Pescador firme como rocha!

Eu conto-vos a história toda e vocês não vão acreditar, por isso, levem já de imediato o assunto para o domínio da ficção….para o lado do faz de conta que não aconteceu. Faz de conta que é tudo mentira! Porque é demasiado mau.
Aconteceu mesmo! Continuo a achar que sou um para-raios de acontecimentos insólitos, e porque isto é mesmo mauzinho demais, vou contar-vos todos os detalhes, sem ser necessário que me torturem, sem ser necessário que me enfiem brocas de betão nos ombros, garfos espetados nos olhos, ou obriguem a engolir um balde cheio de vidros, pregos, cavilhas e pioneses. Eu confesso tudo!

Sou contactado por alguém, (propositadamente vou omitir o verdadeiro nome, chamemos-lhe …sr Estrela), a dizer-me que tinha adquirido alguns materiais de pesca no estrangeiro, e gostaria de complementar com mais alguns acessórios, e obter alguns ensinamentos de como pescar. Pois sim, é algo que faço sempre com prazer, ajudar quem precisa de um ou outro esclarecimento. Para isso sempre estive e estou disponível.
E sei que da parte dos meus leitores o sentimento é idêntico. É dever de qualquer pescador consagrado ajudar uma pessoa que está a dar os primeiros passos na nobre arte da pesca.
Com tanto entusiasmo e boa vontade quanto aquilo que faríamos ao salvar um naufrago, ou a um barco em apuros.
O nosso convidado do blog de hoje, o sr …Estrela, já tem barco, e a sua aventura estava já delineada: uma viagem pelo Mediterrâneo, durante três anos, com a família. A alimentação base seria peixe, capturado à linha pelos próprios.
Até ver, tudo perfeito, um programa de luxo para quem quer e pode. E até aqui, nada de anormal.

Vamos então ao estranho caso de alguém que quer pescar peixe para comer, utilizando uma cana, carreto, linha e amostra. Ainda me parece bem, de resto isso é aquilo que nós fazemos.
O insólito começa neste detalhe: a cana era uma PENN International de 80-130 libras, para Big Game, o carreto um Shimano Tiagra de 80 libras, 2 km de linha em nylon de 0.90mm, uma metragem não definida de trançado de 130 libras, uma baixada de 1.2mm e na ponta desta, uma pomposa Rapala Magnum de 19 cm. Com isto, qualquer penitente se sente capaz de enfrentar o mais “calmeirão” dos peixes que nadam livres por esses mares.


O conjunto de que vos falo. Material de muito boa qualidade, indiscutivelmente, próprio para a choupa….Nós bem sabemos o que elas levam de fio, e da violência dos seus arranques. É o tipo de carreto que garante que não vai faltar linha mesmo que aquilo que esteja ferrado na amostra seja o comboio de Sintra.


E agora começam os problemas: este conjunto que descrevo acima, era pressuposto ser para pescar douradas, choupas, safias, carapau, etc. E aqui já não bate a bota com a perdigota!
Tentei seguir o raciocínio do nosso amigo Estrela. Algo como “ Não estou para rodriguinhos! O que apanha grande também aguenta pequeno! Eu quero é uma cana que pesque tudo, que não se parta nunca, e que me abasteça o barco de peixe!”....
Bom, nesse aspeto, a pessoa tem razão, uma cana de Big Game dificilmente será danificada na sua estrutura por um carapau, ou uma choupa. Quase posso garantir que aguenta!...
Em termos de técnica a utilizar, já me custa um pouco mais a crer que seja possível capturar douradas com isto. Não consigo imaginar como será possível detectar o subtil toque de uma dourada na ponta de uma cana de …Big Game.
Não estou a dizer que não seja possível, mas que deve ser difícil, isso deve. Até porque as douradas de 80 ou 100 kgs não andam por aí aos trambolhões, ….
Mas eu já pesquei achigãs com uma fateixa e um pedaço de prata de maço de tabaco, pargos com cubos de laranja, pampos com caroço de maçã, pelo que já nada me admira.


Detalhe da ponteira …”sensível”…..para a dourada.



Cana para a dourada, sargueta, choupa, cavala e carapau…



Esta amostra, sob tração do barco, afunda 9 metros. É material pesado, para atuns de grande porte, ou algo que tenha boca de Manuela...


