TEXTOS DE PESCA - Os nossos grandes e épicos combates - A tintureira


O tema de hoje, é por definição, algo polémico, a pesca à tintureira, a lindíssima “Prionace Glauca”. Pescar ou não pescar?

Tratamos de uma espécie protegida, que não pode ser capturada regularmente a não ser pela pesca profissional. Existe uma prerrogativa relativamente às embarcações Marítimo Turísticas, as quais estão autorizadas a trazer a terra um exemplar, desde que com comprimento superior a 1500 mm, e com restrições ao numero de capturas anuais. É algo com o isto:

O artigo 13º da Portaria 14/ 2014 de 23 de Janeiro, e o seu anexo II, dizem que tanto a tintureira como o anequim podem ser capturados e descarregados em terra, se tiverem mais de 1,5 mts e na quantidade de um exemplar por dia.
O nº 2 do Art 13º, autoriza a descarga de exemplares abaixo da medida , mas em concursos de pesca de competição.

As cores deste peixe são de uma beleza impressionante.



A captura por MT`s implica um exaustivo preenchimento de um formulário a ser enviado para as autoridades marítimas, e define aspectos como o nome e identificação do pescador, da embarcação, local de captura, métodos utilizados, etc. Presumo que leve uma hora a preencher o documento, dada a elevada quantidade de perguntas…cópias de documentação do pescador, das embarcações, etc. Algo com o isto:
•    Nome do operador marítimo-turístico
•    Número do registo atribuído ao operador
•    Nome da embarcação a bordo da qual foi realizada a captura
•    Matrícula da embarcação a bordo da qual foi realizada a captura
•    Data da captura
•    Local do desembarque
•    Nome da espécie capturada
•    Peso do exemplar capturado, em quilogramas
•    Comprimento do exemplar capturado, em centímetros
•    Coordenadas GPS do local de pesca
•    Número da licença de pesca lúdica do pescador que realizou a captura
Mais vale soltar…tanto trabalho por um peixe que existe nas nossas águas aos milhares.



O canhão da Comporta traz água das profundidades e traz tintureiras, que se distribuem pela coluna de água, para sul e para norte. Já as ferrei no fundo, a 120 metros e já me aconteceu o mesmo à superfície. Muitas dezenas de vezes.
Normalmente deslocam-se a meia água, sobretudo por baixo dos cardumes de cavala, sardinha, carapau, (aproveitando peixes debilitados: feridos, doentes ou mortos…) com passagens pelos fundos onde procuram esses peixes em dificuldades.
Preferem comer lulas, acima de tudo, mas é possível capturá-las com qualquer outro isco orgânico. Porque são de movimentos normalmente lentos, (não subestimar, trata-se de um peixe fusiforme, muito hidrodinâmico e por isso
rápido quando se sente em perigo), haverá alguma dificuldade em conseguir ferrá-las com amostras artificiais, mas creio ser possível.

Há quem as coma.
Devo dizer-lhe que as taxas de toxinas que apresentam, (e quanto maiores mais concentração de produtos como metais pesados), deveríamos pura e simplesmente bani-las da nossa alimentação. Explico-lhe porquê:


1- Dos tubarões pelágicos capturados pela frota pesqueira, 70% são tintureiras, 20% são tubarões Mako, e os restantes 10% são os diversos que visitam a nossa costa. Incluindo tubarões martelos, que já vi junto ao Regueirão.
2- As linhas de anzóis lançadas aos atuns, aos espadartes, são as maiores causadoras de morte desta espécie de tubarão azul.
3- O valor comercial da tintureira em lota, por exemplo em Sesimbra, não excede os 2€/ kilo.
4- Analisados fígados e músculo de tintureiras, o resultado foram níveis elevadíssimos de bifenilos policlorados. O limite da EU relativamente ao consumo humano é de 200ng/ grama de peso.
Nos estudos efectuados em tintureiras, a concentração nunca foi mais baixa do que 328ng/ grama. Um dos exemplares de maior tamanho foi analisado em 1.164ng/ grama! Nos músculos, o tear de mercúrio foi de 1.36 mg/ kg, o que ultrapassa o limite máximo para consumo humano, que é de 1 mg/ kg. O animal mais contaminado registou 3.10 mg/ kg.
Por outras palavras, …pesque-os, mas não coma estes animais.

