TEXTOS DE PESCA - A visibilidade da cor branca debaixo de água



Em resposta à questão "Há muito tempo que andava interessado em saber o que se passa com o branco lá em baixo, visto que é uma cor composta de todas as outras. Gostava de saber mais sobre isto, de quem vê lá em baixo. Até que profundidade se vê o branco? O branco deve mudar com a profundidade mas mesmo assim deve ver-se por contraste?" preparámos uma explicação, composta por vários segmentos, e com isso dar-lhe pistas para que possa formar a sua própria opinião.

Começamos por definir cor:  cor é a impressão que a luz (do sol ou qualquer outra fonte de luz, uma lâmpada, uma lanterna) reflectida ou absorvida pelos objectos produz nos nossos olhos. Concretamente aquela de que fala, o branco, é a mistura de todas as cores do arco-íris. A cor preta é a inexistência de cor ou ausência de luz. Fixar este ponto porque vamos precisar deste elemento quando formos falar sobre pesca profunda.


O meu mergulho mais profundo terá sido um que fiz nos Açores, na Ilha Terceira. Fui chamado por um amigo que tinha deixado cair para o fundo uma arma de caça sub que tinha pertencido ao seu pai. Porque a pessoa estava desolada, e porque entendi que tinha condições físicas para isso, fui ao local onde inadvertidamente essa arma tinha caído. Preparei-me muito bem, com uma ventilação cuidada, e desci. Nessa altura mergulhava regularmente, umas cinco a seis horas/ dia, na cota dos 18/ 20/ 21 metros a norte de Sines, e estava em boa forma física. Aos 20/22 metros, vi a arma no fundo. Estaria na casa dos 33 a 35 metros. Vi-a porque tinha o cabo, em plástico, na cor branca. Fazia um contraste muito grande com o fundo, que era rocha escura.


Cá no continente, a sul do Pinheiro da Cruz, existem pedras a 22 metros que não constam das cartas. Descobri-as quase por acaso, num dia de água muito limpa, água boa, de vários dias a soprar vento de terra, uma lestada muito forte. Vinha de regresso para Setúbal, depois de uma manhã bem passada, a caçar sargos grandes, a 17/ 18 metros. Pareceu-me ver a bombordo uma mancha escura no fundo, virei para lá a proa do barco, e quando passei por cima, apareceu-me pedra na sonda, e peixe por cima. Lancei âncora e fui lá abaixo ver. Tratam-se de pedras longitudinais, no sentido paralelo à costa, estreitas e compridas. Aos 11 a 12 metros vi que tinham uma mancha branca, um anel largo, com cerca de meio metro de largura, todo à volta. Achei estranho, porque não havia nada parecido com aquilo nas outras pedras onde tinha mergulhado. Continuei a descer. Ao chegar ao fundo, percebi que o anel branco que havia à volta das pedras eram conchas de ameijolas. Sim, as mesmas que se utilizam para pescar as douradas. Aquilo que estava vendo eram conchas viradas. O seu interior, é branco. Tinham sido carregadas para ali, a partir dos areais próximos, para as pedras, que estavam cravejadas de polvos os quais, os maiores exemplares, rondavam os 10 kgs de peso. Desci duas vezes, trouxe dois desses polvos e tinha 20 kgs de polvo no barco. Foi feita uma foto nesse dia, e essa foto foi publicada numa reportagem do Canal Caza& Pesca, de Espanha. O filme está disponível no Youtube, e na página oficial da GO Fishing. Os polvos carregam objectos, pedras, latas e conchas para junto da sua toca. É muito natural que coabitem safios e polvos nas mesmas pedras. Quando os safios atacam os polvos, estes defendem-se, agarrando as pedras, conchas, o que houver à mão, encostam-se para o fundo do buraco, e tapam a entrada virando as conchas, as pedras para fora. O safio não os consegue morder…porque as pedras estão na frente. Quando conseguem morder um tentáculo, giram sobre si até o arrancar. As moreias fazem o mesmo. Para o polvo é um mal menor, porque regeneram os tentáculos logo a seguir. A título de curiosidade, a pedra estava também cheia de sargos, entre 1  e 2 kgs de peso, tinha alguns robalos por cima, pequenos, abaixo de 1 kg, e algumas ferreiras. Trazer um polvo de 10 kgs de um fundo daqueles é basicamente subir com um guarda-chuva aberto. Abrem os tentáculos e tentam oferecer resistência máxima. Quando chegam a esse peso, têm cerca de 1,50 mts de comprimento, e os tentáculos terão cerca de 9cm de diâmetro. Depois dessa experiência, nunca mais levantei um polvo da toca que estivesse abaixo dos 14 metros de profundidade... é um esforço tremendo, e pode pagar-se com a vida. Hoje, com 57 anos, mergulho a 12 metros, se não puder mergulhar a 6….as minhas filhas precisam do pai.


