forma muito engenhosa. Sabemos que no mar, os peixes são obrigados a exportar do seu organismo o excesso de sal que ingerem.
Isso é feito para manter o equilíbrio osmótico do sangue. Nós humanos também o fazemos, através da urina, logo não é nada de transcendente, é uma questão de evolução da espécie.
A questão é que algumas espécies de peixes conseguiram adaptar-se à vida no gelo através de uma retenção de fluidos, não eliminando o sal na totalidade.
Reter mais iões de sais ajuda-os a reduzir o ponto de congelamento do seu sangue e assim conseguem sobreviver a temperaturas abaixo de zero.

Não imaginam a que temperaturas podem descer os lagos finlandeses…

E o que é isso de peixes serem animais de sangue frio?
A pergunta é simples, mas a resposta nem tanto. No levantamento de dados que tive de fazer para escrever esta sequência de artigos, fui obrigado a ir muito fundo nesta questão.
Primeiro, temos que especificar o que significa exatamente isso de ….“sangue frio”.
Começaremos com os termos de peixe endotérmico e ectotérmico.
Os endotérmicos mantêm a sua temperatura corporal ideal através de processos internos (por exemplo, aumento do metabolismo).
Por outro lado, os ectotérmicos não podem utilizar processos internos para regular a sua temperatura e por isso dependem de fontes externas.
Depois, e sem querer complicar, há ainda os homeotérmicos e poiquilotérmicos.
Um organismo que é homeotérmico mantém uma temperatura corporal relativamente estável – às vezes através do metabolismo interno, outras vezes através do seu comportamento.
A alguns seres basta-lhes mudar de lugar para acertarem na temperatura corporal ideal, o nosso caso, quando temos calor mudamos do sol para a sombra. Arrefecemos.
Ou vice-versa.

Sabia que um dia iria utilizar esta foto. Trata-se de um salmão finlandês feito em gelo e que se mantém durante vários meses assim porque a temperatura exterior é sempre negativa. Já agora, eram duas da tarde quando fiz a foto… por ali não há quase luz do dia.

Sabemos que os peixes são poiquilotérmicos, bichinhos de sangue frio. Cerca de 32.000 espécies de peixes utilizam esse processo de vida.
A poiquilotermia é uma característica primitiva, os primeiros vertebrados eram (e são) poiquilotérmicos. Na verdade, trata-se de uma solução muito eficaz para o problema da retenção de calor num ambiente aquático frio.
Sabemos que a superfície corporal dos nossos peixes contacta directamente com o ambiente líquido, a água do mar, e sabemos que essa água é um dissipador de calor.
Devido ao seu alto calor específico, a água tende a absorver o calor dos objetos/seres circundantes.
Para um peixe, estar imerso em água 24 horas por dia, 7 dias por semana sem uma forma de combater o frio seria uma tragédia.
De resto isso absorveria rapidamente a energia de qualquer ser endotérmico, a menos que possua grandes quantidades de gordura isolante, como as simpáticas baleias e focas.
Além disso, mesmo com escamas grossas, não há forma de esconder o corpo, o sangue dos peixes tem contacto quase direto com o ambiente que lhes rouba o calor – através das guelras.
Portanto, para os peixes, isso significa que usarem o metabolismo corporal para se manterem aquecidos seria para eles muito caro do ponto de vista energético.
Imaginem os meus caros leitores, meus colegas de pesca, que na vossa casa de habitação resolvem querer mantê-la quente, ligando uma lareira a lenha, mas decidem abrir todas as portas e janelas à noite, de inverno.
Assim, é difícil conseguirem manterem a casa aquecida…certo?

Eu, a fazer o meu “pesqueiro”... na Finlândia. 

Alguns peixes encontraram formas de contornar a questão da baixa temperatura da água do mar, adoptando vantagens evolutivas.

Um desses peixes temo-lo cada vez mais no nossos país, os atuns de grande porte. A cada ano tenho vindo a reportar um número crescente de indivíduos, de contactos, de interações.
Mais ano menos ano será um peixe muito comum e que será capturado por todos aqueles que tiverem equipamento suficientemente robusto para eles.
Trata-se de um peixe endotérmico, o que quer dizer que consegue elevar a sua temperatura corporal acima da temperatura ambiente da água onde nada.
Os atuns possuem na verdade um mecanismo fisiológico que lhes permite ser pelo menos parcialmente endotérmicos.
Eles usam um sistema circulatório em contracorrente chamado rete mirabile (latim para “rede maravilhosa”), que troca sangue venoso (que vai para o coração) e sangue arterial (que sai do coração).
Isto minimiza a quantidade de calor perdida entre as extremidades quentes e de movimento rápido do peixe e o seu núcleo mais frio e de movimento lento.
Por isso eles conseguem aquecer o corpo, ajudando obviamente a deslocação permanente a que se sujeitam.
Um pouco como nós fazemos quando batemos as palmas para aquecer as mãos.
Aquilo que eu na foto abaixo gostaria de fazer, mas que iria parecer ridículo...

Vocês sabem lá o que é penar por uma picada!...

Na verdade, no nosso santo país não estamos assim tão mal….não nos podemos queixar nem um pouco.
Espero que esta série tenha sido do vosso agrado.


Vítor Ganchinho


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