A importância das termoclinas na pesca à linha - Capítulo 2

Falámos ontem sobre a questão das termoclinas e da instabilidade que criam no comportamento do peixe que pescamos. Quando surgem, obrigam a alterar rotinas e a fazer-nos a nós, pescadores, duvidar daquilo que sabemos. Durante um determinado período pescámos naquele local, tudo coreu bem e, a determinada altura, o peixe deixou de aparecer, e os nossos esforços deixaram de ser recompensados. Deixámos de saber pescar? As nossas iscas não são boas? Não é caso para tanto. Apenas devemos tentar entender as razões pelas quais os nossos peixes são forçados a mover-se para outras zonas. E que razões são essas?
A migração dos peixes é um fenómeno biologicamente complexo, para o qual foram adaptadas diferentes estratégias. Cada espécie tem a sua forma de enfrentar as termoclinas. Falámos ontem em migrações longitudinais, ao longo da costa, e em migrações verticais. Estas são aquelas que nos permitem actuar mais facilmente, pois apenas temos de descobrir o novo posicionamento dos incríveis seres que procuramos na nossa sonda. E não é tão difícil assim, desde que saibamos ler o monitor do ecrã que temos à nossa frente. As termoclinas aparecem-nos como diferenças de densidade de água, e sob a forma de riscos horizontais paralelos. A partir daí, há que procurar os outros sinais, os pontos que definem peixe. Eles estarão algures, a uma cota acima ou abaixo.




Sabermos mais sobre este fenómeno das termoclinas envolve algum estudo da estrutura térmica do oceano na vertical e na horizontal e os movimentos que ocorrem dentro das massas de água. É um tema muito interessante e parece-me oportuno, agora que o mês de Setembro está a chegar, e traz consigo um novo momento importante para todas as espécies de peixes: a preparação para os meses de outono/inverno, a necessidade de comer para armazenas gorduras. Vamos ter alguns meses muito interessantes, a partir deste mês. Vamos ver porquê:
O principal responsável pelos ciclos meteorológicos é o sol. É a ele que devemos toda a movimentação de elementos e criação de vida que nos permite pescar. O sol emite radiação de onda curta, a qual passa facilmente através da nossa atmosfera e é absorvida pela superfície da Terra. Esta energia não é absorvida da mesma forma pelos diversos elementos presentes no nosso planeta: a atmosfera gasosa aquece num espaço de tempo muito curto. Temos essa experiência ao sair de barco de manhã cedo, com frio. Sabemos que daí a algumas horas teremos calor, à medida que o sol se levanta no horizonte. O ar, com pouca densidade molecular, aquece muito depressa. Também a terra recebe o calor e aquece muito rapidamente mas apenas na parte exposta a essa energia solar radiante. A porção de terra que aquece é pouca, apenas uma camada fina, por falta de condutividade térmica. E por isso aumenta de temperatura em poucas horas. Mas o mar necessita de cinco vezes mais energia para aumentar a sua temperatura no mesmo valor. A razão é a seguinte: a água tem propriedades de dissipação de calor diferentes, e aumentar um grau centígrado é trabalho para muito tempo. Digamos que existe uma desproporcionalidade muito grande no controle da troca de calor entre superfície da Terra, a atmosfera, e o mar. A água tem uma capacidade calorífica maior. Por este motivo, requer cerca de cinco vezes a quantidade de calor para produzir a elevação da temperatura de uma determinada massa de água do que para produzir a mesma elevação na mesma massa da superfície terrestre. A condutividade é aquilo que faz com que uma peça metálica aqueça em muito menos tempo que um pedaço de cortiça, por exemplo. Tem a ver com este fenómeno de fixação e propagação de calor. Além disso, a quantidade de calor exigido para elevar a temperatura de determinado volume de água salgada é cerca de 5000 vezes maior do que aquela exigida para produzir a mesma elevação de temperatura no mesmo volume de ar. A água permite que a radiação passe através dela e, assim, aquece a água que está a profundidades maiores. Em linguagem simples, o calor espalha-se mais, não se concentra.




