TEXTOS DE PESCA - Fui picado por um peixe venenoso - Como resolver?

Quem pesca à linha acabará sempre por ter, mais dia, menos dia, um encontro imediato com um rascasso ou um peixe-aranha. 
Da mesma forma que quem mergulha um dia vai estar enrolado com as águas vivas ou uma caravela. É fatal como o destino. 
Quando pescamos na pedra a possibilidade de encontrar um rascasso é grande, quando passamos a nossa isca ou amostra por cima de uma extensão de areia, estamos nos domínios do peixe-aranha. 
Os aranhas juvenis podem estar semienterrados em águas rasas, eventualmente numa praia de banhistas.  
A probabilidade de acontecer um acidente é grande, e as consequências são sempre nefastas, pelo que entendo que este é um tema que pode interessar-vos.
Antes de mais, seria importante identificar os pequenos “bandidos venenosos” que nos picam. Vamos concentrar a nossa atenção nos peixes nacionais que podem morder a nossa isca, quer seja orgânica, quer sejam os nossos artificiais, os rascassos e os peixes-aranha. Sim, porque quer um quer outro são perfeitamente capazes de se lançar sobre os nossos jigs ou vinis. 
Por serem peixes muito similares nas consequências que nos provocam, vamos abordá-los em conjunto quanto ao tratamento das suas picadas. 

O rascasso, um companheiro de todos os dias para quem pesca na pedra. Este lançou-se sobre um camarão de vinil e por descuido meu, veio a picar-me na mão. Foi libertado em boas condições de sobrevivência, com o meu pedido de desculpas pelo incómodo da subida à superfície. Ficámos amigos.



Trata-se de peixes que fazem do mimetismo a sua principal arma de caça. O rascasso habita essencialmente fundos rochosos e recorre à sua capacidade de camuflagem para enganar os pequenos peixes, caranguejos, camarões, etc, que compõem a sua dieta alimentar. 
É um peixe muito bonito, de cores castanhas no fundo que se revelam à superfície de um vermelho vivo intenso. Já aqui falámos disso: o vermelho é a primeira cor a desaparecer à medida que descemos na profundidade. Os rascassos não são vermelhos no fundo. O respeito que os outros peixes lhes dedicam advém de possuírem espinhos afiados que injectam veneno em caso de contacto. Não sendo nadadores exímios, e atendendo ao seu formato bojudo, largo e cabeçudo, deslocam-se muito devagar. Há diversas espécies de rascassos, algumas dezenas, e por isso vamos apenas analisar aquele que é mais comum, o nosso rascassinho bonito e filho da mãe, que nos pica sempre com muita vontade de nos tramar. Pescamo-los quando a nossa isca ou amostra passam junto a eles, a uma distância reduzida. Não oferecem qualquer resistência que não seja o seu pouco peso, e a sua grande boca aberta. Inevitavelmente, eriçam os espinhos para ameaçar tanto quanto podem o seu captor, embora o resultado seja sempre a sua subida ao barco. Quando inadvertidamente lhes pegamos para retirar o anzol, fazem uso de uma das suas capacidades mais remarcáveis: a capacidade de contrair os músculos de forma explosiva. É neste momento de salto que nos tocam com os espinhos, situados ao lado dos opérculos e na barbatana dorsal. 
 


Este peixe pode ser desferrado segurando firmemente a sua boca na nossa mão, com o polegar e o indicador. Eu faço-o frequentemente, o que não quer dizer que não seja picado de vez em quando… 
Não me perguntem porquê, mas sempre que aparece um peixe-aranha ou um rascasso, todos a bordo se viram para mim.

O peixe-aranha é outro dos nossos parceiros de pesca capazes de nos estragar a saída de pesca. É um velhaco que mais não faz que aproveitar as oportunidades que surgem para se alimentar, a partir da sua posição preferida: semienterrado na areia, em posição obliqua, mostrando apenas a cabeça e o dorso. Reage bruscamente, saltando de forma repentina sobre as suas inadvertidas presas. É este repentismo que nos trama: a mesma arma que utilizam para caçar, a brusquidão de movimentos, é a mesma com que procuram picar-nos e com isso libertar-se. Por vezes conseguem atingir-nos!...porque os desferro à mão, a segurar-lhes a beiçola, não vos conto a quantidade de vezes que já fui picado. Não tentem fazer isto em casa. 
Os espinhos venenosos situam-se ao lado da cabeça, nos opérculos branquiais. Também os três primeiros raios da barbatana dorsal são possuidores de veneno. Concretamente os que estão marcados a negro. Muita atenção ao facto de os peixes-aranha, que de resto são excelentes para cozinhar, de carne muita branca e firme, manterem a sua perigosidade mesmo depois de mortos. Continua a não ser muito saudável tocar nos espinhos, pelo que a sugestão vai no sentido de cortar a cabeça e fica tudo resolvido. É bárbaro, mas o animal depois de morto não se importa.  
 
