Desenvolver uma nova técnica de pesca está ao alcance de cada um de nós. Não podemos pensar que está tudo inventado. Se algo é verdadeiramente interessante nesta relação próxima que temos com o mar, é a de podermos ser criativos.
Nunca estivemos tão bem equipados! As canas, carretos,
linhas e amostras são hoje muito melhores e mais eficazes que tudo aquilo que
foi produzido anteriormente. Abrem-nos possibilidades de pesca que nunca
tivemos.
Pescar com iscos orgânicos é algo de ancestral, diria
básico, que qualquer um pode fazer. Oferecer um isco que corresponde ao
alimento diário de um peixe, é quase garantir a sua captura, ou pelo menos ter
grandes possibilidades de o conseguir.
Quando pescamos com artificiais, entramos no domínio da
“arte de pesca”, da técnica, do saber fazer.
E é disso que vos pretendo falar hoje. Da relação que temos
com os métodos de pesca, daquilo que podemos fazer para imprimir um cunho
pessoal às técnicas que utilizamos.
O tema é interessante, e no concreto, hoje trata da pesca de
predadores utilizando jigs metálicos, mas poderíamos ter escolhido qualquer
outra modalidade.
Venha daí para uma curta viagem pelo mundo do “slow
jigging”, do Light Rock Fishing, e muitas outras ideias que poderão promover o
interesse por algo que não a vulgar pesca com minhoca.
Uma técnica de pesca que não permite pescar o peixe, é uma
ilusão, uma “quase pesca” e isso não é aquilo que alguém procura quando decide
sair ao mar.
Quando se fala em criar um novo estilo de pesca, o mote é estar balizado por estes dois limites: executar algo de diferente, não copiado de ninguém, e ao mesmo tempo que pesque efectivamente. Conheço alguém que se encaixa nestes dois parâmetros: António Pradillo.
Este meu amigo espanhol, valenciano, pescador consagrado do Mediterrâneo, tem tudo aquilo que é necessário para ser um pescador de sucesso. Trabalha num Instituto de Conservação da Natureza, em Valencia, e dedica à pesca um mínimo de 4 horas diárias. Trabalha ainda no desenvolvimento de amostras e canas para uma reputada marca, e tem uma paixão “assolapada” por criar, por inventar algo novo. Sei que neste momento está muito focado em pescar douradas com jigs ligeiros, utilizando um princípio técnico que irá, e seguramente por muitos anos, revolucionar a pesca deste peixe. Prometo ir a Valência pescar com ele durante uma semana e trazer material fotográfico para ilustrar um artigo que, a meu ver, será pouco menos que bombástico. Desde logo porque vai contra uma imensidão de princípios que tomamos como adquiridos.
A dourada ser um predador de peixe é algo conhecido, mas
pescá-la da forma como o Pradillo faz, ….é algo de “muito à frente”!
Não vou desvendar já, mas prometo fazê-lo daqui a uns meses,
já em posse de toda a informação e imagem. Aviso-vos: trata-se de algo que irá
mudar o panorama da pesca de mar na Europa. E tudo porquê? Porque o Pradillo
arrisca mudar, fazer diferente, pescar como e onde ninguém pesca. Depois de ter
o método interiorizado, ele dá aulas práticas e mostra ao mundo a sua evolução
como pescador. Acreditem, pescar a seu lado é todo um privilégio, é ler
milhares de páginas de um livro em poucos segundos.
Deste lado, e aplicando princípios e equipamentos que estão
disponíveis no mercado, tenho vindo a fazer algo que me parece funcionar muito
bem. Os resultados dizem isso.
Aquilo que vos trago hoje assenta precisamente na
necessidade que cada um de nós deve sentir de evoluir, de mudar algo na sua
vida, de lutar por melhores resultados.
De resto, o conceito é válido para todos os sectores da
nossa vida. Ora aí vai a ideia: sabemos que os japoneses gostam de comer peixe
fresco.
Mas as águas do Japão estão sobre exploradas pela frota pesqueira e não produzem grandes quantidades anuais de peixe há décadas. Para dar conta da demanda de peixe, base da alimentação no país, os barcos cresceram em tamanho e em recursos de conservação do pescado. Passaram a pescar muito mais longe dos portos, inclusive noutros países, noutros mares.É certo e sabido que quanto mais longe, mais tempo demora o retorno ao porto de abrigo. E isso tem consequências ao nível da preservação do peixe, e da sua qualidade.
Ao fim de uns dias, o peixe já não era igual, não era fresco, e começou a ser rejeitado pelos consumidores. Não tinha o mesmo sabor. Fazer sashimis ou sushis com peixe deteriorado não é exequível. Para solucionar esta questão, as empresas armadoras resolveram instalar congeladores nos seus barcos. Pescavam e congelavam de imediato o pescado. Isso permitia ir mais longe, e ficar no mar mais tempo, até garantir os porões cheios, e o sucesso da pescaria.
Do ponto de vista empresarial, a ideia era ganhadora. Mas
não resultou! Os japoneses, finos apreciadores do bom sabor do pescado fresco,
notavam a diferença. O peixe congelado não se vendia. Pese embora a preços mais
baixos, não resultava.
