É comum tentarmos atribuir aos peixes faculdades e sentimentos humanos. Olhamos para aqueles pequenos seres, e queremos entendê-los à luz das nossas próprias capacidades. Está-nos no sangue não aceitarmos que nos possam ser superiores em alguns parâmetros.
Vamos hoje tratar de entender
algumas das particularidades relacionadas com a visão dos peixes.
À primeira
vista, seriam em tudo iguais: os peixes têm dois olhos, uma retina, uma córnea,
um nervo óptico, cones e bastonetes, enfim, nada de diferente. Mas as
diferenças existem e são muitas.
Como vêem as cores?
Os peixes não entendem as cores, não
as percepcionam, como nós. O sistema é baseado numa escala de contrastes, de
densidades.
É aceitável pensar que bons autores franceses, estudiosos do
fenómeno, possam ter razão: a percepção de cores que os peixes têm passa por
uma escala de tonalidade, que vai do branco ao negro, entendendo a densidade
como algo que, no branco é a escala no seu mínimo, e o preto, a escala no seu
máximo. Assim, teríamos o amarelo, o laranja como algo próximo do branco, menos
denso, e o azul-escuro, o castanho-escuro ou o vermelho, como algo próximo do
preto, mais denso.
Falamos de uma escala de cores, um degradé que vai do claro
ao escuro. Entendível? Assim, em função da quantidade de luz, é expectável que
as cores mais densas sejam utilizadas quando são mais necessárias, com menos luz,
e as cores mais claras, menos densas, ou até os transparentes, quando existe
mais luz. Pesca-se, e bem, com amostras transparentes.
Não é muito diferente
daquilo que, pela prática, já todos entendemos: as cores naturais das presas
dos predadores, as cores sardinha, os azuis, os verdes matizados, utilizam-se
quando temos águas claras, transparentes, logo águas que deixam passar mais
luz. As cores mais escuras, com mais contraste, ou mais “berrantes”, ou
fluorescentes, quando temos água mais opaca, carregada de sedimentos, logo, com
menos luz no fundo. Em suma, à pergunta” os peixes vêem as cores?”, a resposta
é “sim, mas”….
O “mas…” tem a ver com o facto de
fazerem uma adaptação dessas cores a uma escala de tonalidade de cinzas, mais
ou menos clara.
Contrariando aquilo que seria a nossa opção humana e natural,
resulta mais eficaz aplicar uma amostra preta à noite, do que branca. Parece-nos
um evidente contra-senso…
Quando faço mergulho, e consigo
arpoar um peixe abaixo dos 10 metros, digamos a 15 ou 20 metros, a cor do seu
sangue em baixo é azul esverdeado. Passa a vermelho à medida que me aproximo da
superfície.
Os rascassos são castanhos no fundo, e vermelhos à superfície.
Aquilo que vemos são cores reflectidas, à luz do sol. O azul é a última cor do
espectro a desaparecer. O vermelho a primeira.
Logo, e por exclusão de partes,
se pescamos a baixa profundidade, o vermelho está bem, mas muito fundo, o
vermelho desparece, logo, os azuis são mais produtivos. Porque se vêem.
Um
exemplo de um peixe que acredita muito nisto? O pargo, com as suas cores
vermelho rosado, aparece-nos como um fantasma, aos 20 metros de água. Visto a
alguns metros de nós não passa de uma mancha cinza claro, que se confunde com a
cor da água.
Se quiserem posso aprofundar este tema: aquilo que se vê num pargo
a alguma profundidade em primeiro lugar são …as extremidades brancas da sua
cauda.
Ainda há um outro pormenor: não é por acaso o facto de os peixes, na sua
esmagadora maioria, terem o ventre branco, e o dorso escuro. Vistos de baixo, o
branco faz menos contraste com a luz do sol, que vem de cima. O dorso escuro,
em tons esverdeados, castanhos, azulados, passa muito bem com as cores do
fundo, mimetiza-os.
Recordo-me de, a fazer caça submarina ao largo de Dakar, a cerca de 70 km da costa, numa pedra chamada de Kounke Djabar, a 27 metros de profundidade, não ter conseguido ver um pargo com cerca de 1,5 metros de comprimento, e que poderia ter cerca de 60 a 70 kgs de peso. Lá, eles crescem até aos 80 kgs, os maiores. Desci, olhei para o fundo, e “aquele fundo” estava sobreposto no outro fundo, imóvel. E apenas quando comecei a subir, percebi que tinha estado a 4 metros do maior Pargo Luciano da minha vida. Camuflagem.
Para além disso, temos ainda a
considerar vários outros factores, os sentidos dos peixes apenas “parecem” os
mesmos que os nossos, mas eles estão muito melhor equipados em diversos outros
factores. Explicamos o porquê a seguir.
O sentido da visão permite-nos a
nós humanos entender aquilo que nos rodeia.
Mais do que outro sentido, é a
visão aquilo que nos guia. Com ela podemos fazer quase tudo, desde ler a
conduzir, a percepcionarmos as distâncias, a andar sem esbarrar nos objectos, a
entender as cores, a ver as sondas, até a escolher as nossas amostras de pesca.
