E sobre os nossos vulgares carapaus? Sabemos tudo?

Sabemos que têm o corpo alongado e ligeiramente comprimido. Também sabemos que a sua barbatana dorsal está subdividida em duas e apresentam uma coloração cinzento esverdeada. E já todos nos picámos e fizemos lanhos nas mãos, na sua fiada de escudetes, espinhos anais que cortam quem lhes deita a mão sem luvas. 

Na verdade, julgamos saber muito sobre o carapau, “Trachurus trachurus”, mas muito provavelmente saberemos menos do que o esperado. Hoje, a nossa estrela é o vulgar carapau, aquele a quem grelhamos na brasa sem piedade nem nos interrogarmos de onde vem e o que faz para viver. É isso que vamos analisar hoje. 


À direita da foto, a seguir à garoupinha e para o centro da foto, o azul esverdeado de um carapau, com a sua serrilha característica. Que cores magníficas!


Trata-se de um peixe carangídeo que cresce muito rapidamente no primeiro ano de vida, cerca de 20 cm. Porque vive regularmente até aos 20 anos, tem tempo para crescer mais, caso não seja emalhado nas redes, e vendido como “jaquinzinho”…. Caso chegue aos 2 anos, poderá reproduzir. Consegue fazê-lo por séries sucessivas, e por isso é tão difícil entender a sua capacidade reprodutiva. Mas sabemos que o faz preferencialmente entre Dezembro e Março. 

Alimenta-se de zooplâncton, (todos nos lembramos de uns pequenos crustáceos rosas que aparecem quando os comemos assados…e que são camarões miniatura), mas à medida que vai crescendo passa a ter outras prioridades alimentares. Nomeadamente pequenos peixes, lulas, e tudo aquilo que excite a sua curiosidade de predador. Um carapau poderia viver muito feliz, não fora a maçada de haver quem goste de comer carapaus: aves marinhas, golfinhos, tubarões, peixe-galo, robalos, abróteas, safios, etc, etc. 

Penso que já encontrei carapaus dentro de quase todos os peixes que existem na nossa plataforma continental. Podemos encontrá-los desde poucos metros de profundidade, não mais de 3 a 4 metros, até aos 400mts. Há registos excecionais a mais de 1000 metros. Nos Açores pesquei-os com carreto eléctrico a 550 metros de profundidade. Se inicialmente se distribui por cotas mais curtas e envergonhadas, com comportamento pelágico, quando cresce e passa dos 30 cm, passa a afundar e a viver mais junto ao fundo. Na zona onde vivo, é frequente que apareça o “Trachurus trachurus”, carapau branco/ manteiga de Setúbal, mas também o carapau negrão, “Trachurus picturatus” de seu nome. Indistintamente, surgem por todo o lado, e muitas vezes são pescados no mesmo local, no mesmo dia e hora. 

O carapau tem um interesse comercial elevado, é a segunda espécie mais capturada entre nós, e apenas a sardinha o ultrapassa em valor económico e toneladas descarregadas em lota. Pese embora o seu valor aparentemente irrisório, 0.50 euros/ kg em lota, ainda assim movimenta milhões de euros anualmente. Por isso é tão importante saber mais sobre ele. Sabemos que a sua idade pode ser determinada observando os anéis de crescimento das suas estruturas calcificadas. Falamos das escamas, dos otólitos, ou das vértebras. Se nas corvinas podemos facilmente encontrar os otólitos, duas “pedras brancas” que se encontram alojadas na sua cabeça, imaginem o quanto é difícil encontrar e estudar os otólitos de um minúsculo carapau. Mas espantem-se com isto: há quem o faça por profissão, e desde os anos 80 que existem intercâmbios curriculares internacionais, workshops, sobre …leitura de otólitos! Portugal participa! Ou não fosse o nosso país um grande apreciador do seu carapau assado! Os estudos por cá iniciaram-se em 1954, por Ramalho e Pinto, e continuam hoje a motivar muita gente interessada. 

Pretende-se saber algo mais sobre taxas de crescimento de stocks, e por isso é tão importante saber qual a sua longevidade máxima. Foram detectados exemplares com…40 anos! Isso é o dobro daquilo que é o tempo médio de vida expectável para a espécie. Para esta espécie, o carapau manteiga, é expectável um comprimento máximo até 45 cm, e uma idade de 25 anos. Bem me lembro de há três anos os ter conseguido fazer, a pescar com jigs de 20 gr (!!), com comprimentos deste tipo. Três carapaus, 1 kg de peixe. 

