Continuamos a ver peixes de bom tamanho. Passamos hoje aos pargos, e porque estamos a analisar peixes africanos, aqui têm mais alguns bons exemplares.
Os lucianos podem ser feitos à linha, e já aqui vos contei a técnica, utilizando um atum vivo. É um peixe fabuloso, e quem o pesca, quer à linha quer ao mergulho, fica sempre com histórias para contar.
Os pargos lucianos, sendo algo de muito comum na costa ocidental de África, não nos são no entanto desconhecidos, havendo registos de algumas capturas em Portugal.
Há mesmo um destes pargos que foi feito no centro do país, em Peniche. Porque é um peixe de águas mais quentes, isso pode ser um prenúncio daquilo que pode eventualmente vir a acontecer, no caso do aquecimento global vir a aumentar. Também há registo da captura de um destes pargos na Ilha das Flores, Açores.
Mais um “matacão” de um pargo luciano, Lutjanus Cyanopterus. Este teve a particularidade de ter sido capturado tendo eu a meu lado a minha mulher, a Lena, que assistiu a tudo, desde a superfície. |
Este peixe é objecto de pesca dirigida, no Senegal. Conto-vos como:
Vários mergulhadores descem ao fundo e procuram encontrar os cardumes. Quando o conseguem, passam a mensagem para o barco que os transporta. É feito o cerco, largando as redes por cima das pedras em volta.
Depois de cercados, os pargos têm muito poucas possibilidades. Já vi as redes que utilizam, e não são propriamente meigas: trata-se de rede feita com corda de nylon de 5mm, com malha de cerca de 10 cm, extremamente pesadas, mas as únicas que garantem que os peixes não as vão rebentar. Não esqueçam que este peixe pode facilmente atingir os 80 kgs de peso. Prometo voltar a este assunto, com imagens deste tipo de pesca.
Quando falamos de lucianos grandes, temos de falar de um terrível caçador de lucianos grandes: Mohamed Sow, com um de 37 kgs. O barco era por nós alugado a Eric Dubouchet, um ganês de quem guardo excelentes memórias, e alguém que tem não só tremendos conhecimentos da vida marinha em África, como consegue ainda ter uma grande visão empresarial do fenómeno da pesca. Acreditem que falar com ele é um privilégio, e um acontecimento marcante. Para além de um acampamento de pesca nos Bijagós, tem um centro de pesca em N`Gor, e é aí, nesse centro, que abriu um restaurante onde serve o peixe capturado no dia, excedente de peixe dos seus clientes, e que acaba por ir parar ao prato dos turistas que visitam a zona.
Eric Dubouchet, com um excelente lírio. |
Mais dois lucianos, embora de espécies diferentes. O maior tinha cerca de 40 kgs e tem história… A Barracuda tinha 32 kgs |
O local de caça foi a mítica pedra Kounke, ao largo de Dakar. Eu estava com uma equipa de portugueses, a quem fazia questão de mostrar o melhor que aquele país tinha para oferecer. E com o inevitável Cherif, o Mohamed. A dada altura, encontrei um cardume de pargos lucianos, a cerca de 20 metros de fundo. À minha aproximação o cardume respondeu afundando uns metros mais. Eu tinha na altura uma arma Riff, que era mais que suficiente para lhes poder fazer mesmo muito mal. Digo-vos que utilizava um arpão de 2 mts de comprimento, por 1cm de espessura.
Desci mais uns metros, mas eles afastaram-se novamente, deixando-me a fazer contas aos metros e à força que teria de fazer para içar um peixe daqueles. Para mais, havia corrente forte, o que me obrigava a ter de dar à barbatana para voltar ao local onde estava o cardume.
A dada altura, e aproveitando um momento em que tentava recuperar o fôlego, o meu amigo senegalês, mortinho por experimentar a minha potente arma, pediu-ma emprestada. Quando voltou do fundo, trazia o pargo mais pequeno que vêm na foto.
Voltei a carregar a arma e desci. Com o tiro anterior, senti-a agora os pargos muito mais desconfiados. O cardume não tolerava uma aproximação inferior a 12-14 metros de distância, o que era muito para quem já estava na cota dos 27 metros de fundo.
Voltei à superficie. O Mohamed voltou a pedir-me a arma. Mais uma captura, desta vez, a barracuda que foi pesada a bordo, e que tinha 32 kgs. Voltei a carregar a arma, o que dava uma trabalheira medonha, e quando preparado, voltei ao local onde tinha avistado um outro cardume de lucianos. Tudo em esforço, tudo contra a corrente. Ao chegar ao local, o meu amigo senegalês, que tinha estado a descansar no barco, aparece ao pé de mim. Já nem hesitei, já sabia que queria de novo a arma.
_ Toma lá e agora a seguir fazemos ao contrário: Tu carregas a arma, descobres os peixes, e a seguir eu chego no barco, descansado, e desço!....
Passados os momentos de riso, Mohamed fez cara séria e disse-me: a corrente está cada vez mais forte, já não temos muitas possibilidades aqui, mas pode ser que ainda dê para mais um peixe. Chama os teus amigos.
Comigo, estavam o Francisco Amante e o Alexandre. O senegalês estava a ventilar, a preparar-se para descer mais uma vez lá abaixo, a cerca de 35 metros de fundo, onde tinha visto os peixes. Levava a minha arma atada a uma corda e por sua vez a uma bóia que mais não era do que um bidon de gasolina vazio. No Senegal, os recursos são escassos e o improviso é constante. A bóia destinava-se a impedir que o pargo, depois de flechado, pudesse descer mais, pois havia buracos fundos a 45 metros. Dei-lhes instruções para que segurassem a bóia com firmeza, e vim para o barco descansar.
O Mohamed apanhou ar mais uma vez e desceu. Agarrados à corda de nylon, estavam os meus dois amigos. A dada altura senti que um deles tinha feito um ligeiro sinal, teria percebido o tiro abaixo. Passados dois segundos, vi os dois, mais a bóia, serem arrastados para o fundo.
Lancei-me à água para os ir auxiliar. Quando cheguei, estavam ambos à superfície, a recuperar o fôlego. Dizia um deles: Vai lá, vai!! Quem é que segura um bicho daqueles?!!....
Passados 20 segundos, o meu amigo Mohamed, apareceu à superfície. Terá feito um mergulho na casa dos 4 minutos de apneia, o que é uma brutalidade. Àquela profundidade, com aquela corrente a exigir um esforço enorme, ele estava como se estivesse a mergulhar numa banheira.
Tirou a cabeça fora de água, olhou-me nos olhos e disse-me a rir: “ brancos…..nem segurar uma bóia são capazes!”....
Explicou-me então que o pargo estava muito largo, o tiro foi demasiado longe e por isso não foi possível atingi-lo num sitio mortal. Era muito importante ter sido travado pelas pessoas que estavam à superficie, para não descer às grutas que estavam 10 metros abaixo.
Voltou a descer, e fez então um tiro de misericórdia, a 45 metros, trazendo consigo o pargo. É esse que vêm na foto, meio esfolado, dos esforços que foram necessários para o extrair do buraco. Um barril de dinamite, força incalculável, com uma deslocação poderosíssima catapultada por uma cauda que, como vêm, é recta, não bifurcada.
O pargo Luciano, uma força da natureza. |
Espero que tenham gostado.
Vítor Ganchinho