Uma saída de pesca de barco tem, ou pode ter, se o seu
comandante tiver um mínimo de conhecimentos e experiência,
quase sempre resultados satisfatórios.
No entanto, quer pelo preço das
embarcações, quer das absurdas taxas de impostos que sobre elas
incidem, o preço do combustível, os seguros, etc, a verdade é
que aqueles que podem sair para o mar não são tantos quanto
aquilo que seria expectável, para um país à beira mar
plantado. Recordo que na costa mediterrânica em Espanha, aqui
já ao lado, existem portos a cada dois quilómetros e uma
profusão de marinas de qualidade que nos envergonha. Sair ao mar
em Espanha é bem mais fácil, pela quantidade de
infra-estruturas existente. Não as temos.
Trago-vos hoje um encontro imediato com um desses pescadores, que pesca para comer, e a quem a parte lúdica e desportiva da questão interessa zero. Tratamos de pesca para comer, literalmente.
Nem vale a pena dizer-vos que a
questão tamanho, medidas mínimas legais, etc, é apenas algo de
que se ouviu falar na sua existência, mas que é algo de vago,
evasivo e pouco interessante. Pesca-se o maior peixe que for
possível, mas guardam-se todos os pequenos que se conseguem,
mesmo que pouco maiores que um relógio de pulso, para fritar. A
solução final que justifica tudo o que se pesca de miudezas é
essa: tudo pode ser frito.
Tive uma conversa muito interessante com uma dessas pessoas. Trata-se de alguém que se vê de imediato que tem bom coração, que é um bom exemplo da excelência do bom povo açoriano, a quem a vida sorri na exacta medida em que lhe deu a coragem e habilidade de conseguir medir forças com peixes miudinhos. O assunto passa-se em S. Miguel, Açores, no cais de embarque do barco que faz a travessia entre Vila Franca do Campo e o Ilhéu de Vila Franca, de resto algo que é bem ilustrativo da indiscutível beleza das nossa ilhas. Enquanto esperava a chegada da embarcação para fazer uma visita ao local com um amigo japonês de Yokohama, estive entretido a ver pescar este simpático personagem. Anzol mosca, minúsculo, linha forte porque nunca se sabe, e cana a pesar cerca de 1 kg, com uns 3,5 metros de puro plástico grosso. Daquelas canas que podemos oferecer a um inimigo, ou alguém que odiamos e queremos ver morto, começando por lhe dar cabo das costas. O equipamento estava completo com um saco plástico de supermercado, onde estava a pasta de atum e que servia ao mesmo tempo para guardar os “exemplares” pescados.
Durante 45 minutos, assisti a um desfile de irrepreensível técnica piscatória ao peixe miúdo. Com uma mão atrás das costas, segundo ele para equilibrar o peso da cana, pregava esticões sucessivos na ponteira, na tentativa de conseguir surpreender um dos microscópicos peixes que babujavam a comida. Como atractivo para disfarçar o anzol, usava a inevitável pasta de atum.
_ “Peço ali na fábrica das
conservas e eles dão me a quantidade que eu quero!”
O sistema é simples: tapa-se o
anzol com pasta de atum bem comprimida, para tentar dificultar a
vida aos ladrões de isca. Na verdade não se consegue. A isca
desaparece a cada instante, e obriga a recolher a cada 30
segundos a cana e voltar a iscar.
A pasta de atum fica prensada na
mão que não trabalha a cana. _ Guardo nesta mão e com isso,
não levo mais de três segundos a iscar. Tenho tudo
contabilizado…”
De quando em quando, um pequeno
peixinho entrega a alma ao criador. São salemas, tainhas,
sarguinhos, tudo gente com menos de 10cm. Mas que conta. Às
tantas, chamou-me com urgência:
_ Olhe, …faça agora uma foto com
este matulão”!
Nem queria acreditar: era um
sarguinho de uns 10 cm, uma promessa de sargo que daí a uns anos
seria muito grande. Como multar uma pessoa que está a pescar
peixes pequenos para comer?
Este era o sargo matulão. Imaginem os pequenos que estavam no balde… |
Porque a lancha estava demorada e porque tinha o meu carro perto, resolvi ir buscar a minha cana Xesta travel que sempre me acompanha, para onde vou. Dentro de um pequeno estojo de neopreno, com cerca de 40 cm de comprimento, e que me serve para transportar uma cana de spinning/ LRF, e que faz conjunto com um pequeno carreto PENN tamanho 1500, equipado com linha trançada 0.06mm. Com um chicote de nylon 0.25mm, faz um equipamento que me permite pescar em qualquer curso de água, ou paredão, ou blocos pés de galo. Nunca deixo de o levar pois o peso é irrisório e cabe facilmente em qualquer mala de viagem.
Perguntei-lhe se podia lançar o meu
cabeçote de chumbo de 5 gramas, com um vinil que mais não é
que um rabinho de peixe flexível, com cerca de 6 cm. Olhou para
a minha cana e achou-a fraquinha. Quando viu o que iria “propor”
aos peixes, riu-se e achou que eu não deveria ter qualquer
hipótese.
_ Eles não comem essas
borrachas!...”
E no entanto, ao primeiro lance,
calhou-me um liliputiano mero, com pouco mais de 20 cm, que
abocou a amostra com ganas de a engolir.
Felizmente foi fácil desferrá-lo e
voltar a colocar com muito jeitinho na água. Aposto que muito
desapontado por aquele almoço de peixinho branco se ter vindo a
revelar tão indigesto.
Quando o soltei, senti sobre mim o
olhar reprovador do meu amigo pescador, que me disse então:
_ Um peixe desses dá uma refeição
para uma pessoa, com muita batata! Não devia ter soltado….”
Mas solto. E solto sempre porque
acho que sim, porque os peixes miúdos são apenas projectos de
grandes peixes que um dia vamos querer pescar. Quando grandes,
têm a possibilidade de nos pôr à prova, a nossa técnica, a
nossa força, a nossa capacidade de sofrimento. Com este tamanho,
aquilo que devemos fazer sempre, e repito sempre, é deixar ir à
sua vida os pequenos meros desta vida.
Um mero pequenote, que não ganhou para o susto. Acredito que no mesmo dia fosse possível voltar a capturá-lo de novo... |
A questão dos artificiais continua a ser um assunto do dia. Existem milhares de pessoas que não acreditam que seja possível capturar peixes com iscos de plástico, com ferrinhos, e essas pessoas não só não acreditam como seriam incapazes sequer de experimentar. Há quem esteja cristalizado nos iscos orgânicos, quem não vá à pesca se não os tem.
E depois existem aquelas pessoas que
apenas querem pescar com artificiais, e que nem equacionam outra
coisa que não seja isso.
Trata-se tão simplesmente de ter ou
não informação, de acreditar que é possível, e de
experimentar uma vez. A partir daí, o assunto fica esclarecido.
Pescar com jigs ou com amostras apenas exige alguma prática,
alguma informação de como fazer.
Mas não foi isso que todos fizemos
quando começámos a pescar com iscas orgânicas?
Absolutamente espectacular, a Lagoa do Fogo, em S. Miguel. Tem carpas e trutas em abundância. |
Pescar nas ilhas é uma perfeita maravilha. Desde logo porque, tratando-se de ilhas, o mar nunca está muito longe. Existem pesqueiros em abundância e peixe para todas as técnicas. Acredito que a próxima geração vai introduzir nos Açores a pesca com amostras, o Light Rock Fishing, e muitas outras coisas que podem ser feitas com condições de excelência para a pesca, como são as nossas ilhas.