SANDES DE CHOURIÇO

No ano passado a pesca foi boa mas não fosse a minha querida amiga Carla lembrar-se de mim e provavelmente eu teria morrido à fome no mar.

Com o Luís sei que não posso contar, ele leva muito a sério aquela coisa de os lobos caçarem melhor quando estão de estômago vazio, com fome. Com muita fome!

É verdade que quando estamos a pescar quase nem nos lembramos de comer mas tudo tem um limite e ao fim de 10 horas de pesca, aquilo que havia para comer na minha sacola da pesca eram …jigs e anzois afiados.

Perguntei se havia algo mais.

A resposta foi: “e se for sandes de chouriço”?

Respondi a salivar: Sim, claro!

- Pois, hoje nem isso temos….tivemos ontem e antes de ontem.

Eu tinha o estômago colado às costas. Tentei concentrar-me em linhas e jigs, argolas e carretos.

Tinha diversos jigs japoneses da marca Namu, artesanais, com cores tão apelativas que me sentia tentado a comê-los.

De resto são tão bem feitos que na água parecem sardinhas frescas.

É incrível o equilíbrio que os artesãos japoneses conseguem dar a esta peça. São francamente difíceis de encontrar porque a produção é muito limitada, são feitos à mão, um a um…e quase impossíveis de comprar, mesmo no Japão.

Normalmente associamos as saídas de mar a muita pesca, muita animação e pouca comida.

O tempo é curto para tanto que queremos ver e fazer e a alimentação essa …fica sempre para depois.

Porém, se não há peixe, o mar não deixa de ser um palco perfeito para a elaboração de “pratos feitos a partir do nada”.

E assim foi, de repente das mãos do Luís aconteceu …magia.

Ali, num perfeito cruzamento entre química, ciência e arte gastronómica, a cozinha do barco Incrível veio a revelar-se uma surpresa com um prato aparentemente simples de confecionar: 

uma sandes de chouriço!

Aberta à mão, com duas rodelas de paio colocadas lá dentro, … foi um sucesso a toda a linha.

A fome ajuda e quando os olhos já só enxergam uma névoa densa …quase tudo serve, mas aquilo estava divinal.

A partir daí, tudo se precipitou repentinamente.

A sandes de chouriço “by Luís Ramos” eleva a gastronomia ao nível de arte, e estava destinada a tornar-se um clássico. E assim se ganha uma arrebatadora e inesperada estrela Michelin.

Em menos de 24 horas já choviam encomendas de milhares de paletes de sandes, pedidos provenientes da Somália, do Burundi, da Malásia, da Papua-Nova Guiné, todas com pagamento a crédito, a tratar depois...

De França, ligou Emanuel Mácron a implorar a monsieur Louis Ramos a receita completa daquela “baguette avec du chourisson aux roudèles”.

Subitamente elevado à categoria de Masterchef, o Luís não dá mãos a medir com entrevistas e palestras sobre o tema. Disse para um canal de televisão de Hong-Kong:

- A bem dizer tudo isto é uma surpresa para mim…acho que foi uma inspiração divina….saiu-me bem, eu peguei na carcaça, cravei-lhe a unha numa técnica a que chamo de “ à unha ”, e foi isso, joguei-lhe lá pra dentro com uma série de rodelas de chouriço “….

E continuou: _”Logo na altura fui bastante aplaudido, …estava ao largo do Lobito, sozinho…a lançar jigs ao mero dentão….não esperava…acho que nem contei o número de rodelas de chouriço, …o peixe estava a picar mal, de repente senti um impulso, fui direito à marmita e …saiu isto.

Sinceramente, para mim é fácil. Nem tenho explicação, …as primeiras sandes até as fiz com as mãos, mas agora com mais prática, e sendo para venda, como vou de havaianas…

De repente a humanidade tem um AS/ DS, antes de sandocha e depois de sandocha, algo muito mais marcante que o AC/DC de Cristo…

_Confesso que não esperava este sucesso explosivo...não estava preparado para isto…. O pessoal das bimbas aplaude efusivamente à minha passagem…até ter as mãos em carne viva. Bom, não sei se não será também dos remos...