Excelente peixe para comer, o aranha pode atingir tamanhos consideráveis e pesos na ordem dos 800/ 900 gramas. Este pesquei-o a norte do Cabo Espichel.


Concretamente sobre os incómodos provocados, a seguir à picada o que se sente é um pequeno ardor, e ao fim de alguns minutos, as dores a sério começam a surgir. 
São dores muito intensas, com palpitações, e que, se não tratadas, podem levar a que a zona picada fique negra, inchada, e que estrague o dia de pesca ao descuidado pescador. 
Em casos graves, pode surgir dormência, vómitos, dores de cabeça, tonturas, arritmias, eventualmente dificuldade respiratória. 
A vítima da picada sente latejar a zona afectada pelo veneno, e a dor vai-se instalando progressivamente, de menos a mais, até se tornar insuportável. Nestes casos, temos uma solução muito simples, e que resulta sempre: aplicar calor sobre o local da picada. 
O veneno destes animais é termolábil, é constituído por uma proteína que se desintegra com o calor. Os peixes estão defendidos no seu meio ambiente contra as agressões dos outros e aí defendem-se bastante bem, são numerosos, o que quer dizer que os predadores não serão muitos, mas não estão preparados, nem deveriam estar, para enfrentar o ser humano, e a sua capacidade de conseguir produzir calor. 
Quando estamos a bordo, como conseguir algo quente? Simples: colocar o motor a trabalhar durante alguns minutos e encostar a mão na zona mais quente. Esta é a minha receita de Inverno. De Verão, a estratégia pode passar por aproveitar a água da refrigeração, ou mesmo o simples encostar dos dedos a uma superfície metálica em contacto com o sol. Tudo o que esteja a uma temperatura elevada nos serve. Nunca falha!
Após alguns minutos, a sensação de ardor desaparece, e mesmo que o local fique sensível à compressão, ao fim de minutos ou horas, desaparece. E fica tudo bem, sem ser necessário recorrer ao Hospital, a médicos, a tratamentos complicados. 
Lembrem-se que aquilo que está a acontecer é apenas a utilização de um mecanismo de defesa que estas duas espécies desenvolveram no sentido de se protegerem dos seus predadores. Não é nada pessoal contra nós, e por isso não devem ficar ressentimentos. Há quem invariavelmente mate estes fantásticos peixes. Não o façam, lembrem-se que eles têm um papel importante a desempenhar na natureza. 

Um simpático estudante de Hong-Kong, que nos visitou e pescou connosco em Setúbal, com um rascasso. 


Esta espécie cresce bastante, sendo deliciosa para comer.


Vitor Ganchinho



2 Comentários

  1. Boa tarde Vítor,

    Mais um excelente artigo didáctico!
    Já me cruzei com alguns bons exemplares tanto de peixe aranha como rascasso e felizmente ainda não fui picado.
    Dos muitos curativos que já ouvi falar, aplicação de calor foi a primeira vez.

    Abraco!

    A. Duarte

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    1. Bom dia António os rascassos são muito comuns nas nossas pedras. Quem mergulha consegue vê-los todos os dias, e fazem aquilo para que nasceram: ficam imóveis, a desejar que nos afastemos dali, e continuam a sua espera por uma oportunidade de comida. Adoram camarões, e por isso são muito frequentes em zonas de safios. Os camarões habitam as tocas dos safios, aproveitam os restos de comida que ficam colados às rugosidades das paredes. Já os aranhas, em profundidades na ordem dos 25 a 30 metros, são um peixe muito frequente. São territoriais, e extremamente agressivos.Porque não encontram comida a cada passo, o objectivo é aproveitar cada oportunidade como se fosse a última. Daí, dão tudo o que têm em cada acção. Os nossos jigs pequenos são perfeitos para eles, mordem como as mulheres quando vão às aberturas de lojas de sapatos em saldos.
      Sobre as picadas é isso mesmo: calor e o assunto fica resolvido. Se aplicar logo a seguir, nem chega a doer. Mas utilize o alicate para os desferrar, não faça como eu, que lhes pego com os dedos pela beiçola...e às vezes ....lá tenho de ligar o motor durante 5 minutos.

      Abraço!!

      Vitor

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