Este é um fenómeno muito interessante, pois irá ser mais um a afectar a vida dos peixes que procuramos. Se quiserem pensar um pouco, vejam a quantidade de factores que os nossos peixes têm de considerar durante o seu ciclo diário de vida: marés, diferenças de pressão atmosférica, correntes, ventos, ondulação, quantidade de luz solar, efeitos gravitacionais da lua e sol, quantidade de fitoplâncton na água, predadores naturais, acção predatória do homem através de redes, caixas, aparelhos de anzol, necessidades alimentares, reprodução, etc, etc. É muito factor a considerar, para que possam ter um comportamento linear!! Tudo muda em pouco tempo, e nós queremos que eles sejam….”certinhos”, que se comportem como nós esperamos e ponto final. Não podem, os nossos bichinhos enfrentam desafios muito grandes e que não cabem nos parâmetros simples que lhes queremos impor. Não é só comer... não é só pôr a boca no nosso anzol.

Voltemos à questão das migrações. A mobilidade da água no plano vertical significa que o calor pode ser trocado entre a superfície e os níveis inferiores, a maior profundidade. A mobilidade da água no plano horizontal significa que uma grande quantidade de calor, recebido e armazenado numa região, pode ser transportado para outras regiões pelas correntes oceânicas. Recebemos em Portugal águas quentes que foram aquecidas noutras longitudes e latitudes. A Terra tem uma capacidade calorífica relativamente baixa. A sua condutividade térmica também é baixa e não é móvel nem permeável à radiação. Isto significa que a radiação solar afeta somente uma fina camada superficial da terra em comparação com a profunda camada de água oceânica receptiva a esse aporte de calor. A superfície da terra tem uma elevação de temperatura maior, durante o dia, do que a superfície oceânica e decresce rapidamente durante a noite. Como em termos matemáticos a quantidade de radiação da superfície varia segundo a quarta potência da temperatura absoluta da superfície, consideravelmente, mais energia é re-irradiada pela superfície da terra, de modo que a água oceânica retém uma quantidade de calor maior do que a terra. Digamos que a água do mar é mais estável, não ganha nem perde muita temperatura durante um ciclo de um dia. No Inverno, quando temos temperaturas muito baixas no ar, ao metermos as mãos na água sentimo-la mais quente. E está mesmo mais quente, com diferenças que podem superar os 12ºC.




Há trocas térmicas entre o ar e a água, a evaporação adiciona ou subtrai à camada baixa de ar alguns graus centígrados, conforme as águas oceânicas estão mais quentes ou mais frias, respectivamente, do que o ar subjacente. O calor é retirado do oceano por ocasião da evaporação e é retornado à atmosfera nos níveis mais altos quando ocorre a condensação. Os processos citados acima formam a base da maioria das atividades meteorológicas. O efeito do mar sobre a atmosfera torna-se mais evidente quando consideramos o movimento das massas de ar sobre o oceano, levando a uma variação progressiva da temperatura da água oceânica. Um dos efeitos mais visíveis da atmosfera sobre o mar é a formação de ondas na superfície, produzidas pelos ventos. Sem sombra de dúvida, é o vento o pior inimigo do pescador. Mas faz falta, para misturar oxigénio na água, entre muitas outras coisas. Para além de provocar mudanças de temperatura, os ventos são também responsáveis por movimentos direcionais da água em grande escala, de uma região para outra, dando origem às correntes oceânicas. Temos alguns peixes migradores que as aproveitam para chegar até nós e sem elas nada disso seria possível.




Além dos efeitos mecânicos da atmosfera sobre o oceano, a superfície do mar é aquecida em algumas regiões e arrefecida noutras pelo efeito dos ventos quentes ou frios. Nos meses frios de inverno, o vento gelado vindo do continente e soprando sobre a água relativamente quente dos oceanos, nas latitudes médias, causa um considerável arrefecimento da superfície da água, sendo parte devido à transferência de calor e parte como resultado da perda de calor pela evaporação. No verão, temos o efeito contrário, o vento sopra do lado da terra aquecida e tende a elevar a temperatura da água do mar. E traz-nos peixe para a costa, peixe que fica mais próximo de nós e nos permite utilizar técnicas que não nos servem de inverno. A pesca de superfície tem resultados medíocres quando as águas estão geladas nessa camada exposta aos elementos. É tempo de pescar mais profundo. Os nossos peixes procuram nessa altura as termoclinas, as águas com diferenças de temperatura mais favoráveis à sua existência. A termoclina sazonal começa a formar-se na primavera e alcança seu desenvolvimento máximo no verão. Esta termoclina localiza-se geralmente em profundidades de poucas dezenas de metros, com uma camada de mistura acima. O arrefecimento e ventos fortes no inverno aumentam progressivamente a profundidade da termoclina sazonal e reduzem o seu gradiente de temperatura, de maneira que a camada de mistura superior alcança uma espessura total de 200-300 m. O que quer dizer que fica fora das profundidades a que normalmente pescamos, ou seja, deixamos de contar com ela.




