Fomos espreitar pelo buraco da fechadura...

O mar exerce sobre nós o fascínio de um mundo enigmático que não conhecemos.

A poucos minutos de nossas casas, estamos a viajar numa dimensão diferente, num espaço que começa fundo e termina sob os nossos pés, na linha de água do nosso barco.

Quando estamos num barco, o nosso chão é o tecto do mundo de muitos seres que nos são estranhos, e que vivem lá em baixo.

Uma saída embarcada na baía de Setúbal/ Sesimbra é uma oportunidade de ver e experimentar o outro lado desse mundo, aquilo que fica do lado de lá daquela cota zero de água espelhada.

São aves e peixes, são golfinhos e baleias, são moluscos e invertebrados, a viver em condições que não serão nem melhores nem piores que as que temos em terra, apenas são diferentes.

Espreitar pelo buraco da fechadura é ter acesso a algo de fascinante: os segredos bem escondidos dos nossos atlânticos bichinhos. É um tema inesgotável para quem gosta de natureza. Vamos ver alguns.

Por baixo deste buraco há um mundo que, dia e noite, não dá tréguas a quem ali vive. Comer e não ser comido…..eis a questão.

Espreitando pela parede abaixo, podemos ver duas tainhas na sua labuta diária de raspar os limos das pedras. Estes peixes são essencialmente vegetarianos, mas também comem vermes, minhocas e similares, quando a oportunidade se apresenta. A sua boca está preparada para esta tarefa: o lábio inferior é rígido, afiado e recto. Preparado para raspar, como uma espátula.

Este ouriço estava feliz da vida, a comer a cobertura desta pedra, antes de sofrer este ataque. Reparem com está lisa toda a zona já visitada.

Equilibra em cima de si uma folha de uma alga. Porque tem alguma rigidêz mecânica, poderá protegê-lo do ataque desta estrela-do-mar, dando-lhe tempo para escapar.

Embora em câmara-lenta, não deixa de se jogar aqui um jogo de vida ou de morte.

Reparem na quantidade de “artefactos” que este ouriço transporta na sua carapaça de espinhos. Entre pedras e conchas, ainda tem uma carapaça partida e abandonada de uma navalheira morta. 

E se acham que é comportamento únio, então vejam a seguir.

Este escolheu algas e pedras, para se proteger. 

Como podem ver, sempre que se encontram em zonas abertas, gostam de ter algo por cima. Estes “chapéus” rígidos serve-lhes para desencorajar alguns predadores.

Esta navalheira ensaia a sua sorte de poder capturar o pequeno caboz, dentro da sua toca. Em princípio o buraco, sendo estreito, terá profundidade suficiente para dar abrigo a este simpático peixinho. Se a navalheira não cabe, e as suas tenazes não conseguem chegar ao fundo, a sobrevivência pode estar garantida. Desta vez.

Sim, o nosso caboz conseguiu resolver a situação. A escolha de um bom refúgio é vital.

Eis aqui alguém que tem formas conhecidas. Trata-se de um mestre da camuflagem, um cefalópode perito em desaparecer de cena. Vamos espreitar melhor...

Um polvo, o mais inteligente dos moluscos que temos entre nós. São cerca de 500 milhões de neurônios a habitar um corpo elástico, forte, capaz de proezas que não nos estão acessíveis. Oito braços, três corações, um bico forte, tentáculos com ventosas supersensíveis, uma bolsa de tinta e uma capacidade de escapar que envergonharia o mágico Houdini.

O professor australiano Peter Godfrey-Smith diz deles o seguinte, no seu livro “Outras mentes - O polvo e a origem da consciência”:

“Os polvos são o mais próximo que podemos estar de um extra-terrestre inteligente”.

Lindo! Excelente imagem. Este polvo sabe que foi descoberto, sabe que não tem um plano de fuga, e sabe que nada poderá correr bem a partir deste momento.

Tempo. Por hoje o nosso tempo terminou, amanhã teremos algo mais para ver deste fascinante mundo que é tudo menos de... silêncio. O mar tem ruídos próprios, tem sons que não podemos ouvir em mais lado nenhum. A 50 mts de distância é possível ouvir o crepitar das dorsais dos sargos, a raspar nos tectos das frestas onde se escondem dos predadores. De nós….

Vítor Ganchinho