Dias mais curtos

Quando o pessoal das areias e toalhas abandona a praia e deixa trabalhar quem sabe, as pescas de surf-casting começam a ser produtivas, e a dar uns peixes. É o mês de Setembro que normalmente marca o início das hostilidades, com as primeiras chuvas, os primeiros ventos que Outubro irá confirmar. O fim das algazarras dos miúdos, dos cremes protectores, das pernas que correm e pulam, ajuda a que os peixes possam voltar a locais onde, por menos pressão de peixe, puderam criar-se e crescer os vermes de areia, os caranguejos, alguns camarões debaixo das algas, e uns quantos cardumes de peixe miúdo que constituem a base alimentar de muitos dos nossos peixes costeiros. Falamos de douradas, de robalos, de ferreiras, de sargos, etc. Esses peixes, mais recatados aquando da presença de muita gente, aparecem agora em zonas mais baixas, sobretudo às primeiras e últimas horas do dia. À medida que os dias encurtam, e que aparecem os primeiros temporais, são dados sinais a estes peixes para que se preparem, porque o mar vai mudar para eles. É a quantidade de oxigénio na água, é a comida, e são as apreciadas mudanças de fundos provocadas pelas tempestades e consequentes grandes movimentações de areias e águas. 

Aqui estou, com um tubarão caneja, um “bozidróglio” inoportuno que resolveu lançar-se à minha isca sem aviso prévio. Se há peixes que aparecem em alturas inoportunas, este foi um deles. Obviamente restituído à água, para que vá tramar outro artista desprevenido…


Algumas destas movimentações de mar são perfeitamente inesperadas, outras nem tanto. Sabemos que irão acontecer. 
Devido ao solstício de Inverno, que irá acontecer entre 20 e 21.12, teremos certamente um dia muito curto, o mais curto do ano já que o sol estará posicionado no seu limite de apresentação mínima no hemisfério norte, onde estamos. Vamos ter marés grandes. 
Já passámos a 22 de Setembro o equinócio de Outono, um momento em que a duração do dia é exactamente igual à duração da noite. A partir desse momento, os dias serão cada vez mais pequenos, encurtando continuamente à medida que nos aproximamos do dia 20.12, em que teremos então um dia a terminar bem cedo, por volta das 17.30h. Este ciclo de estações do ano mostra-nos uma diferente inclinação dos raios solares relativamente à linha do equador, e por conseguinte, diferenças de temperaturas assinaláveis entre o Verão e o Inverno.
Os solstícios e equinócios marcam o início e fim das estações do ano, e se o rigor já foi maior, com diferenças mais marcadas, ainda assim nos nossos dias podemos tomar estes momentos como sendo um ponto de partida para algo que irá fazer mudar a nossa forma de pescar. 
Nós não pescamos de igual forma no Verão e no Inverno, (pese embora haja muita gente que, porque apenas se interessa pelo fastidioso “pica-pica”, executado sempre da mesma forma, quantas vezes na mesma pedra, não tem por isso meses nem anos, nem águas frias nem quentes. Para eles é sempre igual, pescam como sempre pescaram, ao que sempre pescaram). Mas para quem gosta de saber um pouco mais, e ajustar as suas técnicas àquilo que é pedido pelos peixes, eis que chegamos a um momento do ano em que a Terra deu uma volta completa em torno do sol e nos traz dias curtos. Essas diferenças de temperatura média diária fazem mover os nossos peixes. Desde logo porque o alinhamento do sol e da lua influenciam directamente a amplitude de marés. Quem pesca ao robalo na foz do Sado, em Setúbal, sabe que nas marés grandes pode fazer peixes em zonas que horas depois, na maré vazia, estarão completamente a seco. Pode-se caminhar a pé na zona onde algumas horas antes tivemos uma série de picadas de bailas e robalos. O peixe visita estas zonas porque a quantidade de comida que fica disponível é imensa, e pode resolver a questão da alimentação em pouco tempo. Em zonas fundas, a corrente proporciona a alguns tipos de peixes a possibilidade de tirarem vantagens do seu hidrodinamismo, conseguindo bons resultados na perseguição de peixes menos dotados para essas condições de mar. 

É dar gás, que os peixes estão lá à espera...


Para algumas espécies, estas fortíssimas correntes provocadas por luas grandes, com um alinhamento sol + lua do mesmo lado, com uma carga de gravidade máxima a puxar a água, são uma boa oportunidade para fazer esperas, emboscadas, amparados por pedras, ou qualquer outro tipo de obstáculos, eventualmente até de construção humana, pontes, paredões, etc, que lhes permitem esconder-se da corrente, mas estar muito atentos ao que ela lhes traz à sua presença. Já aqui vos disse: a maioria do peixe precisa de correntes para comer. E é por isso que a marés grandes correspondem sempre ou quase sempre, grandes momentos de pesca. O peixe precisa de preparar o seu físico para os dois grandes momentos que aí vêm: a reprodução e a chegada das águas frias, para as quais necessita de gorduras. Come neste período com muito mais vontade e ansiedade que no tempo estival. Agrupam-se em cardumes densos, e preparam o grande momento anual de procriação. Esse é para eles o grande momento! E para isso, os predadores atiram-se a tudo o que mexe. Este é o momento de tirarmos das gavetas as grandes amostras. Enquanto no Verão é bem mais produtivo pescar com jigs pequenos, de peso ente as 20 e as 40 gramas, o Outono é o momento de tentarmos as amostras de 16 cm, 18 cm, e os nossos vinis maiores com cabeçotes de chumbo adaptados às profundidades a que iremos pescar. Neste momento, a última coisa a fazer é andar a pensar em ir comprar materiais. Tudo tem de estar já preparado, lubrificado, e pronto a partir para a água. 
É uma altura difícil para as nossas espécies costeiras, porque os movimentos de águas, a começar nas habituais tempestades de Inverno, irão arrastar em muito pouco tempo tudo aquilo que até aí servia de alimento aos peixes. Vai tudo para o largo, aportando elementos de vida que deixam de estar disponíveis onde anteriormente estavam. Já não estamos a tratar de ambientes controlados, estáveis, com uma grande quantidade de alimento disponível, em que o predador sabe quando e onde tem de se dirigir para comer. Vocês sabem que no Inverno, salvo tempestades com muita chuva que trazem aluvião aos rios que desaguam no mar e tingem as águas de barro, por norma as águas costeiras são mais limpas. Porque têm menos fitoplâncton, e por conseguinte menos zooplâncton na sua constituição. As águas frias e limpas são pouco produtivas de vida. Por oposição, no Verão temos águas mais verdes, porque mais carregadas de matéria vegetal, o fitoplâncton, que é a base da cadeia alimentar. Mas vamos ter meses, Janeiro e Fevereiro, em que o vento leste, ou seja, o vento off-shore que empurra tudo para o largo, vai trazer consigo frio e águas desertas de comida. A superfície da água gela durante a noite e fica muito difícil conseguir sobreviver nas suas camadas superiores. Os peixes terão de estar equipados para esse combate pela sua sobrevivência e para isso terão de preparar-se antes. Irão comer até sair pela boca fora, processar grandes quantidades de alimentos, com o intuito de ganhar peso rapidamente. Têm o final de Setembro, Outubro, Novembro e parte de Dezembro para o fazer. Os meses que aí vêm serão bons de peixes, e dar-nos-ão muito boas oportunidades de pesca. Neste momento, os nossos peixes já estão nos blocos de partida. 


Preparados?


Vítor Ganchinho



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