A capacidade de natação e deslocação das tintureiras excede em muito aquilo que podemos julgar possível. Dou-vos dados:

A 06.06.2009, ao largo da Ponta da Piedade, em Lagos, Algarve, foi marcada pelo biólogo Nuno Queiroz, do Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos do Porto, uma fêmea jovem, com 130 cm de comprimento.
O dorsal colocado foi o nº 66967. Foi instalado um dispositivo que regista a posição geográfica e comunica via satélite os dados da deslocação.
Depois de uma passagem a sudoeste do Cabo de S. Vicente, Sagres, a tintureira rumou a norte, e chegou ao canhão de Setúbal, zona Comporta, a 15.06.2009, ou seja nove dias depois. Seguiu via norte, ao largo de Lisboa, sendo registada ao largo de Peniche.
O transmissor funcionou durante 119 dias, dando a última posição a norte do Golfo da Biscaia, Espanha. Outros exemplares marcados em Inglaterra, foram, meses depois, remarcados em Marrocos.
Ao que parece, a zona mais profícua de reprodução são as águas temperadas de Cabo verde, onde têm sido encontradas muitas fêmeas grávidas, o que não deixa de ser estranho para nós: as tintureiras passam na zona de Setúbal quando as águas são mais frias,
na ordem dos 16ºC…

Tintureira bé-bé, um peixe muito bonito. Esta foi acidentalmente pescada por uma senhora irlandesa, e foi restituída à agua após a foto da praxe.


Há uma aura de perigosidade latente, que não se confirma de todo. Ainda assim, trata-se da pesca a um tubarão. No imaginário de muitas pessoas, algo difícil, raro e perigoso.
Na verdade, não é nem uma coisa nem outra: a tintureira é um peixe ainda abundante, fácil de pescar e muito pouco perigoso. Nem sequer é um grande troféu, como o é indiscutivelmente um pargo de 10 kgs.
Eu trabalho-as sempre com as mãos, e se tenho algo a reclamar é a sujidade preta que fica entranhada na roupa, quando lhes tocamos. O perigo delas é outro, e  tem a ver com o facto de serem tóxicas.

Atrair uma tintureira, dada a enorme capacidade olfactiva e sensitiva (ampolas de Lorenzini) da espécie, é fácil. São viajantes dos oceanos, preferencialmente de águas azuis, e captam
qualquer réstia de odor a peixe, sangue, vibrações de peixes a debater-se, movimentações de cardumes, correntes eléctricas geradas pelos peixes por atrito na água, etc. E aparecem!
A partir do momento em que as temos à vista, quer na sonda quer fisicamente à superfície, a sua pesca resume-se a uma questão de solidez de equipamento e força. A parte técnica nem é muito exigente.
De qualquer forma, e atendendo à pressão de pesca que os tubarões sofrem em todo o mundo, e mesmo que tenhamos muitas deste lado, parece-me bem que se considere apenas como ocasional a sua captura.


Estes animais merecem todo o nosso respeito, são viajantes dos oceanos, e o produto “final” de uma evolução de milhões de anos. Em caso de captura acidental, devem ser sempre libertados com o máximo cuidado.