E os nossos peixes, que tantas vezes têm águas sem visibilidade, e que nadam à
noite, como fazem?
Tal como pessoas invisuais, que desenvolvem os outros
sentidos por falta da visão, também os peixes têm outras formas de entender o
meio ambiente em que vivem. A visão é para eles apenas uma forma complementar
de percepção e é de longe o “pior” sentido de que dispõem.
Os peixes têm, desde
logo, a sua linha lateral, que lhes permite sentir vibrações, por ínfimas que
sejam, saber se há algo que possa ser chamado de “comida” por perto. Essa linha
lateral dá-lhes o “gosto”, o paladar, a noção do tamanho, a sua velocidade de
deslocação, e a direcção desse deslocamento.
Para os humanos, ter um pescoço,
algo que se move e roda no sentido daquilo que queremos ver, também ajuda. Estamos
preparados para ver até ao limite da nossa capacidade visual, em linha recta.
Os
peixes não têm pescoço, e compensam isso com uma implantação exacta dos olhos e
uma acuidade visual dirigida para aquilo que lhes importa. Na verdade, o seu
campo de visão é limitado pela visibilidade da água que é quase sempre curta.
Também a audição é algo de muito
forte, muito importante na vida dos peixes. A audição é essencial num mundo que
tem tudo menos silêncio. Quem mergulha sabe-o bem.
Quando estamos a mergulhar
sob o nosso barco, a vinte metros de profundidade, conseguimos escutar os
passos dos nossos colegas. Os peixes ouvem-nos a nós, e desconfiam. Ter uma boa
audição é fundamental, quando se fala de sobrevivência. E ainda mais o olfacto.
Nos peixes, o olfacto é algo de muito importante, extremamente desenvolvido,
muito adaptado ao meio liquido, e deixa-nos a nós humanos, algo envergonhados.
Uma tintureira detecta, graças aos seus sensores nervosos situados na zona frontal
da cabeça, as ampolas de Lorenzini, qualquer tipo de cheiro, de eflúvios, que
venham na corrente oceânica, de quilómetros à sua frente. Por isso nos
descobrem com tanta facilidade, quando estamos a pescar com iscas orgânicas. Por
isso rondam o barco, mantendo-se nas proximidades, ao lado ou debaixo do barco,
preferencialmente na zona traseira, sempre com a corrente a favor, porque é
isso que lhes traz a comida.
Perfeitamente visíveis as ampolas de Lorenzini, no focinho desta tintureira. Para este peixe, são os olhos... |
Comem os restos de iscas que se desfazem ou
rasgam, quando as chumbadas as projectam para o fundo. Eventualmente capturam
algum peixe vivo que se debate na nossa linha.
Também, por terem um olfacto
apuradíssimo, conseguem seguir com tanta facilidade o rasto vertical dos nossos
iscos de sardinha, ou qualquer outra isca, até ao fundo, cortando aí as nossas
linhas. Mas têm mais: também detectam correntes eléctricas fracas.
Os
movimentos dos peixes provocam atrito na água e isso promove correntes
eléctricas de baixa intensidade.
Se necessitam de alguma explicação sobre o
facto de as tintureiras irem sempre espreitar as hélices dos barcos, aqui a
têm: para além do brilho metálico, (eventualmente idêntico ao brilho emitido
pelas escamas laterais dos peixes forragem), há um factor que as leva sempre a
encostar o focinho ao hélice: as correntes eléctricas emitidas, por atrito na
água aquando da deslocação, e que são dissipadas aos poucos pela passagem de
electrões para as moléculas de água. Um poço sem fundo de capacidades, as tintureiras,
que têm milhões de anos de evolução. Mas também todos os outros…não subestimem.
Voltemos aos sentidos dos peixes.
Atentemos nisto: um predador não tem necessariamente os mesmos olhos de um peixe
presa. Com efeito, um pequeno peixe tem a temer ataques laterais e sobretudo na
sua retaguarda, logo desenvolve as suas capacidades morfológicas para ver muito
bem os perigos que lhe chegam de todos os lados, e um pouco menos bem de frente.
O predador por sua vez, por ser o elemento perseguidor, aquele que se desloca, tem
de estar preparado para caçar aquilo que está à sua frente. Por isso o
posicionamento dos seus olhos concentra a sua capacidade no olhar em frente e algo
para os lados e acima.
Os predadores vêem mal para baixo, e muito pior para
trás. Pouco lhes interessa ver bem na retaguarda. A presa, por sua vez, recorre
a um campo visual tão amplo quanto possível, centrado na necessidade de ver
tudo o que é preciso para que se mantenha viva, e por isso desenvolve visão a
três dimensões, orientada para um largo campo de acção.
Um outro factor: os
predadores tendem a ter olhos maiores que as presas. Muitos deles caçam pela
noite, ou vivem a profundidades muito significativas. Ver onde outros não podem
ver é uma vantagem evidente. De qualquer forma, antes de chegar ao contacto com
a presa, o predador já tem toda a informação de que necessita.
