TEXTOS DE PESCA - Baleia sem bikini, a sul da Comporta

Gosto de me levantar cedo. Ver nascer o sol é sempre um momento inspirador. São instantes de brilho que, por fugazes e passageiros, não deixam de nos trazer felicidade. E quando temos a sorte de ter pouco vento, isso é sempre a promessa de um dia que pode ser bom.
Saí ao mar numa manhã ensolarada de Março, no meu barco Sprint, um Lomac Big Game 6,60 mts equipado com um motor Honda 175 HP. Uma bomba de barco a andar rápido, muito seguro, estável, e bastante económico, atendendo às longas distâncias que faço. 



Mar calmo, completamente chão, para uma jornada de testes de equipamentos de pesca. Estava longe de pensar que iria dar com uma baleia descascada, a caçar, a sul da praia da Comporta. Não, não era uma alemã reboluda e de pele branca. Essas são comuns e nem sequer são notícia. Era negra, com cracas por cima dos olhos, teria uns 7 a 8 metros e estava a caçar cavalas, a não mais de 300 metros da praia. Conto-vos como foi: 
Por vezes faço saídas de barco apenas com o objectivo de experimentar materiais adquiridos pela GO Fishing no Japão. Porque não são propriamente dias de pesca enquanto tal, não pressupõem sequer quaisquer capturas. Faço estas saídas sozinho, para não desapontar os meus colegas de pesca regulares. Eles vão à pesca para pescar peixes. Eu tenho outras ideias, e não passam exactamente por trazer peixes para casa. O objectivo pode ser bem mais simples: primeiro que tudo, estar no mar. É muito importante a sensação de liberdade, de equilíbrio. A seguir, testar a acção de um conjunto de canas com diversos pesos de jigs, verificar o comportamento de uma amostra em situação real de pesca de mar, vibração, afundamento, distância de lançamento, testar uma linha muito fina, medir o tempo de descida dos vinis com diferentes gramagens de cabeçotes, etc. Há muito a ver, a investigar, para quem é exigente com o seu próprio material e muito mais com aquele que é vendido a outras pessoas. 



Estava no meu barco pessoal, e de cabeça baixa a mudar um pequeno jig de 12 gramas, quando nisto ouvi aquilo que poderia ser entendido como um autocarro a cair do céu, a dez metros de mim. Um enorme splash de água voou pelo ar e abateu-se sobre mim. Fiquei com a roupa completamente encharcada do lado esquerdo, o barco com a consola e o fundo tapados de água. No espaço de um segundo, tinha a embarcação semi-rígida a baloiçar no cachão produzido pelo animal. Por vezes a minha mulher vira-se de repente na cama e provoca algo parecido, pelo que nem me assustei. Passados alguns segundos, entendi o que se passava, e a preocupação seguinte foi a de registar o insólito acontecimento. Começaram aqui os problemas. 
Primeira situação difícil: …encontrar o telemóvel, que estava guardado dentro de uma bolsa, dentro do banco de condução. Porque pescava com luvas, e o aparelho responde à aplicação de impressão digital, foi necessário retirar a luva direita. A baleia continuava ao lado do barco. Tive o cuidado de desligar o motor. Ao fim de alguns segundos, tinha o telemóvel preparado para filmar. Nesse instante, ao olhar para o sítio onde estava a dita, apenas vi a cauda a afundar, e o que filmei foi apenas o remoinho e nada mais….



Como explicar aos amigos que aquilo era uma baleia, encostada à costa?...E logo eu, que tenho a certeza de que sou o humano escolhido para uma nova aparição de Fátima, e por isso ando sempre com o telemóvel artilhado, pronto a fogo! Logo ali naquele momento tinha de ter tudo guardado a sete chaves na mochila da comida.
Resolvi tentar encontrá-la novamente, sabendo que as chances eram agora bem menores. Ao fim de uns minutos, presumo que uns cinco a seis, aí estava ela, a 300 metros de distância. Liguei o barco e avancei. Quando cheguei ao local, …era tarde demais. Remoinhos sim, mas baleia nem pensar. Pela direcção que levava, decidi arriscar um palpite. Avancei mais umas centenas de metros, desliguei o motor e esperei por ela. A ideia era boa, mas a natureza tem destas coisas: saiu, mas muito mais longe. Conduzi até ao local, e pouco mais fiz do que tirar uma imagem da minha sonda, com aquilo que parece um comboio, a meia água. 



Mais uma tentativa, e desta vez foi mesmo a última. O que consegui foi um pouco de “rabo”, e é isso que tenho para vos mostrar…



Quem mostra o rabo não merece castigo. Fora de questão continuar a tentar filmar, porque percebi que o bicho estava já farto de mim, dos meus truques de conduzir o barco com uma mão, filmar com a outra, e tentar dar um pouco de seriedade ao assunto. De qualquer forma, garanto que o animal estava a alimentar-se, desde logo porque o comportamento nervoso das cavalas à superfície não era mais que medo daquilo que estava por baixo. Estavam apavoradas. Uma boca daquelas não é para menos…fica apenas dois milímetros abaixo da de uma mocinha que apresentava os noticiários.



Podem ver o filme aqui:



O dia seguiu, com algumas capturas interessantes, nomeadamente com alguns pargos bem dispostos, a lançarem-se com genica sobre os jigs pequenos, de 20 a 30 gramas, das marcas Xesta e Smith. 



Os dias de pesca nunca são iguais, e seguramente muitos dias passarão até voltar a ver uma baleia encostada à costa. 
Mas naquele sitio já encontrei orcas, espadartes, e os golfinhos caçam regularmente naquelas paragens. Não é por acaso e eu sei porquê. 
É bom saber que eles andam por lá, e que todos nós podemos ajudar a preservar esta tremenda riqueza nacional para as gerações futuras. 


Vítor Ganchinho



2 Comentários

  1. Bonito encontro e bonito peixe! Acho que vi este barco perto de mim a norte de Melides :)

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    Respostas
    1. Bom dia! Já lhe respondo numa peça à parte, porque gostava de partilhar consigo um video que mostra, mais ou menos, aquilo que eu passei. Obrigado pelo seu comentário!

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