Tenho amigos que não gostam de sair de barco.
Ou porque já tiveram uma má experiência, ou porque não sabem nadar e têm medo do mar, ou porque enjoam só de pensar na ideia de se verem sem os dois pés em terra.
Não vale a pena falar-lhes em coletes salva-vidas automáticos, em jangadas de segurança obrigatórias a bordo, ou em comprimidos para o enjoo. A verdade é que não vão e …ponto final.
Mas gostam de pesca, e por isso encontram no surf-casting uma das possibilidades mais razoáveis de conseguir conciliar umas horas de praia com a família e uma tentativa de conseguir um peixe para o jantar.
Quando olham para o deserto de areia de uma praia, e porque não sabem ler nas entrelinhas, não conseguem entender os pontões e cabeços de areia, as entradas e saídas de água para as zonas mais fundas.
Esses canais, caneiros ou “curveiros”, que são bem visíveis na vazante, mas muito mais discretos na enchente, são zonas muito procuradas pelos peixes, para encontrarem alimentação.
Mas no fim de tudo, os olhos deles procuram algum ponto de referência e esse são sempre as rochas que, de um ou outro lado da praia, possam eventualmente existir. E é aí que começa o martírio.
Se é verdade que pescador que se preza não leva apenas um conjunto de pesca, uma linha, uma chumbada, um anzol, também é verdade que em determinados fundos, um camion TIR de acessórios pode nem chegar.
Dou o exemplo dos Salgados, a sul da Nazaré, em que eu e o meu amigo Mário Lopes, em meia hora de mergulho, podemos facilmente arranjar 50 kgs de chumbo. Tenho muito desse chumbo derretido no interior das minhas âncoras e dá-me muito jeito! Para que tenham uma ideia, as covas na pedra estão cheias até transbordar! Há molhos de chumbadas com mais de uma centena, todas juntinhas, e à espera que alguém as leve dali. Umas já velhas, gastas da erosão das ondas, outras quase novas, e outras que se está a ver, até pelos anzóis novinhos em folha, que foram perdidas nas últimas horas!!
Mesmo sabendo que ali se pesca dia e noite, não conheço outro local onde se percam tantas chumbadas à conta do tipo de fundo! Eventualmente em segundo lugar, mas com alguma distância, podemos considerar a ala esquerda da Praia da Foz, no Cabo Espichel, que graças a Deus também está bem servida de rocha “dente de cão”.
Mas voltemos aos Salgados. A lançar de terra, a distância nem é excessivamente grande, mas ainda assim a suficiente para obrigar as linhas a ficar bem horizontais. E caem sobre pedras que, vá lá saber-se porquê, tinham de ser afiadas como navalhas. Falamos de pedra agreste, coberta de cracas, mexilhão, perceves, e que é abrasiva tanto quanto se poder ser abrasivo. É lixa para as linha de pesca. Certos bordos da pedra são de facto tão cortantes como a lamina de uma navalha.
Sabemos nós disso, que mergulhamos, e estamos a ver o fundo, a pouco mais de 5/7 metros, com pedra partida, e à espera de mais penitentes que se atrevam a lançar a sua chumbada. Já é sorte que caia em cima de um daqueles blocos rectangulares que constituem aquela formação rochosa.
Em rigôr as chumbadas não ficam lá todas! Já se sabe que uma ou outra serão recuperáveis, e na maior parte dos casos, por uma razão simples: a quantidade de fios de nylon atravessados sobre as pedras é tanta que por vezes sustém as linhas lançadas de terra. Ficam suspensas….! E aí, quando o peixe pica, o esticão é o suficiente para levar dali aquela panóplia de linha e acessórios, com um ou outro peixe.
Há douradas e sargos grandes, e é isso que leva alguém a cometer a imprudência de se atrever a lançar o seu equipamento. Não deixa de ser interessante ver a quantidade e qualidade de estratagemas que os pescadores de linha utilizam para salvar a pesca, mesmo perdendo a chumbada. Engenhosos estralhos mais finos, chumbadas em forma de pirâmide, de ovo, de bola de raguebi, espalmadas como moedas, enfim, uma panóplia de desesperadas tentativas de pescar onde não seria pressuposto pescar.
Dou-vos alguns exemplos de como os fundos podem ser agressivos:
Aqui, nunca será uma questão de diâmetro de linha. Quanto mais grossa mais custa a partir ….de terra. |
Algumas pedras têm tantas algas que pode acontecer que escorregue e não encrave, mas será sempre um milagre. |
Quando a linha fica entalada entre duas rochas, ou é a linha, ou são os anzóis, ….algo prende. |
Vítor Ganchinho
Gostei
ResponderEliminarBom dia Fernando Almeida! Há clássicos na pesca vertical que todos conhecemos: a pessoa que tem a linha presa numa gorgónia fixa ao fundo, e que acha que um polvo agarrou a isca. Aquilo fica um sistema meio elástico....tal e qual como um tentáculo.
EliminarE também já assisti a muitas dúzias de casos em que o estralho está preso na pedra, e a pessoa atribui a um peixe grande os movimentos de tensão na linha. Isso acontece quando está vaga morta, em que o individuo está tão focado na cana que não vê mais nada. Não consegue entender que quando a vaga passa por baixo do barco este sobe e estica a linha e faz pressão, e a seguir relaxa e parece que já está a subir.....até a próxima onda voltar a levantar o barco.
São clássicos, que não enganam a quem está habituado, mas que dão a volta à cabeça de quem é novo na função. Eles são capazes de jurar que é mesmo um peixe!
Na circunstância, quando se pesca sobre pedra, é francamente difícil não perder equipamento. Há muitos tipos de fundo, alguns mais benevolentes, mas quase todos suficientemente difíceis para exigir que se leve material de reserva. Ou se mude de técnica...
O importante é que as linhas estejam bem esticadas, e que do outro lado puxe um peixe dos bons!
Abraço
Vitor