Podemos hoje afirmar sem grande margem de erro que o nosso carapau cresce nos seus primeiros três anos de vida algo como 18cm, 22cm e 24 cm respectivamente. O crescimento não é uniforme ao longo da nossa costa, sendo que no norte do país a taxa é ligeiramente superior. E também sabemos que no Inverno crescem um pouco menos. 


As cores claras do carapau manteiga. É este o bom carapau para comer. O outro, o negrão, ...passo.


Se falamos do carapau de Setúbal, o conhecido carapau manteiga, gordo, branco, não deixa de ser relevante falar também do seu congénere azulão, ou negrão se quiserem, e que é mais típico de Sesimbra. Dizia-se antigamente desse carapau Sesimbrense algo como isto:  

Está uma “lufada“, ou uma “arraza” de carapau na lota! Este último termo sugere a chegada dos barcos completamente cheios, a deitar por fora. As antigas armações traziam-no vivinho, porque pescado muito próximo da costa, e isso era motivo de grande alegria para todos os sesimbrões porque significava dinheiro, trabalho, possibilidade de pagar as contas em atraso na mercearia. 

Sabemos que os primeiros barcos a chegar vendiam por preços mais baixos, a gente da terra, sem posses económicas, mas que os últimos, depois de cobertas as primeiras necessidades, podiam vender a quem vinha de longe e estava disposto a pagar mais por peixe de boa qualidade. Por isso, retardavam a chegada do mar, dentro do possível. 

Apareciam pessoas vindas do campo, para ajudar nos trabalhos de descarga e ganhar mais alguma coisa para o sustento da família. Sesimbra tornou-se primeiro porto pesqueiro do país para esta espécie. Dali era distribuído pelos comerciantes para todo o país, e sobretudo a Lisboa, onde era apregoado pelas varinas como “carrapau de Sesimbrra”, uma alocução à fonética carregada de erres que curiosamente acabou por ficar colada à cidade de Setúbal e às suas “sarrdinhas”. Por ter um custo muito baixo, era facilmente adquirido por quem tinha menos posses, sendo vendido à dúzia. E se acham que era uma dúzia normal, de doze, enganam-se! Na verdade, e como prova de apreço pelo cliente, a dúzia era de treze, sendo um o chamado “carapau para o gato”.  

A pesca do carapau tinha uma periodicidade bem marcada, dado que os cardumes davam à costa bem perto da lua “marçalina”, a lua nova de Março. Porque não havia congeladoras, havia que encontrar forma de armazenar a maior quantidade possível de peixe, para dar para todo o ano, e isso fazia-se a secar o carapau ao sol, em “cambadas”. Falamos de fiadas de carapaus abertos, espalmados, secos ao sol com uma moura de sal. Ainda hoje há quem saiba fazer, passando os peixes com uma agulha grossa, enfiando num cordel de sisal comprido uma grande quantidade destes pequenos peixes. 

Temos felizmente muita gente a saber de carapau, a saber escrever sobre o tema, a saber fazer a sua pesca de cerco, a saber pescar à linha e a saber cozinhar!


Pescaria feita por jovens de 6/7 anos. O carapau é um peixe perfeito para essas idades.


Para nós pescadores, a parte que nos interessa é mesmo a de saber pescá-los e por isso aqui vos deixo mais alguns elementos: 

Pescamo-los quando queremos, e quando …não queremos. Nas nossa saídas de pesca, quer a pescar vertical, com qualquer tipo de isco, quer a pescar com jigs, com qualquer tipo e cor de jigs, e até de peso (já os pesquei a utilizar jigs de 350 gramas!), baixo ou fundo, eles aí estão. Por brincadeira, costumo levar as minhas filhas e “armo-as” com uma cana curta, uma linha com penachos coloridos, os "sabikis" e um chumbo. E cada lance traz a quantidade total de anzóis preenchidos, cada qual com o seu peixe. 

É um predador muito voraz, bastante fácil de capturar porque a sua enorme boca acaba por o trair, e que faz as delicias dos mais novos. Para quem pesca mais profundo, é boa opção artilhar a sua baixada com um anzol branco no estralho de cima e isso já garante só por si uma captura., mesmo que sem isca. É corrente que o carapau se lance ao anzol, pelo seu brilho metálico, mesmo que desprovido de qualquer isca. 

Assim  fosse tão fácil conseguir ... peixe-galo. 


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