Diferença entre vaga e onda - Sabe o que é?

Falamos frequentemente em vagas e ondas, ondas e vagas…e quase sempre misturamos os conceitos. 
Na maior parte dos casos, aquilo a que nos referimos é um genérico: a agitação marítima. E as duas palavras servem-nos para descrever um mesmo pressuposto movimento de mar. 
Mas não é a mesma coisa.



Tenho um amigo por quem tenho um carinho muito especial, o Comandante Vieira Amândio, capitão-de-fragata, que faz o favor de me ajudar nestas questões técnicas e com quem muito tenho aprendido. 
Trata-se daquele tipo de pessoas que queremos ter sempre a nosso lado, e muito especialmente quando o vento começa a soprar. Ter ao lado uma pessoa desta geração, com milhares de dias e noites de navegação, com tanto mundo nos olhos, responsável por tantas missões de comando e decisão sobre N quantidade de navios mercantes por todo o mundo, com situações e mares difíceis de cortar a respiração, só nos pode fazer bem. Melhor que ter todos os livros à mão é ter a palavra calma e segura de alguém que nos diz: “ sim, …eu passei por isso em….” 

O Cmdt Vieira Amândio tem um curriculum que impressiona, uma idade que lhe dá o saber e toda a experiência que nós queremos vir a ter um dia. Os velhos lobos-do-mar portugueses, com algumas rugas de expressão, com muitos cabelos brancos, honram as nossas raízes de marinheiros portugueses e é com eles que todos nós, marujos de convés, temos forçosamente de aprender. Eles sabem muito daquilo que nós um dia saberemos parte. Por mim, quando estou com pessoas deste nível, o que procuro fazer é falar pouco e escutar muito. Cumpre-nos aproveitar cada segundo, para lhes extrair o muito conhecimento que eles acumularam ao longo de carreiras de algumas dezenas de anos. Quando eles falam, devemos escutar com toda a atenção, porque estão a dar-nos lições que, na maior parte dos casos, são lições da fina arte de marear, e quantas vezes…de vida. Respeito, muito respeito, por alguém que já é há muito aquilo que nós, os novatos, gostaríamos de vir a ser: HOMENS DO MAR. 



A onda é algo que se forma, no hemisfério norte, numa zona situada no Triângulo das Bermudas. Sim, é algo que vem de muito longe, e que consiste exactamente na tentativa de equilíbrio entre altas pressões e baixas pressões que se verificam na zona. Digamos que falamos de extremos, de altas muito altas, e baixas muito baixas. É isso que provoca as diferenças de pressão, que por sua vez originam os ventos muito fortes. Mais não são que a deslocação de massas de ar mais frio que ocupam o espaço de ar mais quente, que sobe na atmosfera. 
Essa deslocação de ventos origina ondulação. Falamos de ondas que chegam a dar 3 voltas ao mundo, em regime non-stop. Não deixa de ser espantoso que a mesma onda faça todo este percurso. 
Os valores de ondulação correctos são conhecidos com cerca de 5 dias de antecedência, pelo que fazer a previsão de suma saída embarcada não é de todo difícil. Também sabemos que funcionam por sets, ou seja, a cada conjunto de sete ondas, uma delas é maior que as outras. Devemos considerar as nossas manobras tendo em conta a onda grande, e não todas as outras pequenas, sob pena de colocarmos a embarcação em risco. 
Em Portugal, é certo e sabido que a ondulação entra de forma quase constante de noroeste. As ondas são normalmente maiores ao largo, e tendem a desvanecer-se um pouco à chegada à costa. Mercê dos nossos ventos predominantes, que na sua esmagadora maioria são offshore, temos regularmente períodos de ondas na ordem dos 6 a 10 segundos. Recordo o que é este período de onda: é o intervalo de tempo entre duas cristas de ondas sucessivas. Quando o período é curto, digamos 6 a 7 segundos, temos ondulação com pouca força, e baixa altura. Designamos isto na gíria por “mar de vento”. A mudança de maré é quase sempre acompanhada por estas rajadas e vento, que aprendemos a conhecer e a enfrentar, por sabermos serem passageiras. 
Quando o valor é superior a 14-16 segundos, passamos a ter uma ondulação normalmente com mais altura, e com muita força, muita energia associada. É corrente chamar-se a este fenómeno “mar com força de fundo”. Esse é o que parte, que estraga, e que move os fundos onde queremos pescar. Aprender a ler uma previsão marítima ajuda a saber com o que podemos contar. 



Mas não são só as ondas que influenciam o decorrer da nossa jornada de pesca lúdica. Há outro tipo de análise que temos de levar em linha de conta, e que pode estragar-nos o dia: a vaga. 

A vaga é algo diferente da ondulação. Trata-se de agitação marítima local e tem a ver apenas com o vento que se verifica na zona em que estamos. Não subestimem, há vagas que podem ter 3 e 4 metros de altura. E nunca esqueçam que a vaga SOMA à onda, ou seja, pode acontecer que os valores se sobreponham. Não é líquido que a vaga siga a mesma deslocação da onda, pelo contrário, é mesmo muito frequente termos ondulação num sentido e vaga noutro, que pode mesmo chegar a ser muito diferente. 



Na costa portuguesa, todos os portos estão protegidos da ondulação predominante, provocada pela nortada e também pelo vento noroeste. Perde-se nos tempos a habilidade de encontrarmos zonas protegidas para ancorar as nossas embarcações, e os portos do nosso país reflectem esse cuidado. Mas as condições alteram, e desde há cerca de vinte anos, começaram a aparecer ventos que saem do standard, e cada vez com mais frequência. Falamos de ventos de sul e sudoeste, que nos apanham frequentemente desprevenidos. São eles os responsáveis pela agitação marítima local. E esta agitação chama-se …vaga. Como surge?
À noite, e por força da equalização das pressões atmosféricas, os ventos amainam. De manhã, o sol, à medida que vai subindo no horizonte, vai aquecendo a terra. O contacto do ar com essas superfícies mais quentes, aquece-o e provoca a sua subida vertical. Esse espaço irá ser ocupado por ar mais frio. Esta situação altera o equilíbrio de pressão atmosférica, destabiliza, provocando ventos locais. 

Ventos de terra reduzem a ondulação, porque a empurram e travam ao largo.


Não estamos, de todo, preparados em termos de infra-estruturas portuárias, para enfrentar aquilo que se adivinha, e que terá origem na quase ignorada questão do aquecimento global. 

Os ventos estão a mudar e vão mudar mais. Aquilo que servia para nos proteger dos ventos dominantes, norte e noroeste, começa a ser insuficiente neste momento, com ventos contrários. Os portos estão muito expostos a vento sul e sudeste.
O Algarve vai penar com esta mudança de paradigma. Se deveríamos começar já a prevenir esta situação? Ontem já era tarde. Na Figueira da Foz, imensas embarcações viram exactamente porque os seus comandantes querem resguardar-se rapidamente e por isso mesmo, dão a popa à vaga, acabando por afundar. Os governantes portugueses, e concretamente a ministra do mar, terão certamente muitas e outras preocupações. Mas seria bom que os responsáveis do sector tivessem em linha de conta aquilo que dizem aqueles que efectivamente sabem de mar. 



Nestes dias, apetece estar no mar. Todos acham que são marinheiros em dias assim, com a “estrada lisa”. 
Já noutros dias….



Vítor Ganchinho



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