Ficámos ontem no ponto de preparação de um lançamento de jig para o fundo.
Tarefa que aparentemente é simples, que todos os que fazemos jigging já repetimos milhares de vezes. Mas, ….estaremos a fazê-lo bem?
De que forma calculamos o ponto onde vai cair o jig?
Podemos sempre aprender algo mais com alguém cuja vida é fazer isso: Luís Ramos, profissional de pesca à linha.
Acho que ele, que já fez muitos milhares de vezes aquela manobra de preparação de lançamento do jig para o fundo, nem se apercebe dos cálculos necessários para acertar no alvo, leia-se colocar o jig na boca do peixe.
De forma empírica, repete e repete gestos e procedimentos que mais não são do que matemática aplicada.
Qualquer um de nós pode fazer algo parecido, se diminuirmos as variantes.
Qualquer um dos meus queridos leitores será capaz de calcular uma trajectória de um hélice de barco. Está preso ao motor, tem um eixo fixo, roda milhares de vezes em círculo, a passar exactamente no mesmo ponto e por isso, olhando ao histórico, sabendo onde passou antes, podemos dizer onde é que a pá do hélice irá passar nas voltas seguintes. Há um padrão que se repete.
Agora façam lá isso a bordo de um barco açoitado pelo vento, empurrado pelas correntes, no meio das ondas, a peixes que estão a mais de 120 metros de distância!
E se por vezes o conseguirem, o que duvido, tentem lá fazer com que o barco fique a fazer a deriva de maneira a que duas pessoas possam pescar ao mesmo tempo...
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Fiz este lírio a bordo do Incrível. Adivinhem quem estava aos comandos, a manobrar a embarcação... |
Tudo é mais simples quando explicado por ele.
No lugar, em plena acção de pesca, as coisas ficam-nos muito mais claras. Nem sei se vos consigo explicar aquilo que sinto quando estou no mar com ele. Tudo funciona.
Uma espécie de calçar uma meia qualquer no pé esquerdo, transformando de imediato a outra meia em meia direita. Ou vice versa, entendem?
Por vezes, um detalhe técnico daquilo que faz não pode ser entendido sem atender à ligação que tem com um outro que corre em paralelo. E que só ele vê.
A sua técnica de pesca é de tal forma complexa que não permite ser analisada em separado, sem que se analise também a sua forma de conduzir o barco, sentir o vento na cara e fazer a preparação para lançar o jig.
Ele aproa o barco em função da deriva do jig. Não do vento, não da corrente, mas do jig…
Fixem isto: aproar o barco em função da deriva do jig!!
As coisas estão de tal forma ligadas entre si que um dos aspectos técnicos não pode ser observado sem que o outro deixe de ser afectado por essa observação. A meia direita passa a ser a meia esquerda, ….dependendo de…
Se soubessem o quanto eu me divirto e aprendo quando estou ao lado dele, calado, quieto, só a olhar para o que ele faz….
Ajuda ir pescar com ele. Ficamos mais perto do céu….e de conseguir bons peixes.
Acredito que a vantagem que tem sobre todos nós é que a sua visão é panorâmica, foi treinada para ver em diferentes momentos do tempo.
Socorre-se dos anos de pesca que leva em Angola, do seu saber acumulado, enquanto que a nossa é limitada ao que conseguimos ver no imediato, no dia. Na hora.
A nossa fragilidade é evidente porque procuramos uma linha recta e curta para o sucesso, para a pesca garantida, sabendo ele que esse caminho não existe. É preciso perseverança para saber esperar o momento e disso ele tem toneladas de experiência, sabe que o caminho tem curvas, tem momentos em que o objectivo, a meta, nem sequer é visível. E espera.
Da parte do Luís aquilo que podemos esperar quando ele olha para o mar é paciência, cálculo, inevitabilidade. E peixe.
Por detrás de uma aparência superficial de simplicidade ele utiliza princípios técnicos que vão muito para além daquilo a que chamamos vulgarmente de “pesca”.
E faz isso partindo todos os dias de uma vulgar e simples tela em branco, uma ausência de certezas total, pois o peixe hoje está aqui e amanhã ali.
Diariamente pinta peixes de tamanhos e cores diversas, sabendo que o sucesso desse dia, o seu trabalho, será julgado à chegada ao cais pela sua ajudante Dália, a moça que lhe descarrega o peixe.
Penso que eles se entendem por telepatia.
Não precisam de muita conversa, cada um sabe o que tem a fazer. E quando.
Isto é muito difícil de explicar por palavras.
Há um espaço de trabalho que é dele, um lugar de conhecimento onde mais ninguém vai e ao qual só temos acesso se conseguirmos espreitar pelo buraco da fechadura.
Mas ficamos à porta, não entramos.
Nunca entramos.
Vítor Ganchinho
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Boa tarde grande amigo. Não deixa de ser estranho ler sobre mim amigo, principalmente processos mentais e físicos que fui aprendendo e aperfeiçoando ao longo dos anos a pescar sozinho na técnica de jigging. É de facto difícil para mim ter a noção de tudo visto de dentro e aprecio e muito a sua visão de quem está de fora e quer perceber e aprender todos os detalhes e pormenores que se passam a bordo.
ResponderEliminarMuito obrigado pela sua companhia, amizade e muitos parabéns pelo seu talento nato na escrita. A sua capacidade de observação e de se expressar é realmenre notável!
Um forte abraço e muito obrigado
Luis, o banco da frente do Incrível é altamente inspirador....
EliminarEu passo uma semana a ter aulas de pesca e muito mais que pesca, é o barco, é içar o peixe, é acondicionar o peixe....
Trago daí ensinamentos que me servem e muito deste lado.
Tudo por aí transpira a organização e não é por acaso. Será fruto de muitos milhares de horas de "afinação"...
De resto todo o barco, sendo pequeno, é super organizado.
Tudo tem um propósito, uma razão. De tal forma os procedimentos estão pré-definidos que eu, cada vez que vos tento ajudar a limpar e arrumar mais não faço do que perturbar o trabalho de toda a gente.
Entendo aquele barco como um paradoxo de algo que a mim me parece ordenado de mais, nada falha, as esponjas de limpeza na ré ocupam lugares estratégicos, os cabos que suportam a cobertura de lona estão atados na tensão certa, as caixas do peixe grosso e peixe fino estão decididas em função do equilíbrio perfeito da embarcação. Meu Deus, que irritação!! Será que algum dia alguém vai conseguir dar alguma ideia para melhorar algo?!
Custa pensar que toda a rotina que se segue a uma chegada à Marina possa ser tão previsível, tão organizada.
A ajudante Dália sabe o que tem a fazer, o ajudante Liedson sabe onde deve lançar os cabos, tudo ali tem uma razão de ser.
Gostava de ser tão organizado assim e vou tentar.
Vou começar por arrumar na perfeição a minha gaveta das meias.
Abraço
Vitor