Entendam aquilo que vão ler como sendo algo que é assim porque …tem de ser assim! A não existência de uma boa rede de frio, de um mercado coberto, de condições de higiene como as que podemos encontrar na Europa, faz com que a capacidade de adaptação do ser humano seja levada a um extremo. Aquilo que pensamos ser mau nos nossos mercados, seria considerado um luxo em terras de África. Tudo é relativo.
Este peixe, pargo luciano, poderá ter 5 dias de ter sido pescado. Tem um cheiro nauseabundo. Acreditem ou não, conforme está, é considerado peixe fresco em algumas zonas de África. Isto come-se! |
Em muitas zonas remotas de Àfrica, a única possibilidade de conseguir proteína é a de comer peixe sêco.
Porventura um negócio de molas de roupa poderia ser bem sucedido, mas não para pendurar roupa, essa não é lavada durante meses, mas para apertar o nariz.
Já vos falei da Pedra Kounke. Trata-se de um afloramento rochoso que vem de uma profundidade de 400 metros, sobe aos 27 mts na zona mais alta. Tem inúmeras grutas ao longo da pedra, a uma cota de 45 metros, o que oferece aos grandes pargos e meros alguma protecção dos pescadores e grandes tubarões que visitam a zona. O Kounke foi descoberto por uma piroga senegalesa que saía de Sali, a norte da Gâmbia, com direcção à Guiné Bissau, para pescar à rede nos baixios dos Bijagós. Aí, a riqueza de peixe é tremenda e as pirogas enchem muito rapidamente. Não pode ser pescada de forma industrial pelos grandes barcos-fábrica, porque o calado dos navios não permite que operem em zons baixas. Por isso, a solução encontrada por estes barcos foi a de pagarem em dinheiro e álcool o peixe capturado pelas pequenas pirogas que, baixas e manobráveis, conseguem pescar. A fazer essa travessia em linha recta, essa piroga viu uma mancha vermelha que se estendia sobre centenas de metros na superficie da água. Aproximaram-se e viram que a mancha que observaram de longe eram….PARGOS. Eram milhares de pargos à superfície em acto de reprodução. Digo-vos como se processa: as fémeas de pargo luciano juntam-se em enormes cardumes, que vi inúmeras vezes com os meus olhos, e fazem algo parecido com um tubo, desde o fundo até à superfície. Os machos, maiores, juntam-se a este tubo, e à libertação dos óvulos, lançam o seu esperma, fecundando os ovos em todas as camadas de água. Trata-se de um acasalamento colectivo, conforme fazem muitas outras espécies. A piroga encheu na sua capacidade máxima e retornou a terra.
Como sempre, os bons locais são muito rapidamente conhecidos. O processo é simples e assassino: “ Se me deres 100 euros, dou-te as coordenadas de um sitio onde podes ir buscar 1.000 euros de pargos em poucas horas. Hoje”….
Funciona assim. Em África vive-se o dia de hoje. Amanhã é algo muito distante, ….logo se vê. Por isso, hoje aquele local, que conheci ainda com peixe, está cada vez mais deserto.
Vítor Ganchinho