Queria também agradecer todo o apoio que a Carla me tem dado neste projecto “sandes de chouriço”. Também queria agradecer ao meu barco Incrível, sem ele nada disto teria sido possível.

Eu até era para fazer antes uma sandes de queijo, “du fromage”, mas no último instante foi isto, …foi chouriço.  Até porque nem tinha queijo….

Uma repórter da CNN interrompeu o discurso e questionou: “Mas Sr Luís, não teme que o presidente Trump desista da sua intenção de salvar os USA anexando a Gronelândia e o Canal do Panamá e se fixe apenas em vir para Benguela vender pãezinhos com chouriço?! Sabe que Melania Trump já mandou fazer uma colecção de sapatos e chapéus em pele de tigre para trazer para o Lobito? O que nos diz? Sente o seu negócio ameaçado?

_ Quanto a isso digo-lhe que não será um problema para mim.

Já quando lancei as bifanas de Vendas Novas também ocorreram alguns episódios de contrafação, mas faz parte. Estou habituado a ser copiado. Com o meu corte de cabelo é o mesmo...

O presidente Trump já me ligou e quer negociar. Vou, como é evidente, impor-lhe algumas condições: se querem vir vender sandes de chouriço contrafeitas para o Lobito, pois que venham. Mas a minha empresa irá abrir …em Manhattan.

A resposta Trump a este tremendo sucesso comercial: o Macpãozinho com chouriço.

Reagindo a este fenómeno, a Nike lança de imediato a camisola de basket de manga cava “cracassa bread with preseunt disks”, exige o exclusivo e avança com um primeiro patrocínio ao Luís de cento e vinte e seis milhões de dólares e um corte de cabelo à Jack Grealish.

Grato a quem o ajudou a lançar-se para o estrelato, o agora Masterchef Luís recompensou quem tão decisivo foi na sua caminhada: Dadaiou, o rapaz da anémica bomba da gasolina onde abastecia, foi nomeado chefe do gabinete de Relações Públicas da sua multinacional.

Moço simples, Dadaiou tinha calculado ter de viver cerca de 270 anos para poder pagar um carro de ocasião, …e de repente desarrinca um magnifico Renault Twingo vermelho em décima terceira mão, quase novo, com 460 mil quilómetros, a pagar quase a pronto, em apenas 76 anos.

Dália, a moça que lhe lavava e reorganizava o barco ao fim de cada saída de pesca, passou a dar autógrafos na rua. Faz hoje primeiras capas em revistas de moda francesa haute couture e não foi sem surpresa que de repente concretizou o seu maior sonho de vida: ir viver para os Estados Unidos, ficando, a convite destas, a morar em casa das manas Kardashian.

“Vou p`ra lá, prós Estados Unidos!”… Dália, sua eterna ajudante, neste momento em preparativos para abrir um franchising de sandes de chouriço “by Luís Ramos”, em Manhattan. 

Sem surpresa, a L´Oreal colocou-lhe à frente um desconcertante contrato multimilionário conferindo-lhe o estatuto de sua embaixadora. Foi lançada uma linha completa de champô e amaciador de cabelo “Gold Hair by Dália-Catumbela/ Lobito”, com nuances douradas, especifico para os cabelos suaves e esvoaçantes desta nova diva angolana.

 

  

 

Do Japão chegam notícias de que se preparam excursões de japoneses ao Lobito, os quais insistem em ser os primeiros a experienciar a sandocha, na circunstância a comer com …pauzinhos.

E é assim o sucesso, sem hora nem lugar para bater à porta. De um dia de pesca ruim, com previsões de ser apenas mais uma jornada de fome declarada, eis que de repente surge a luz.

Por mim parece-me que sim, que em momentos de escassez de peixe, não deixa de ser interessante que o Incrível possa fazer uma deriva para o negócio no ramo alimentar, com a organização a bordo de refeições para casamentos, batizados e despedidas de solteiro.

Outros produtos by Luís Ramos estão já na rampa de lançamento, nomeadamente a sandes de chouriço com palito e o fish-burguer de piazeite.

Vítor Ganchinho

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