Sai fora do âmbito das minhas competências qualquer tipo de especulação ligada ao fenómeno da pesca lúdica. Trabalho com factos concretos. Tenho mesmo muito pouco interesse em entrar por uma via de explicações metafisicas que não possam ser comprovadas com factos, com dados visíveis, preto no branco. Sabemos que a Natureza não é matemática simples, de dois mais dois, mas quando o caminho é feito pelo lado da adivinhação, aquela faixa estreita entre o saber de experiência feito, a prática continuada do exercício da pesca, e a teoria saloia do “deve ser assim, porque sim, talvez…”, eu saio. Os pescadores já têm problemas suficientes para resolver, com os ventos, a ondulação, a água turva, o peixe miúdo que ataca os anzóis, as marés, os coletes e mais as farmácias dos barcos, os preços dos materiais de pesca, as licenças, enfim, uma parafernália de coisas que faz com que aqueles que estão menos motivados desistam pura e simplesmente de pescar, do que estarem preocupados com fenómenos esotéricos.
Não queremos isso. Queremos gente motivada, que saiba entender o que está a acontecer, que saiba ler a água e reagir em conformidade para obter os melhores resultados.
O Rodrigo solicitou a minha opinião acerca deste tema, a influência das luas no comportamento do peixe. É um campo minado, tem franjas de resultados não mensuráveis, mas aí vai ela:
Tenho muito poucas dúvidas de que há uma influência directa da lua na atitude do peixe, embora isso não possa ser medido, quantificado. Mas será isso uma manifestação de algo oculto, ou é apenas a constatação de que a diferentes condições de mar o peixe reage de forma diferente? Todos nós que pescamos sentimos que há dias diferentes de outros, dias em que o peixe engole tudo o que enviamos para baixo, e dias em que não vai lá nem com pastéis de nata do Restelo, nem quentinhos nem com canela. E dentro desses dias bons, há horas mais favoráveis, indiscutivelmente. E também nos dias maus há momentos, algumas horas por poucas que sejam, em que afinal é possível fazer algo. É só uma questão de lua? Não penso que seja assim.
A multiplicidade de factores que podem influenciar uma pescaria é tão grande que atribuir a um só factor o resultado da nossa saída é bastante redutor e limitado. Vamos então ver onde começa e termina a questão da lua e onde a questão tem mais a ver com a biologia do peixe e o seu comportamento, condicionado pelos diversos factores ambientais:
Em pesqueiros fundos é menos evidente a influência das marés e correntes. Mas existe diferença. |
1- Pescar de manhã cedo ou ao amanhecer costuma dar bons resultados. Sabemos que estar no local de pesca ao raiar do dia é significado de boa pesca, por exemplo ao robalo. Isso nada tem a ver com a lua. Tem a ver com o facto de serem peixes crepusculares, que tiram vantagem sobre as suas presas porque têm um sentido de visão, percepção de linha lateral e audição muito sensíveis. Sabem onde estão os cardumes de peixe pequeno e atacam-nos num momento em que eles ainda estão a sair de um período nocturno, em que estiveram mais relaxados. O robalo aproveita como poucos peixes este momento mágico para comer. Os primeiros vinte minutos de luz são fatais para o peixe miúdo que procura sair da sua letargia nocturna. A partir daí, depois de se alimentar, o robalo descansa.
2- Não é indiferente para a pesca ser de Verão ou de Inverno. É ponto assente que o peixe não tem a mesma mobilidade e voracidade quando a temperatura da água baixa a 12ºC, ou quando está a 23ºC. É diferente. Por vezes temos termoclinas, diferenças de temperatura entre as várias camadas de água. Os robalos, por exemplo, sobem bastante com a água quente do meio-dia, passam a caçar à superfície. Mas também os peixes de fundo procuram as camadas de água que lhes permitam poupar as suas energias. Se os procuramos no fundo e eles estão 10 metros acima, não os encontramos. Logo temos aqui uma diferença de comportamento que não tem a ver com a lua, tem a ver com a temperatura do meio aquático.
