TEXTOS DE PESCA - Pargos a caçar de espera

O meu amigo Zé Carlos é um cinco estrelas. O que eu me divirto quando ele me visita para vir pescar comigo. 
Pouco dotado para estas coisas da pesca, o Zé tem tantas qualidades como pessoa que não ser bom pescador nem sequer é um problema. 
Basicamente, pesca aquilo que se pesca a si próprio, cavalas, carapaus e pampos. 

Fui um dia com ele dar uma volta de barco. Havia água limpa, o que ajuda sempre quando os mergulhos são um pouco mais fundos.
Equipei-me e dei-lhe as instruções relativamente ao que havia a fazer a bordo: arrumar sempre o peixe na caixa, não deixar as espinhas dorsais furar a tela do barco, limpar algum sangue de imediato para não deixar secar, enfim, generalidades. Disse-lhe onde estavam os anzóis empatados, porque os pampos estragam muitos com os dentes, enfim. 

Deixei-me deslizar para a água e ao fim de uns minutos, numa espera a 18 metros, entrou o primeiro pargo de riscas, uma sêmea. Ficou no tiro e subi à superfície. 
Votei ao barco e o Zé estava cercado de pampos, e a dar-lhe com a força toda. 
Pedi-lhe com o jeito possível para me ajudar a meter o peixe no barco. Tratava-se de um pargo com os seus 6 quilos, era demasiado incómodo para poder andar com ele pendurado do cinto. Fez-me uma cara meio atravessada, mas recebeu o arpão com o peixe, fechou a barbela e ajudou a lançar o pargo para a caixa do peixe. 



Saí dali o mais rápido possível, para não o importunar. Os pampos continuavam a olhar para ele, de boca aberta, como tigres esfaimados. E o Zé já roxo de os puxar. 
Fui a outra pedra próxima, mais uma descida, e desta vez um outro pargo, um pouco menor, com 4,5 kgs, entrou decidido direito a mim. Havia mais peixes na zona, sargos grandes, e até algumas ferreiras. 
Arpoei o pargo e retornei à superfície. Quando me estava a aproximar, o Zé Carlos não aguentou: 

_ Olha lá! Então mas eu estou aqui para estar à pesca, ou eu vim cá só para ter tirar o peixe do arpão?!!
Deu-me a maior descompostura. Eu bem tentava explicar que não era possível andar com aquela coisa às costas, que tinha mesmo de o deixar no barco…mas o meu colega estava possesso e não queria ouvir nenhum argumento. 
_ Então tu não vês que os pampos ficam nervosos quando tu vens ao barco?! Os bichos estão esporeados e depois não picam!!
 
Os pampos em cardume. São lobos famintos…


Não é possível explicar que o Zé Carlos que os pampos, quando estão colados ao barco, não os conseguimos mandar embora nem chamando-lhes nomes feios. 
Quando estão para picar, nem com bombas de Carnaval eles saem dali….

Voltámos a Setúbal, e eu bem tentei fazer valer os meus argumentos, fazendo ver que um pargo destes vale por 30 pampos, mas nem assim. 
Quando chegámos, ofereci-lhe os pargos, pedi-lhe desculpa e dei-lhe um abraço. Fez-me uma cara de amuado, e ficou durante semanas a remoer que eu lhe tinha estragado a pescaria. 
Tinha a caixa a deitar pampos por fora….

As pescarias do Zé Carlos.


Vítor Ganchinho



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