A Daiwa fabrica chumbadas brancas. Trata-se de uma cobertura plástica que envolve o chumbo, e que teoricamente o protege da oxidação. Há uma diferença sensível, quando pescamos com um produto neutro, o chumbo, na sua cor natural, e com estas chumbadas. O peixe junta-se muito rapidamente na zona de queda da chumbada, que é basicamente sempre a mesma, mais metro menos metro, para um barco ancorado, fixo. O branco é uma cor que na natureza significa sempre perda, fragilidade, vulnerabilidade. Os peixes que mostram o ventre branco ( a maior parte dos peixes presa têm ventre branco), estão a mostrar a sua parte mais sensível. Se quiser uma analogia, os cães, quando são ameaçados por outro maior e mais agressivo, deitam-se de costas e mostram a barriga, em ar de submissão absoluta. O “vencedor” entende o sinal, a aceitação da sua supremacia e liderança, e não os morde ou mata. No mundo aquático, mostrar o ventre é sempre sinal de fraqueza, e um convite a que esse peixe seja comido por um predador. Os mais fortes comem os mais fracos, peixe grande come peixe pequeno. Os robalos podem ter o estômago cheio, a boca cheia, mas se lhes aparecer uma oportunidade dessas, mordem! O branco significa incapacidade: o peixe que o mostra está a revelar uma incapacidade para manter a sua natação direita, regular, e isso quer dizer possibilidade de comida fácil. Tal como os golfinhos, quando cercam um cardume de sardinha, comem e devastam o cardume com pancadas fortes da sua cauda. Muitas sardinha são cortadas a meio, pelos dentes, ou caem ao fundo, em folha seca. Eu já presenciei isso, na água, a mergulhar no meio dos roazes do Sado, pouco abaixo da Comporta, numas pedras chamadas de Zimbralinho. Acabei por, depois de os golfinhos se afastarem, voltar ao barco, porque abaixo havia….pargos. Havia pargos a aproveitar aquele festim de comida fácil, e o fundo tinha algumas dezenas de sardinhas mortas. Vi-as porque me chamaram à atenção alguns pontos brancos, quando estava a cerca de meio fundo, nos 10 a 12 metros. As pedras estão a 21 metros, com canais a 24 metros. Nas paredes, há safios grandes, tocas de sargos e muitas saimas, em cardumes de 4/ 6/8 peixes, com 2 a 3 kgs.


Pesco há alguns anos em pedras a 105 metros de fundo, com isca. Dá besugos, abróteas, pargos, carapau, fanecas, alguns gorazes pequenos, etc. Numa dessas saídas, resolvi filmar o fundo. Correu mal. A câmara que levava, uma Waterwolf, com ligação à linha de pesca em posição vertical, era pressuposto aguentar a estanquicidade até 120 metros. Preparei o material e mandei para baixo, a filmar. No fundo, tive apenas uns toques muito ligeiros, de peixe miúdo. De reparar que a pesca tinha 3 anzóis, e as linhas estavam equipadas com tubos bioluminescentes laranjas. É visível o seu efeito a partir de algumas dezenas de metros. Porque não apareceu nada de especial e tinha a senação de que já não tinha isca, resolvi levantar. Ao recolher, a meia água, digamos a 60 metros de fundo, tive um toque, e  logo a seguir outro, que ficou. Estava a recuperar a linha à velocidade máxima do carreto eléctrico Daiwa Leobritz 200 J-L, o que significa mais de 150 metros por minuto. Quando chegou à superfície,tinha um olímpico carapau num dos anzóis. Percebi imediatamente que a câmara tinha “dado o prego”, rebentou com a pressão. Abri e consegui retirar o cartão de memória, que lavei com água doce. Ao chegar a casa, fui colocar o cartão para leitura no computador. Pese embora tivesse estragado a câmara, o cartão estava bom. É esse filme que lhe passo, na esperança que lhe possa dar uma ideia de como a luz vai reduzindo à medida que a pesca vai descendo até ao fundo. É necessária alguma paciência, mas vai conseguir descortinar no fundo os toques de pequenos peixes, e na subida, o ataque do carapau, que sobe rigorosamente na vertical, a uma velocidade de 1,5 mts por segundo, para conseguir morder a isca. Impressionante! Espero que goste tanto quanto eu de ver estas miseráveis imagens mas que têm informação para dar, a quem sabe ler nas entrelinhas. Repare que no fundo, embora seja difícil de ver, há conchas, …brancas. São pelo menos duas. Como a câmara gira sobre o eixo, há que conseguir perceber quando é que são conchas, e quando é que são as próprias iscas( algumas lulas pequenas com 4 cm…que saltam em bocados, dada a velocidade da descida). E vêem-se os peixes pequenos, embora seja difícil, a luz é muito pouca. Imagine, quando está a pescar a 300 metros de fundo, aquilo que os seus peixinhos conseguem ver na escuridão. Mas não subestime, eles estão adaptados à escuridão, conseguem captar cada réstia de luz e transformar isso em formas. E têm o olfacto, a linha lateral,…depois, há que separar falta de luz de falta de visibilidade, porque acima, muitos metros acima, a agitação das águas pode originar águas turvas, com sedimentos, mas àquela profundidade não há disso, é tudo muito mais estável, quer a visibilidade quer a temperatura.



Continue a pescar fundo: os seus jigs são vistos!



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José Rodrigues, o meu muito obrigado pela questão que colocou. 


Vítor Ganchinho

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