Se querem saber de detalhes sobre o equipamento indicado, digo-vos que aquilo que serve para um safio, serve para elas, desde que juntem um terminal de aço de 60 libras.
Os fios de nylon cortam com muita facilidade, os trançados ainda mais, e os cabos de aço multifilares são mais eficazes, mas cortam também. Os dentes são muito afiados, cortantes, e o peso do animal sobre a secção do cabo de aço acaba por fazer com que rebente.
Existem mais possibilidades de sucesso fazendo da seguinte forma: ferrar ao primeiro contacto, e isso pode fazer-se perfeitamente com pesca à vista, à superfície. Quando o anzol fica cravado  e a linha fica livre
dos dentes, as possibilidades aumentam muito. A seguir, é de manter a linha sempre esticada de forma a que o peixe não consiga enrolar-se (como fazem os safios…) porque normalmente isso é o …” fim da linha”…
A pele da tintureira é áspera, e como sabe toda ela é formada por minúsculos dentes revirados para trás, o que permite uma deslocação frontal muito rápida, e aquele efeito de “lixa” quando passa a mão ao contrário da orientação da pele.

Já fiz tintureiras com terminais de linhas de nylon finas, 0.40mm, mas isso acontece aquando de capturas acidentais, em que procuramos um determinado tipo de peixe no fundo, e elas aparecem, vindas ao cheiro e às farripas de isca que ficam a flutuar quando as iscas descem rapidamente, impulsionadas pela chumbada. Este ano foi desumanamente abundante em tintureiras, a ponto de impedirem por completo a pesca a outras espécies. Não me recordo de uma pressão de tubarões tão grande. A ponto de eu estar com dois colegas a pescar besugos e pargos e termos de voltar a terra às 11.00h da manhã, por não termos mais equipamento de pesca disponível. Muito provavelmente esta proliferação deve-se ao facto de terem um preço em lota tão baixo.
Há zonas onde francamente é difícil pescar, em alturas em que as tintureiras andam pelas imediações.

Aspecto da dentição da tintureira. Reparar nos pontos escuros, que mais não são do que canais ligados a terminais nervosos, as célebres Âmpolas de Lorenzini.


Libertar um peixe destes exige muito cuidado, e não deve ser feito por quem não sabe, ou por quem não tem meios para isso. Para evitar acidentes, mais vale cortar a linha acima.
No entanto, sempre que possível, a sua solta deve considerar sempre o facto de se optar por retirar o anzol.
Aquando da sua libertação, pode acontecer que o alicate com que são desferradas possa partir um ou outro dente. Para o animal isso não é particularmente grave, já que têm sempre filas de dentes a nascer, e substituem com rapidez as faltas.
Pescar estes animais “propositadamente” é algo que pode fazer-se, desde que com muito cuidado, e que a restituição à água seja feita rapidamente, após a foto da praxe, mas …não será melhor apenas vê-las e deixá-las nadar…?

Pequeno tubarão Mako, de cerca de 11 kgs, que é na sua essência um peixe com o formato de um tubarão branco, em miniatura.


Os Makos podem ser perigosos para o ser humano, em determinadas circunstâncias. Este pesquei-o a norte do Cabo Espichel, num dia de mar muito calmo, e foi libertado após lhe retirar o anzol.


A melhor época para as encontrar é de Março a Julho, sendo Abril e Maio os meses em que temos mais animais destes junto à costa. Por vezes tornam a nossa pesca verdadeiramente impossível!
Ou porque comem o peixe que estamos a pescar enquanto sobe, ou porque seguem as nossas iscas, cortando as linhas.
Ver tintureiras a nadar no seu meio ambiente, e acreditem que podem chegar a ser muito grandes, acima de 3,5 mts, é todo um privilégio.
Outro tubarão comum que aparece ocasionalmente a atacar as nossas linhas é o mako, ou anequim, que é um velhaco e tem dentes que implicam algum cuidado. Passo-vos um filme, para que tenham uma ideia:


https://youtu.be/pD4D-JPkIv0


É obrigação de todos ajudar a preservar esta riqueza nacional. Ainda que sejam ferrados inadvertidamente, a primeira preocupação deverá ser a de minimizar o incómodo para o animal, e tentar a sua devolução o mais rápido possível.
Nem sempre é fácil, já que implica algum trabalho de ….dentista!