A solução era mesmo apresentar o peixe vivo, e foi nesse
sentido que se instalaram tanques de transporte com água, a bordo. A princípio,
o peixe era armazenado vivo nessas caixas, na maior quantidade possível, para
justificar os custos acrescidos de captura e transporte.
Os tanques, com potentes oxigenadores instalados, garantiam a chegada do peixe vivo. Mas, dada a falta de espaço, não tinha possibilidades de se mover durante dias e dias, de nadar, e chegava amorfo, cansado, abatido. O peixe apenas estava vivo, mas não tinha saúde, chegava ao consumidor muito debilitado. E mais uma vez os japoneses davam conta de que aquele não era o sabor de peixe a que estavam habituados. E não compravam.
Pescar robalos com jigs pode ser muito interessante. |
Tal como as pessoas se acomodam a um estilo de vida, que estabelecem objectivos curtos e fáceis de alcançar, também aqueles peixes apenas se mantinham colados aos outros, à espera de nada, apenas respirando para se manterem vivos.
É ideia generalizada que os herdeiros de algo não sabem dar o valor ao trabalho que dá criar algo, ou que os felizardos que ganham um totoloto ficam de repente sem motivação para cumprir horários de trabalho. Também os pescadores de linha que fazem da pesca pica-pica o seu único e exclusivo método, não conseguem progredir. Aquilo que fazem hoje é aquilo que faziam há vinte anos atrás, sem tirar nem pôr. Com a diferença que o peixe sabe hoje muito mais, está mais difícil, e pior que isso, existe em muito menor quantidade. E os resultados não aparecem, as pessoas desmotivam, e saturam-se da pesca.
Está nas nossas mãos mudar. A estrada de vida por onde
caminhamos leva-nos onde quisermos, só depende das nossas opções. Também na
pesca podemos marcar a diferença. Ser inovadores, ser persistentes e
competitivos quando isso for necessário, e sobretudo saber observar.
Aceitar os dias maus de pesca sim, mas sempre querendo
entendê-los. Não os aceitar maus… porque sim. Parece-me que há pessoas com
demasiado norte na sua vida e esquecem que há outras direcções. Há muita coisa
a inovar na pesca. Se fizermos sempre igual, por ver fazer os outros,
dificilmente poderemos esperar obter resultados diferentes. Os outros pescam
pouco, e ao fazer igual, pescaremos sempre pouco. Parece-me lógico.
É nas adversidades que encontramos motivação para criar, para puxar de dentro de nós soluções para os problemas. A pesca é um ambiente altamente desafiador, que pode ser terrivelmente duro e implacável para quem não sabe o suficiente, para quem não consegue ler o mar. Entendo o desespero de alguém que compra um conjunto de pesca e não sabe para onde ir, nem por onde começar. Mas ser capaz de decifrar os labirintos de uma actividade tão exigente em termos de conhecimentos, pode trazer-nos muita felicidade. Pegar numa cana e tentar criar uma técnica é um tremendo repto. E quando conseguimos algo de bom, sentimo-nos bem, sentimo-nos vivos! Eu comecei a pescar com jigs ligeiros há alguns anos.
Desenvolvi a minha técnica pessoal olhando ao posicionamento do peixe
na sonda, à sua movimentação perante os cardumes de comedia, a um registo
mental dos períodos do dia em que obtive mais picadas, às marés, aos ventos, às
correntes, à estação do ano, à quantidade de luz de cada dia, aos conhecimentos
que adquiri observando peixes no fundo, depois de 30 anos de caça-submarina. E
a uma panóplia de muitos outros dados que são de facto importantes, que decidem
sobre o comportamento do peixe. As variáveis são tantas que dificilmente alguém
as poderá conhecer e considerar a todas, mas quanto mais soubermos, quanto mais
observarmos e entendermos, mais fácil será apresentarmos resultados.
Volto às empresas de pesca japonesas: continuam a colocar os
peixes dentro dos tanques, vivos. Mas para evitar que se acomodem, que se
deixem ficar amorfos e indolentes, resolveram colocar um pequeno tubarão dentro
de cada reservatório. Sendo certo que ao fim de alguns dias o tubarão já comeu
alguns dos peixes, a verdade é que todos os outros chegam “ muito vivos”. Têm
um bom motivo para nadar forte dentro dos tanques.
Também nós podemos soltar um tubarão no nosso tanque, algo que nos obrigue a raciocinar, a inovar, a criar uma nova técnica de pesca. Certamente iremos falhar em muitas das novas experiências, mas se verdadeiramente acreditarmos que somos capazes, se reunirmos todas as nossas forças, todos os nossos recursos, um dia conseguiremos um bom peixe e teremos a possibilidade de dizer “ fui eu que inventei isto….”
Que técnicas serão utilizadas nas nossas águas daqui a 20 anos? Está na mão de cada um de nós poder decidir. A imagem ainda está incompleta, por pintar… |
Quando o fazemos utilizando os nossos métodos, isso acresce, para nós, o valor de cada lance.
Vitor Ganchinho