A morfologia do cérebro humano presta-se a erros. Trocamos as mãos....
A nível dos hemisférios, a metade direita controla o lado esquerdo do corpo e a metade esquerda controla o lado direito. Querem mais justificações para que as coisas corram mal?!
Por aqui já se vê que o mais natural é que alguém faça um lançamento de surfcasting esquecendo-se de abrir a asa do cesto e …crack!! … a ponteira é estilhaçada.
Que a pescar spinning faça um lançamento da amostra e agarre as costas do colega do lado com os triplos.
Ou que queira deixar cair um jig a um peixe que vê no fundo e acabe por lançar do lado contrário do barco onde esse predador se encontra.
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Peixes pescados com iscos orgânicos são bem mais fáceis que aqueles que tentamos com artificiais. |
É verdade que os peixes terão um raio de acção que não se circunscreve ao ponto onde fisicamente se encontram. Eles têm mobilidade, não são estátuas de porcelana fixas, e caso se encontrem no estado de pré-excitação que os leva a caçar, ainda se movimentam mais…
Dois ou três metros não representam muito para quem quer correr. Para quem precisa de correr.
A questão é que nem sempre a visibilidade no fundo é a melhor e quanto mais longe do peixe cai a amostra, menos possibilidades temos de conseguir que a morda, mesmo que o predador tenha fome.
Por vezes o fundo está coberto de algas, sedimentos em suspensão, areias movimentadas pela ondulação e a distância a que uma amostra pode ser vista é reduzida. Daí a importância de saber lançar um jig a um peixe que encontramos na sonda.
Se o fazemos à sorte, sem ter um objectivo definido no fundo, podemos estar apenas a dar a informação de que “esteve” ali algo, mas que não foi visto, apenas sentido.
Muitas vezes será isso aquilo que nos impede de ter sucesso: lançar longe do alvo.
Há quem centre a sua atenção na cor e forma do jig, e ache que lançar a peça certa para baixo é tudo, mas estamos longe disso. A precisão com que lançamos também pode ajudar a obter resultados, e isso está na nossa mão, mas infelizmente a nossa vontade é apenas uma pequena parte da equação. Quem decide está do outro lado, o lado do peixe.
Na maior parte dos casos, esse peixe terá milésimos de segundo para tomar a decisão, o sim ou não, se avança ou mantém a sua atitude passiva, de espera. Tudo se joga nesse instante: morder ou não morder.
E não ver o nosso artificial a tempo de o poder interceptar pode inibir o peixe de ser proactivo, de cumprir a sua parte.
A boa visibilidade é um factor muito mais importante que a cor do jig.
Atribuímos a pequenos pormenores de cor e design dos jigs uma relevância inaudita, quando de facto o tempo que o peixe tem para detectar esse jig mal lhe dá para perceber o que está à sua frente.
Perante uma oportunidade de caça, algo que surge à sua frente, o nosso predador pode ter menos de um segundo para reagir.
Muitas vezes os ataques que recebo no jig parecem-me ser apenas o efeito de um reflexo condicionado, uma reação a um padrão de presa.
Há uma dimensão que encaixa naquilo que é a presa procurada, há movimento, logo sintomas de vida, há movimentos erráticos, o que indicia fragilidade, contrastes de brilho, pânico, enfim, tudo aponta para ser mais uma fácil captura de rotina.
O ataque é feito a um estereótipo de presa, não a algo perfeitamente definido. E aí, cabem muitos jigs e muitas cores e formas de jig.
Quantas vezes acontece não termos “fé” no jig que estamos a utilizar, e o problema nada tem a ver com peso, cor e forma, mas sim com a falta de visibilidade no fundo?
A ideia que me fica é a de que damos demasiada importância ao jig e muito pouca à nossa técnica de pesca, por exemplo.
Se o peixe morde o jig registamos o facto e passamos a querer pescar sempre com esse jig. Asneira: foi esse mas poderia ser outro com as mesmas características.
Nem sequer a questão se pode colocar a nível da cor, a visão dos peixes nem é igual à nossa…eles veem gradientes de cor.
Daí eu achar que a colocação do jig é mesmo muito importante. Quanto mais perto do predador, mais hipóteses temos de o motivar a gastar alguma energia nessa “captura”…
E quem é que sabe muito disso? O Luís Ramos, nosso colega de pesca, alguém que pesca em Angola, e cuja vida depende disso, de acertar no….”alvo”.
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À ida para o mar é tudo bom: a esperança é verde. |
Claro que fazer como ele faz, é muto mais difícil. Nem outra coisa se esperava de alguém que se assume como profissional de pesca à linha.
Para ele, o resultado final é aquilo que conta. Na verdade, e depois de o observar em detalhe a preparar o lançamento do seu jig, cheguei à conclusão de que não há um único detalhe que seja fácil de replicar.
Quanto mais pesco com o Luís mais me apercebo do quão difícil é ser Luís Ramos. Quanto mais analiso os seus métodos e técnicas mais complicados me parecem.
Por detrás de uma aparente e obvia simplicidade de processos esconde-se um emaranhado de pressupostos que têm de se conjugar na perfeição para que a pesca aconteça.
Por outras palavras, nós sabemos que se chutarmos uma bola contra uma parede, ela bate e volta para trás. Isso é aquilo que o senso comum nos diz e o que de facto acontece.
No caso dele, quando lança um jig para o fundo e a seguir o recolhe enrolando linha, isso parece ser apenas um óbvio e rotineiro exercício físico de braços e mãos. Esperamos que o jig dele suba.
E todavia, por vezes o jig não sobe.
As garoupas gigantes de Angola encarregam-se de contrariar essa evidência.
Não se trata de trabalhar uma só variante, isso é demasiado fácil, trata-se sim de conseguir conjugar uma série de dados físicos, num exercício de matemática pura.
Mais que isso, ele faz tudo à frente de qualquer pessoa, sem esconder nada. Se podemos supor que um leigo estará indefeso e à sua mercê, a acreditar em tudo, já quando se trata de gente habituada a mar, isso não é assim.
Na circunstância ele está a fazê-lo à frente de gente com milhares de horas de mar…mostrando como pode ser possível lançar com enorme precisão um jig e atingir um alvo, um peixe, que está a evoluir num espaço tridimensional, o mar.
Aquilo a que eu assisto quando estou a seu lado no barco é um jogo a que ele chama de “pesca”, mas a que eu chamo de cálculo de espaço e tempo.
E aí chegamos a uma quarta dimensão. Comprimento, altura, largura e …tempo.
Amanhã vamos voltar a este assunto, dando uma ideia de como ele faz.
Vítor Ganchinho
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