O sentido mais
utilizado poderá eventualmente ser a linha lateral. Trata-se de um órgão
especifico dos peixes, uma fiada longitudinal de escamas com perfurações, escamas
porosas, que têm ligação nervosa ao cérebro, através de um canal a isso
dedicado.
Tem funções de orientação, olfacto, gosto, para além de lhes dar
informação sobre salinidade da água, temperatura. Se quiserem um pouco mais de
ciência, é isto: trata-se de um conjunto de células epiteliais modificadas, ou
células ciliadas, que são sensíveis ao deslocamento de água, e sabem ler esse
movimento pela transdução de sinal em impulsos eléctricos, via sinapses
excitatórias. Por outras palavras, antes de o predador ver a sua presa, a sua
linha lateral já lhe deu a distância, o tamanho, a direcção de deslocamento. A visão
apenas é utilizada no último momento do ataque. Apenas valida a informação
anterior.
Eventualmente a visão servirá para detectar num cardume de pequenos
peixes aquele que estará em piores condições, logo, mais fácil de capturar, o
mais lento, por consequência aquele que exige menos dispêndio de energia. E
isso é muito interessante para o portador dessas faculdades, porque lhe dá
vantagens.
Apliquemos isto descrito acima, à
nossa pesca.
O factor experiencia anterior: o predador tem a noção daquilo que
pode esperar de uma presa, suponhamos uma sardinha. Tem um determinado tamanho,
cor, brilho, comportamento e velocidade de deslocação. Se algum destes factores
estiver errado, hesita, retrai-se, analisa outra vez. Quando hesita, o pescador
…já perdeu.
Os predadores que o fazem sempre chegam a grandes e velhos, os que
não cuidam dos detalhes são anzolados e morrem cedo. São os peixes pequenos que
capturamos e deveríamos lançar de novo ao mar, mas que quase ninguém devolve.
As cores das nossas amostras deveriam estar em consonância com as das presas
que estão a ser caçadas. Mas não basta. As cores e formas são apenas um
detalhe.
Por isso os jigs funcionam e bem. Também a velocidade de recuperação
das amostras, o seu tamanho, a vibração, a forma como nadam, é muito
importante.
Quanto mais próximo da cópia fiel das presas perseguidas, mais
possibilidades teremos de evitar qualquer tipo de hesitação, e provocar um
ataque. Porque o nosso êxito só começa quando eles mordem. Antes disso, de
colocarem a boca nos anzóis, não passam de boas intenções.
Se o peixe hesita, o
ataque falha. Isso acontece por algo que fizemos e que interrompeu a linha de
actuação natural do nosso predador.
Quantos de nós não viram já um robalo, um
lírio, uma baila, uma cavala, um sarrajão seguir a nossa amostra até ao barco e
…nada...?
Espero que este texto o motive a
pensar.
A tentar entender a pesca
enquanto actividade lúdica que tem o seu quê de complexo, que obriga a ter
conhecimento, mas que não é inatingível.
Espero que este texto seja o
despoletar de um sentido de curiosidade, e que a partir daqui vá um pouco para
além do copiar aquilo que vê fazer aos outros.
É muito importante que tenha a
sua própria ideia sobre o acto de pesca, que perceba aquilo que verdadeiramente
deve fazer para obter bons resultados: ter as suas próprias convicções,
alicerçadas em estudo, em conhecimento, em análise.
Na verdade, mesmo para
aqueles que pensam a pesca, a aprendizagem é contínua, non-stop, e melhora
muito com a prática continuada.
Fazer e pescar muito, ajuda. Mas pensar a pesca
antes de ir pescar, é mesmo fundamental.
Vitor Ganchinho
Artigo muito interessante.
ResponderEliminarMuito obrigado 😃
EliminarMuito interessante.
ResponderEliminarMuito obrigado 😃
EliminarOlá outra vez Vitor Ganchinho
ResponderEliminarEstive a ver o Blogue, gostei imenso do texto "TEXTOS DE PESCAS - Os peixes, a visão e a percepção que têm das cores"
Há muito tempo que andava interessado em saber o que se passa com o branco lá em baixo, visto que é uma cor composta de todas as outras.
"Se quiserem posso aprofundar este tema: aquilo que se vê num pargo a alguma profundidade em primeiro lugar são …as extremidades brancas da sua cauda."
Gostava de saber mais sobre isto, de quem vê lá em baixo. Até que profundidade se vê o branco? O branco deve mudar com a profundidade mas mesmo assim deve ver-se por contraste?
Abraço
JC
Caro Dr. José Rodrigues, muito obrigado pelo seu feedback. Preparámos uma resposta que pode visualizar na publicação seguinte. Um abraço, Vítor
EliminarBoa Noite
ResponderEliminarAproveito a vossa iniciativa para vos parabenizar, gostei imenso da explicação dada.
E é isto mesmo que nos amantes da pesca necessitamos, blogues que nos elucidem.
Abraço
CC
👍 Obrigado pelo comentário
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