Falar de revisões de motores marítimos em África é tratar de um assunto que ninguém sabe o que é. O termo não existe. Aquilo que se faz é meter gasolina, e andar.
Ficariam surpreendidos se soubessem a que distâncias estes marinheiros se aventuram mar dentro. Encontrá-los a 80 km ao largo não é nada de estranho, desde logo porque a plataforma continental não cai abruptamente, é muito plana, e podemos ter 30 metros de profundidade a mais de 2 horas de distância da costa. Eles saem da sua aldeia sem água, sem comida, sem qualquer meio de comunicação, passam o dia todo no mar e entram muitas vezes já de noite. E todavia, …não querem saber mesmo da manutenção dos motores.
Já vos disse que a potência destes motores não é nada de mais, quando encontramos 40 CV já é algo, mas não esqueçam que as pirogas são muito estreitas, de quilha triangular, e isso permite deslocações muito rápidas com pouco motor.
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Um barco destes pode afastar-se do seu porto de abrigo horas e horas, e apenas depende do correcto funcionamento do motor. Ou… há problema. |
Verdade seja dita que estas pessoas montam e desmontam os motores com grande facilidade. Há sempre alguém a bordo que com uma faca e um pano já consegue fazer o milagre de o pôr a trabalhar. Mas ainda assim, é um risco tremendo. Se acham que ter dois motores é a melhor solução, …pois não. Pode perfeitamente acontecer que os dois estejam iguaizinhos, ou seja…na sucata. Quando pagamos uma saída de mar, à primeira vista estamos a alugar um barco para um dia. E pagamos exactamente para isso, um dia. A questão é que depois de começarmos a andar, na maior parte das vezes chegamos à conclusão que deveríamos ter alugado apenas por 5 minutos. Ou seja, o tempo exacto para ficarmos empanados mas conseguirmos voltar a terra a nado.
Tratando-se de populações que vivem junto ao mar, seria expectável que tivessem gente que fosse entendida em manutenção de equipamentos. E na verdade, são!
A questão é que a possibilidade de receberem peças de substituição é quase nula, pelo que os motores têm de se salvar a si próprios. As marcas e modelos mais utilizados são exactamente aqueles que necessitam de menos manutenção. Esse é o critério de compra. Por isso, um motor a dois tempos, Enduro, é sempre melhor que um modelo mais económico, ou menos poluente, ou o que seja, porque isso não conta. “Maintenance free” é o critério.
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Uma cobertura com fitinhas, para dar “estilo” ao motor, para ficar bonito. Em princípio nos últimos dez anos nunca fez uma revisão. |
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Aspecto geral da instalação eléctrica de um dos barcos que costumamos alugar. O cuidado no detalhe faz com que nos sintamos seguros… |
A solidariedade que revelam entre eles, resolve muitas vezes problemas que noutras paragens seriam irresolúveis. No mar, levantar os braços significa que necessitam de ajuda e ela é dada.
Dentro da medida do possível, com os equipamentos de reparação que na maior parte das vezes não passam de uma faca, eles fazem autênticos milagres. A maior parte das embarcações está literalmente ligada com cuspe e fita cola. São barcos que trabalham todos os dias e os seus proprietários conhecem-lhes as manhas, e sabem resolver a maior parte das enxaquecas.
Mas isso não invalida que volta não volta não estejam de braços no ar…
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Quando se trata de motores, os que estão em terra não são muito melhores, deixam-nos agarrados na berma da estrada a cada instante, …mas estamos em terra. |
Vítor Ganchinho