Os conflitos não são de hoje, não são novos, e não irão terminar aqui, com este texto.
Poderíamos encolher os ombros, e dizer que nada se passa. Na verdade, passa, e com prejuízo para ambas as partes. Há um mau estar latente, e que se agrava à medida em que os recursos marinhos se vêem reduzidos. Vamos ver as razões de cada um:
A pesca profissional entende que a pesca à linha é um empecilho, algo que nem devia existir. Entendem que o mar é o seu local de trabalho, e que por isso, não são bem-vindos todos aqueles que têm outra fonte de rendimentos, e vêem roubar o seu sustento.
É correcto pensar que essas pessoas, porque têm as suas despesas em casa, têm filhos a estudar, quantas vezes com sacrifício de tudo o resto, devem ter da parte de todos os pescadores de linha alguma compreensão, alguma complacência. Trata-se de gente que, quase sempre, não teve a oportunidade de poder escolher o tipo de profissão que tem. Também poucos serão os que conseguiram um grau de escolaridade e formação que seja determinante na sua carreira profissional. Aprendem com os mais velhos a “andar ao mar” e o dia que conta é hoje. O amanhã é algo longínquo, de pouco adianta falar de rotação de pesqueiros, de questões ambientais, de tamanhos mínimos, porque enquanto houver um peixe, é para pescar. Porque o gasóleo tem de ser pago, os medicamentos têm de ser pagos, e o comer tem de aparecer em cima da mesa. Os mestres das embarcações estão espartilhados entre os preços dos combustíveis, os preços do peixe em lota, a diminuição dos stocks disponíveis, a certeza de que, por se tratar de um bem perecível, dificilmente conseguirão escoar os excedentes. Trata-se de uma actividade essencialmente extractiva.
A pesca lúdica entende que, dados os níveis de investimento em equipamento de pesca, em licenças, em deslocações, o que isso representa de mais valias para o Estado em impostos, e também na relação custos ambientais/ proveitos próprios, deveria ser mais protegida. Falamos não apenas de baixar os custos que estão inerentes a uma saída de pesca, mas mais do que isso: fiscalizar a colocação de redes a poucos metros da costa, que impedem o peixe de comer, lançar redes e aparelhos com milhares de metros de extensão, de pesca com artefactos luminosos, bombas, e o diabo a sete.
Há uns anos, no Algarve, foi detectada uma embarcação que utilizava redes com dezenas de metros de altura, que fazia cerco aos pargos capatões, na altura da desova. Terão sido exterminadas muitas centenas destes preciosos peixes, os reprodutores que tanta falta ao ecossistema.
Este é o estado em que se encontram muitos fundos marinhos, uma verdadeira armadilha para peixe, que não serve a ninguém. |
Também no Tejo, capturas de toneladas de corvinas são relatadas, e num momento em que os peixes fazem a sua reprodução, ou seja, quando estão mais vulneráveis.
O pescador de linha está num comprimento de onda diferente. Não sofre na pele o facto de não pescar. Mas tem direitos e não falta quem acredite ser dispensável haver tanta embarcação profissional, estudados os custos/ benefícios de ambas as actividades. Grosso modo, o pescador lúdico pesca muito menos e gasta muito mais, por kg de peixe.
Aqui, é razoável pensar que existe já uma geração de pessoas que pensa para além da captura do peixe em si, que vai ao mar não para trazer, mas para estar.
Quem vos escreve já assistiu a quase tudo. De barcos profissionais que lançam as redes literalmente em cima de nós, onde estamos ancorados, barcos com artes proibidas a cercar o nosso barco e a impedir a saída, barcos que trazem a bordo pessoas com garrafas de ar comprimido e armas de caça submarina, enfim...
Barco a operar em zona onde já havia uma embarcação de recreio fundeada. A foto foi tirada depois de termos levantado a nossa ancora, para nos afastarmos.. |
Continuo pensando que há um espaço para todos. Há um elo de ligação, que é o mar. Para uns, uma opção, um escape, uma oportunidade de relaxar de uma semana de trabalho, para outros, uma “não opção”, uma obrigação mesmo, porque tem de ser.
Este barco chegou, lançou redes de copo a 10 metros de nós, pescou o peixe que havia por baixo, e saiu. |
Como costuma dizer-se, no meio está a virtude, ou se quiserem, “nem muito ao mar, nem muito à terra”….o ideal seria que as relações fossem boas.
Gostaria de deixar aqui um desafio a todos, para que exponham razões, que comentem ambas as posições, que contestem, em suma, que procurem explorar oportunidades de diálogo à volta deste tema.
Vítor Ganchinho