Falta-nos ainda ver um outro detalhe, decisivo, e que tem a ver com a questão da manutenção da temperatura corporal dos nossos peixes. Os peixes, na sua grande maioria, são animais de sangue frio. Um animal de sangue frio tem a sua temperatura corporal regulada pela temperatura ambiente. É a temperatura da água que determina a sua temperatura nesse momento. A maior parte de nós pescadores não sabe que, enquanto um ser humano, sangue quente, possui vias de circulação distintas, por onde pode passar o sangue arterial e venoso, não permitindo a sua mistura, o peixe, em que ambos circulam em conjunto, é bastante menos eficiente em termos térmicos. Isso obriga-os a reagir, a sair de onde estão. Um dos comportamentos mais habituais dos peixes para regularem a sua temperatura corporal é nadar para profundidades diferentes, onde possam encontrar o seu padrão de temperatura ideal. Que corresponde sempre ao padrão que lhes permite poupar energias vitais. Caso não lhes seja momentaneamente possível encontrar esse padrão, aquilo que fazem numa primeira instância é reduzir a actividade. E lá se vai a nossa esperança de pescar bem nesse dia, a essa hora. Tenho locais, relativamente baixos, que na Primavera normalmente dão uns robalos bons. Se houver termoclinas e a água estiver muito fria, reduzem enormemente a actividade, ficam quietos no fundo e não reagem. Mas daí a algumas horas, com a alteração das condições, com o progressivo aumento da temperatura da água nesse local, (baixo, logo de fácil cambio de temperatura) estarão a comer, e a morder nas minhas amostras. O peixe possui uma zona de conforto térmico que é a faixa de temperatura em que desenvolve melhor as suas rotinas, isso é claro. E se todos os peixes têm uma amplitude térmica óptima, então sempre que a temperatura da água está fria demais, está abaixo da zona de conforto do peixe, e altera-lhe o comportamento. E vice-versa, o calor também nos pode prejudicar a pescaria. Mas esta questão não se esgota aqui. Outro fenómeno muito corrente é o de peixes que são nitidamente de maiores profundidades, como os espadartes ou as tintureiras, aparecerem à superfície, a apanhar banhos de sol. Já todos os vimos, certamente. Para além de estarem a desparasitar-se, (os parasitas toleram mal a luz solar e saltam…), também estão a elevar a sua temperatura corporal, antes de regressarem às profundidades onde encontram comida. Seguramente já os viram, a malandrar à tona de água, em dias de mar calmo. Cada espécie de peixe possui a sua zona de conforto térmico e uma zona de tolerância, maior ou menor, conforme sua evolução fisiológica. Alguns toleram melhor outros pior, ou se quiserem, alguns peixes vivem numa pequena e estreita faixa de temperatura enquanto outros vivem em faixas muito grandes, toleram melhor as diferenças térmicas.




Para nós, é indiferente que tenham mais frio ou menos frio. Mas para os peixes não é igual. Eles ficam mais vulneráveis a parasitas, a bactérias, a fungos, a vermes que os atacam quando estão mais fragilizados. Quem é que nunca encontrou pulgas do mar nas choupas ou nas douradas, no período após desova? Pois trata-se do momento em que o animal tem as suas defesas fragilizadas, em que está mais fraco. Gastar reservas energéticas a combater o frio, ou o calor excessivo, no fundo qualquer um destes choques térmicos intensos, traz fragilidades que são aproveitadas por parasitas que os atacam nesse momento. E nós admiramo-nos de os peixes não picarem…mas eles estão a defender-se de um quadro térmico que lhes pode custar a vida, estão com stress, a “pensar” noutras coisas que não os nossos anzóis.

Amanhã vamos ainda ver um pouco mais esta questão da temperatura das águas, de forma a que saibamos decidir pelo método de pesca mais indicado, e sobretudo para que não se atribuam a “luas ruins”, azares, iscas ruins, etc, alguns dos dissabores que sofremos quando vamos pescar e as coisas não correm assim tão…bem.

Até amanhã!



Vítor Ganchinho



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