3- Cada um de nós tem a sua verdade, e no meu caso, aquilo que tenho vindo a observar é que em dias de lua grande, cheia ou nova, determinadas espécies têm um comportamento mais agressivo, mais decidido. Outras, pura e simplesmente deixam de comer. Faz sentido que quando um determinado tipo de predador procura comer, as espécies procuradas por este se recatem mais. Ou seja, que não se alimentem com o mesmo à vontade que teriam noutras circunstâncias. Se um cardume de carapaus está a ser atacado por um grupo de golfinhos, é natural que nesse sitio e nesse momento, não piquem os nossos anzóis. Mas estarão a fazê-lo algumas centenas de metros a jusante ou montante. Logo, é uma questão de oportunidade, de estarmos no sítio certo, ou de não estarmos no sitio errado, e a lua não tem de ver com isso.
4- Basicamente, observamos aos peixes três tipos de comportamento: alimentação, segurança e reprodução. Não necessariamente por esta ordem. Se lançarmos as nossas amostras ou iscas a peixe que está a ser cercado por redes nesse instante, ele não deve picar. Parece-me consensual que todos podemos acreditar nisto. Logo, temos que existem circunstâncias fortuitas que podem, mesmo num período de alimentação forte, fazer com que o peixe não pique. E isso não tem nada a ver com a lua, tem a ver com um factor estranho à biologia do animal. A comida pode esperar se o factor segurança estiver em risco. A prioridade passa a ser outra.
5- A pressão atmosférica influência a atitude do peixe. Sim, isso acontece. Antecipando problemas e dificuldades de alimentação futuras, o peixe costuma picar de forma muito agressiva antes de uma trovoada. Não é igual ter mar calmo ou ter uma tempestade de muitos metros de vagas num mesmo local. O peixe não tem medo da água, nasceu ali e sabe fazer, sabe enfrentar. Mas tem limitações. Num pesqueiro de 10 metros de fundo, se estiverem 5 metros de ondulação a rebentar, com areia e pedras a serem projectados com violência….nada pode estar ali. O peixe estará mais recuado, no limite mínimo da sua própria segurança. Não fica lá mas não vai para muito longe, vai para onde possa suportar essas vagas, porque na primeira oportunidade entra ao pesqueiro para comer. O mar calmo é bom para nós, mas é terrível para o peixe, porque não mata nem desenterra comida. Para um sargo, o mar “mau” é o ideal porque tem de se esforçar menos para mariscar. O mar faz o trabalho por ele, arranca mexilhão, lapas, cracas, perceves. Para que tudo corra bem, não pode estar nem tão perto da ressaca que seja projectado contra as rochas, nem tão longe que não seja dos primeiros a chegar à comida fácil. Os caçadores submarinos percebem isto facilmente, e entendem a questão da distância de segurança. O peixe sente-se estável em condições difíceis que nem imaginamos. Mas tem limites.
6- Nós humanos tendemos a querer humanizar os nossos peixes. Queremos que eles estejam disponíveis desde o momento em que chegamos ao pesqueiro até que saímos. Que nos piquem os peixes grandes e os pequenos se afastem. Isso existe? Não…
O peixe tem ciclos de alimentação, utiliza as marés para se alimentar de forma mais fácil, se quiserem com menos dispêndio de energia. Porque é sempre uma questão de preservar energia. Na zona de Setúbal, os ciclos de alimentação estão muito marcados, e correspondem concretamente às ultimas três horas de maré cheia. Ou seja, num dia o peixe tem seis horas para comer a sério. Depois, …petisca, aproveita oportunidades fáceis. Temos regularmente duas marés cheias por dia e isso chega ao peixe. Mas comem todos ao mesmo tempo? Não. Quando os predadores comem, os outros peixes estão recatados. A seguir, será a vez deles.