Sobre outros peixes grandes, e falamos de atuns e espadartes: é possível procurá-los, e com um pouco de sorte, encontrar algum. Mas as garantias são baixas. No fim de semana passado, a embarcação GO Fishing III
avistou um espadarte na casa dos 80 kgs, e esteve junto a ele durante uns 10 minutos. Os atuns grandes, este ano ainda não foram avistados, mas em 2018 e 2019 vimos cardumes com alguma regularidade na nossa zona de pesca.



Estou disponível para todo e qualquer tipo de questões que pretendam colocar, através do nosso blog.





3 Comentários

  1. Boa tarde Vítor,

    É realmente um animal majestoso com milhões de anos de evolução, do qual merece e deverá ter toda a nossa atenção e apreço.

    É fascinante vê-lo no seu habitat natural!


    Abraço,

    A. Duarte

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    Respostas
    1. Sem dúvida! Eu que já tive por diversas vezes a possibilidade de nadar com tintureiras ao lado, posso assegurar que não há muitos peixes que possam causar-nos tanta impressão, tanto entusiasmo. Ao longo de quase quatro dezenas de anos de mergulho, e porque acabamos por frequentar sítios comuns, é inevitável o encontro. Lembro-me de estar a caçar nas Perceveiras, em Sines, e de haver muita gente a esbracejar da costa, o pessoal da pesca à linha, a avisar-me de que havia tintureiras na água. Aquilo tem cerca de 20 metros de fundo, e nesse dia estava muito calmo, quase sem ondas. As tintureiras estavam mesmo encostadas à costa, com uma água azul vidro, que permitia vê-las ao longe. Eu estive mais de uma hora sem caçar, porque tinha uma máquina fotográfica estanque da Nikon, com um rolo de 36 fotografias, e porque já só tinha três ou quatro disponíveis no rolo, queria um grande plano. E fiz de tudo para as fazer aproximar, desde cortar uma tainha em bocadinhos pequeninos, até ir para o fundo e subir mesmo por baixo delas. E consegui algumas fotos de grande qualidade. Recordo-me que, ao chegar ao carro, e estar a tirar o fato de mergulho, passarem por mim dois pescadores de Sines, e um deles comentar para mim: "...andava ali um maluco a mergulhar que estava cercado de tintureiras. Eu vi logo que ele não ia ter possibilidade nenhuma de se safar! Vi-o ir para o fundo, e não veio à superfície durante muito tempo. Deixei de o ver, aquilo deve ter sido comido"....

      Na verdade, vi-me grego para chegar perto delas, porque são animais muito tímidos, não nos deixam aproximar demasiado, e só com alguns bocados de peixe na água é que se tornam mais permissivas. A táctica é deixar muitas farripas de peixe a flutuar, ir para baixo, deixá-las aproximar da isca, e então sim, subir e fazer as imagens bem de perto.

      A maior parte das pessoas não sonha que muitas vezes, com águas muito limpas, normalmente a seguir a um vento leste forte, as tintureiras chegam a estar a 20 metros da praia. Na verdade, o risco é tão próximo de zero que eu deixo as minhas filhas ir ao banho em zonas onde sei que as podem encontrar. Um dia não haverá bichinhos destes e ninguém poderá desfrutar daquilo que é um mergulho de alta qualidade, no meio de tintureiras.

      Um dia não haverá, porque nós não lhes damos possibilidades nenhumas de sobrevivência. Sei que andou uma traineira da Figueira da Foz na nossa baía, a pescar às centenas delas....com palangres, com quilómetros de linhas com anzóis.....


      Abraço

      Vitor


      Abraço
      VItor

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    2. Boas,

      É muito triste e desolador a nossa mentalidade e postura!

      Há umas 3 semanas atrás, a nossa baía ainda estava repleta, tanto de tintureiras como de anequins (estes últimos em menos quantidade).

      Fiz um pequeno video em que uma pequena tintureira vinha comer à minha mão, parecendo um cão.

      Simplesmente maravilhoso!!!

      Abraço,

      A. Duarte

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