Ora aqui está o personagem, alegre e bem disposto. O conjunto BIG Game que podem ver na foto é aquele de que vos falei acima, preparado para a pesca da dourada. Quase que arrisco dizer que aguenta qualquer dourada...


A história não acaba aqui. Porque me comoveu a ideia de alguém querer ir num veleiro para o Mediterrâneo e ter como intenção alimentar a família a partir dos seus parcos conhecimentos de pesca, achei por bem convidar a pessoa para uma saída de mar. Aproveitámos um dia de grande calmaria, sem vento, propício para que uma família de quatro pessoas pudesse ir pescar sem grandes sobressaltos.
O objectivo era muito simples, desde logo mostrar que não era possível conseguir fazer capturas de peixe miúdo com semelhante “porrete” pesado, mas também mostrar e exemplificar como seria mais lógico conseguir resultados.
E outros equipamentos foram utilizados, obviamente. Pescámos ao fundo, com isca, por me parecer algo mais evidente, mais entendível, mais imediato.
Ao fim da manhã, a quantidade e qualidade de peixe era uma prova bastante da eficácia dos sistemas de pesca utilizados. E o homem ficou convencido de que, se queria alimentar a família, teria de apontar a agulha a outro tipo de equipamentos. E foi o que fez.
Adquiridos novos conjuntos de canas e carretos, era fundamental fazer a sua estreia em lusas águas, antes da partida, e ver de que forma poderiam ser utilizados no Mediterrâneo, com as devidas correcções e considerando as diferentes nuances daquela pesca.
E fomos então fazer uma nova saída de mar, com toda a família a bordo. Desta vez com aqueles equipamentos que mais uso, as canas de jigging e LRF.
Começámos por explicar detalhes técnicos da utilização de amostras, da necessidade de as animar. Sublinhei vezes sem conta que um jig parado é uma peça de ferro, muito pouco atractiva. Mas quando se lhe dá a animação certa, passa a ser um peixinho vivo, debilitado, a tentar escapar a um predador. Pareceu-me ser pacífica essa ideia. Afinal não foi. À chegada ao local, o jig foi lançado para o fundo, e a técnica proposta pelo meu companheiro foi penível: deixou ficar o jig no fundo, à espera de uma picada.
Voltei ao tema da animação e resolvi exemplificar. Estava eu a começar a pescar e a meter alguns peixes na caixa, quando nisto olho para o meu querido amigo “Estrela”. Estava a mudar de cor, a virar pele verde, e a desmoronar-se todo até ficar “escorrido” no fundo do meu barco Sprint.

_ Estou a sentir outra vez aquela coisa do mareio...

Não preciso de vos dizer que alguém que vai de Setúbal a pedras abaixo de Sines, a última coisa que quer ouvir dizer é que o seu convidado está…mareado.

_ Acho que não vou aguentar nem mais um minuto...

Não chegou a tanto. E eu aflito, porque apenas tínhamos um robalo, e isso era fraco pecúlio para uma viagem tão longa. Mas não deu mesmo.


É desta têmpera que se fazem os marinheiros portugueses. Gente rija e de fibra!


De regresso ao Sado, já com outra cor à conta do vento na cara, tive oportunidade de ouvir então este desabafo:

_Aquilo que me lixa é o mareio, esta indisposição. É raro não me dar. Eu até para dormir a bordo do veleiro, quando estou atracado na doca, preciso de tomar todas as noites dois comprimidos para o enjoo.

Bom, para quem vai passar três anos a bordo de um veleiro, mesmo que no Mediterrâneo, não deixa de ser um mau princípio. Mas com tempo, com alguma habituação, talvez dê.

Até mesmo um curso de yoga...



Vítor Ganchinho



2 Comentários

  1. Bom dia Vitor,

    Este seu amigo tem um problema serio pela frente!
    Este seu relato em nada fica atrás dos filmes do grande Mestre do Suspense e grande Realizador, Alfred Hitchcock!

    Acho que seria de amigo, dizer ao senhor Estrela, que deveria comprar o meu "Hunters" e colocar à venda o seu veleiro...

    Abraço,
    A. Duarte

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    Respostas
    1. António, eu estava a pensar que vender o "Mudar de Vida" era a melhor opção.....mas se calhar já está tomado. Não era o António Duarte que ia começar a fazer reboque de petroleiros para a Lisnave, nesse barco a remos?!

      Abraço!
      VItor

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