7- A pesca fácil torna-se francamente aborrecida. Eu já pesquei em zonas em que a quantidade de peixe é tanta que muito rapidamente me fartei de pescar. Ao fim de algum tempo, estamos a tentar fazer o mesmo de outra forma e quando já esgotámos os nossos recursos técnicos, aquilo que acontece é que deixamos de pescar. Por fartura. Bem sei que vos parece estranho, mas a realidade é esta: pescar de forma muito fácil aborrece! Precisamos do desafio, da incerteza, porque só isso estimula a nossa atenção, a nossa vontade de conseguir pescar, vencer dificuldades. Se é verdade que cada vez existem menos peixes, também é verdade que os nossos materiais hoje em dia são de uma qualidade extrema. Eu pesco com canas de carbono Daiwa SMT, que têm filamentos de titânio na ponteira. São de tal forma sensíveis que, apenas pela ressonância que fazem no antebraço, eu consigo ferrar o peixe sem olhar. Tenho toda a informação na palma da mão, sem necessitar de estar a ver a ponteira. São caras, sim é verdade, mas ter uma cana SMT, Super Metal Top, é ter um aliado tremendo quando chega o momento da verdade. A GO Fishing Almada fez uma aposta de stock muito forte neste tipo de canas, depois de eu as ter experimentado pela primeira vez no Japão, em Yokohama. O material de qualidade ajuda-nos naqueles dias em que tudo parece estar contra nós. Costumo levá-las quando dou cursos de Light Rock Fishing e as pessoas ficam com uma cara estranha, com se não estivessem a acreditar que uma cana tão leve, ( a minha cana mais leve pesa….55 gramas com 2 metros de comprimento), pode ser tão sensível mas ao mesmo tempo tão rígida e nervosa.
8- A corrente que se faz sentir tem a ver com o facto de a lua estar alinhada com o sol e somar o seu efeito gravitacional ao do astro rei. Quando estão os dois em linha, a puxar no mesmo sentido, as correntes que esse fenómeno provoca podem levar ao desespero todos aqueles que gostam de mar parado. Mas o mar parado não convém a todo o peixe. Um safio ou uma abrótea não são o mesmo que um sargo ou um robalo. Não esqueçam que o peixe precisa de corrente para encontrar a sua comida, para a fazer movimentar, e é exactamente nesses períodos que se torna mais activo. O peixe vira-se à corrente, e procura uma oportunidade. O facto de alguém pescar mais durante o estofo da maré não significa que seja esse o período de mais actividade, mas apenas que esse pescador apenas está melhor equipado para actuar durante esse período. Ou que tem limitações técnicas que impossibilitam que consiga pescar noutras condições mais adversas. É aí que entram os equipamentos, as linhas, as canas, as amostras. Nós abordamos sempre esse tema nos nossos cursos de LRF. As inscrições podem ser feitas neste blog, ou na página oficial da GO Fishing Portugal.
9- Também é interessante falar de períodos sol lunares. São eles um dos responsáveis por aqueles momentos em que o peixe desata a comer de um momento para o outro e a dada altura pára e parece que deixou de existir. O peixe está sempre lá e isso pode comprovar-se pela sonda. O peixe “está lá mas não come”. O que acontece é que, e conforme a teoria do americano John Alden Knight que já vem de 1926, todos os seres vivos são influenciados pela acção do sol e da lua. Isso veio a ser comprovado posteriormente por inúmeras experiências de campo, em que ficou bem patente que há momentos de maior e menor actividade. Basicamente temos dois grandes ciclos: o que tem a ver com a fase da maré, em que o peixe come de forma decidida porque tem vantagens em o fazer naquele período de maré, com a corrente a ajudar, a trazer comida, e os períodos solunares maiores em que a lua está acima, sobre as nossas cabeças, momento de trânsito lunar, e período de trânsito lunar oposto, em que a lua está sob os nossos pés, do outro lado do globo. Esses são, acreditando nesta teoria, os momentos em que o peixe come com mais facilidade. São aquelas duas a três horas em que o peixe se lança a tudo. Também se fala sobre períodos solunares menores, com cerca de uma hora, e que grosso modo coincidem com os períodos de ocaso e nascimento da lua. Sabemos que as marés avançam diariamente cerca de uma hora, e sabemos que o período solunar ocorre quatro vezes por dia, tal como as marés, que enchem e vazam duas vezes dia, ou seja quatro movimentos. O dia lunar não coincide com as nossas habituais 24 horas, tem cerca de 24 horas e 50 minutos.
