TEXTOS DE PESCA - O Kounke - Pedra mítica


A pesca no Senegal é dura, não é exactamente para meninos. Pode aparecer um pouco de tudo, e basta haver um anzol na água para as coisas acontecerem. 



Não tratamos de choupas nem de sarguinhos…nem sequer as canas de carbono são bem vindas….ali é mesmo só para gente de barba rija. 

Já aqui vos falei da forma como se pescam os grandes pargos no Senegal. O sistema é simples: a pesca é rude, agreste, e tem muito a ver com força. Esqueçam as finuras, as ligeirezas, porque tratamos de pescar em barcos afundados, com encalhes, com cabos, chapas cortantes, com esconderijos onde os peixes podem a qualquer momento entrar e ficar a rir das nossas esperanças. 

Os grandes pargos são pescados à linha ou a tiro. Mais fácil à linha. Explico como: 

Com um atum vivo, a garantia de picada é quase certa. Ao chegar ao local, lança-se algum isco para a água, (normalmente sardinha podre, porque ao fim de minutos, tudo cheira a podre, dado o calor) à volta da piroga. 

Não convém lançar demasiado, porque pode aparecer um bicharoco de 500 kgs à superfície... com barbatana triangular.

Tratamos de pesqueiros muito ao largo, a 60, 70 km da costa, e que podem literalmente ter de tudo. Por isso, uns restos de peixe sim, mas sem excesso. 

Os atuns entram logo de seguida. Patrulham a pedra, situada a 27 metros da superfície, com pendente até aos 45 metros, com muitos buracos. Dali para baixo, é o abismo, são fundos de 700 metros. 

Pescados alguns atuns, mantêm-se vivos deixando-os presos na água. Um anzol tamanho 10/0 à boca, outro à cauda, linha de 2mm de nylon, por causa das dúvidas. Pode não chegar…. 

Com uma faca, corta-se parte da barbatana caudal do atum, deixando-o sem capacidade de deslocação. Um atum sem rabo é basicamente um barril curto e redondo que não dobra e que pouco se mexe. A presa ideal para um pargo faminto. 


Este é o tamanho da isca para os pargos.

Deixa-se afundar aos poucos, e quando o atum chega à profundidade certa, o esticão é violentíssimo! 

Os grandes pargos senegaleses engolem os atuns e puxam pela linha, que é atada à proa da embarcação. O peixe esgota-se a puxar e é içado à piroga.

Não há forma de transformar isto num acto de pesca “desportivo”…é o que é, sem filtros, sem delicadezas, porque se trata da vida destas pessoas. Ou pescam, ou morrem!

Tenho um amigo em N`Gor que caça diariamente cerca de 300 kgs de peixe, para vender. Mata o peixe a tiro. Excepcionalmente, quando tem “visitas”, aceita ir pescar à linha. Leia-se, aceita fazer o massacre à linha. Autoriza-nos a segui-lo, a participar, na condição de todo o peixe pescado ser dele. Com isso, vamos aos melhores sítios que conhece, fazemos o que podemos perante tão barbara manifestação de pescar simples: É à força e ponto final!

Uns dias com peixe grande, outros menor, a verdade é que todos os dias tem de se vender algo, sob pena de não haver pão em casa. 


Isto não é para meninos, e muito menos para quem vai para lá com fios de nylon 0.40mm….reparar que o Mohamed tem uma camisola com o logotipo da GO Fishing Portugal.

Vai lá com isca viva, ou jigs, e uma barrigada de dar aos braços até estes caírem de cansaço. E no dia seguinte a receita é a mesma, até os músculos estalarem.

A pele das mãos destas pessoas é sola de sapato, é dura, porque tem de ser. Porque também a sua vida é dura, muito dura. 





Votarei a este tema. Sei que tenho algo mais para vos dizer.


Vítor Ganchinho




1 Comentários

  1. ...Ainda mais por nos dizer"? Desde as primeiras palavra e imagens que acho uma tremenda afronta e deixa-nos com água pelo beicinho....



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