10- Por ser uma pessoa que gosta de falar com os antigos, as pessoas que já viveram muitos anos e têm experiência de vida e tempo de vida suficiente para saber, aprendi que há um fundo de verdade inquestionável nos dizeres deles. Antigamente acreditava-se piamente que havia uma relação directa entre o ciclo menstrual das mulheres, a sua fertilidade, e o mês lunar, por ambos serem de 28 dias. Não há nenhum estudo que o comprove. Quando os marítimos dizem que os dias de vento são sempre ímpares, têm por detrás desta informação gerações de pescadores que sentiram isso na pele. São eles que vão ao mar quando está mau tempo, porque sim. Porque precisam. E registam que os dias de vento são ímpares. Seguramente haverá razões para isso, aqui, no nosso mar. Quando falo de marés de 3 metros ao meu amigo Raúl Gil de Valência, Mediterrâneo, ele diz-me que nem sabe o que é isso, que deve ser uma loucura conseguir pescar com tanta corrente. Mas para nós, é o nosso dia a dia e não nos faz confusão nenhuma. O Raúl diz-me que ele pode ter uma diferença de 10 cm, e pouco mais. Logo, nem as tomam em conta no planeamento das suas pescarias. Mas noutros locais, e quando a força gravítica está no seu máximo, ou seja, quando a lua está muito perto da terra, na sua órbita regular, e está alinhada com o sol, as marés podem mesmo ser muito grandes, muito maiores que as nossas. No Canadá, na Baía de Fundy, as marés podem ter 16 metros de amplitude. Ali, as marés são absolutamente decisivas no comportamento do peixe. E também por isso alteram a vida das pessoas, obrigando-as a pescar de forma diferente. Aquilo que gostaria que tivessem em conta é que em cada local há uma situação específica, com as suas dificuldades e também com o seu potencial a explorar.
11- Por mim, prefiro pensar que aquilo que é concreto é o seguinte: Há uma relação directa entre a órbita da lua e as marés. Quanto mais próxima da Terra mais capaz de influenciar a altura a que as marés sobem e baixam. Quando a lua se junta ao sol, do mesmo lado, isso provoca marés grandes e essas marés aumentam exponencialmente as correntes. E isso acaba por influenciar directamente a nossa forma de pescar, qualquer que seja a técnica utilizada. Para quem apenas pesca ao fundo, com o tradicional sistema de uma chumbada com dois anzóis por cima, a solução é sempre a mesma: Colocar mais chumbo, aumentar o peso para que a pesca não derive tanto. Para quem sabe fazer um pouco mais do que pescar desta forma, existem soluções que permitem tornear a questão, fazendo outro tipo de opções. E continuar a pescar. Costumo dizer aos meus colegas de pesca que felizmente temos contrariedades, problemas para resolver, porque de outra forma, já tínhamos acabado com os nossos queridos peixes há muito. Precisamos deles.
Vítor Ganchinho
Viva Vitor,
ResponderEliminarMuito bom este post.
No caso das noites de lua cheia e o facto de haver muita luz durante a noite, o peixe alimenta se durante esse período?
Em caso afirmativo, esse facto torna menos possível que o peixe se alimente durante dia?
Cpts,
A. Duarte
Bom dia António Duarte
EliminarQuestão interessante.
Vou responder esta tarde, estou a tratar de assuntos de jigs Deep Liner para enviar para os Açores.
Abraço!
Obrigado amigo. De facto reduzir o nosso sucesso na pesca apenas ao fator da lua é demasiado redutor. Como descreveu e bem existem vários outros que podem ter muito mais influência naquele determinado momento. A pesca é mesmo assim, um jogo que a toda a hora muda as suas regras e forma de jogar e nós, pescadores só temos que nos adaptar e tentar entendê-las.
ResponderEliminarUm abraço!
Boa tarde Rodrigo Cruz
EliminarPese embora com um pouco de vento, amanhã e domingo lá irei para continuar a minha saga de divulgar a técnica de Light Rock Fishing. Aos poucos as pessoas começam a acreditar que é possível pescar pargos e outros peixes com jigs e vinis levezinhos. Acreditam porque os pescam! Eles próprios! Ou não acreditariam....
Bom fim de semana!