A importância das termoclinas na pesca à linha - Capítulo 3


Neste último capítulo dedicado às termoclinas, parece-me ser interessante analisarmos um pouco melhor a questão da temperatura das águas.
Em termos locais, há outros factores com influência decisiva na nossa pesca, como a quantidade de radiação solar diária, a transparências das águas, ou seja, a quantidade de sedimentos, a profundidade, a predação humana, os ventos, as marés, a quantidade de alimento disponível, que efectivamente contam bastante. E há as diferenças de temperatura das águas. Podemos ter sentido crítico e achar que pescar numa zona apinhada de caranguejo pilado pode ser diferente de não haver nenhum, conseguimos deduzir que não seja igual, mas não nos incomoda saber que a água está 3º C mais fria do que o habitual. E por acaso, até é um factor bem mais decisivo. Gostaria que ficassem com a ideia de que estas variações de temperatura podem ser bem mais problemáticas e difíceis de resolver que muitos outros factores. Obrigam a muito mais trabalho, a mais tempo de sonda, de procura do peixe. Temos de procurar saber para onde foi o peixe, ou se quiserem, para onde foi obrigado a ir.
Por vezes isso implica deslocações de centenas ou de milhares de metros. E aqui estamos a considerar apenas um quadro de uma dificuldade pontual de um cardume de peixes, algo muito localizado.
Mas a questão das termoclinas não é apenas um fenómeno local, e por isso não é possível analisar de forma tão pontual, tão restrita, um fenómeno que é antes de mais …global. Quando analisamos estes fenómenos, devemos pensar numa escala com uma magnitude bem superior, que afecta não um cardume mas milhares de cardumes de peixes.
O que podemos fazer é listar os princípios técnicos, para que consigamos entender algumas das razões que levam a comportamentos estranhos, sobretudo de indiferença e letargia, por parte dos nossos peixes. Vejamos alguns detalhes:




O ritmo diário de aquecimento das águas é pouco significativo, dado que falamos de ordens de valores enormes, para que possam depender de um dia apenas. Digamos que não se aquece a água do oceano com…um fósforo.
Mas tudo conta, tudo é relevante, na obtenção de um resultado final. Por definição, a água tem melhor condução térmica que a terra. Durante a manhã, a camada superficial da água aquece um pouco, e vai superando a temperatura a que se encontra a termoclina que fica por baixo.
Digamos que a meio do dia, é natural que, pelo menos em águas superficiais, a temperatura esteja alguns graus acima das águas profundas. À noite, o fenómeno inverte-se. Quando começa a entardecer, a atmosfera arrefece e começa a absorver calor e as águas do mar a ceder esse calor, pelo que nesse período, são as águas profundas a ter alguns graus acima de temperatura média. Isto durante o espaço de um dia apenas, espaço que não é particularmente relevante, mas pode não nos ajudar muito.
Quando consideramos uma estação do ano, por exemplo o Inverno, temos que por norma as águas profundas são mais quentes que as águas superficiais. E por isso os nossos peixinhos afundam, à procura da sua zona de conforto térmico. Vimos isto ontem, recordam-se?
Por oposição, no Verão as águas profundas são mais frias. E os nossos peixinhos aproximam-se da costa. Entendem agora a razão de haver migrações de peixes ao longo do ano? Falamos de migrações verticais, perpendiculares à costa.
Por isso, e para aqueles que querem pescar no mesmo sitio, da mesma forma, com as mesmas iscas ao longo de todo o ano e querem obter os mesmos resultados, ….esqueçam. O peixe muda e eles vão ter de mudar a sua forma de pescar, se quiserem continuar a pescar os mesmos peixes.




A temperatura da água é um dos factores ecológicos mais importantes para os peixes, sendo que a tolerância a temperaturas extremas depende da espécie, do estágio de desenvolvimento e do período de aclimatação a que foram submetidos os organismos. Não é igual que isso aconteça no início ou no fim da estação do ano em consideração. Ter ou não ter gorduras de reserva faz muita diferença. Os nossos sargos e robalos, por exemplo, toleram bem melhor que outros peixes as diferenças de temperatura. Mas ainda assim, sofrem com elas.
Se quisermos teorizar o tema de hoje, será algo como isto:
O calor específico é a quantidade de calor que deve ser fornecida para que 1 g de substância tenha a sua temperatura elevada em 1°C. Cada substância possui um determinado valor de calor específico, que é geralmente expresso em cal/g.°C.
Quanto maior for o calor específico de uma substância, maior será a quantidade de calor que deverá ser fornecida ou retirada dela para que ocorram variações de temperatura. A água do mar, quando comparada com várias outras substâncias, possui o maior calor específico, que corresponde a 1 cal/g.ºC.
Temperatura é uma medida microscópica para o movimento de oscilação descrito por átomos e moléculas de um corpo. Temperatura e calor são conceitos bastante próximos, embora tenham significados bem distintos para a termologia. Enquanto o calor é uma forma de energia, a temperatura é uma medida da energia cinética de todos os átomos e moléculas constituintes de um corpo. Macroscopicamente, a temperatura é percebida pelas sensações de quente e frio, e pode ser descrita por meio de um grande número de escalas termométricas. Isto pouco nos diz sobre as necessidades dos nossos peixes, mas é importante saber que teremos de adaptar as nossas técnicas de pesca ao meio em que os nossos peixes vivem. Se as águas estão frias, de pouco serve uma pesca muito rápida, muito brusca, porque os peixes não conseguirão corresponder. Aí, para quem pesca com artificiais, a lentidão de movimentos dá seguramente muito melhores resultados.
Para aqueles que têm alguma experiência de pesca em águas doces, sabem que pescar achigãs em águas geladas, ou trutas em águas quentes, é tempo perdido. Em geral, para cada espécie existem faixas de temperatura ideais para o crescimento e alimentação, podendo estas ser diferentes nas fases adulta e jovem. É também notadamente conhecida a influência das mudanças de temperatura na reprodução ou na migração. O peixe move-se por necessidade imperiosa e absoluta.
A temperatura da água, a quantidade de oxigénio dissolvido e o efeito da presença ou ausência de comida, são factores intimamente relacionados no ambiente aquático. Com o paulatino aumento de temperatura da água do mar, a partir da primavera, há também um aumento da taxa metabólica dos organismos, acarretando maiores gastos energéticos, consumo de oxigénio e, consequentemente, maior necessidade de ingerir alimentos. Águas a temperaturas baixas não nos ajudam a pescar mais. Mas também as águas demasiado quentes trazem problemas para os nossos bichinhos, cuja temperatura corporal está intimamente indexada ao ambiente marinho em que vivem. Vejamos como, nas linha abaixo.




De um modo geral, podem-se prever quais os efeitos da temperatura corporal dos peixes no seu comportamento, (em função de águas com temperaturas predominantemente altas ou baixas e do choque térmico consequente) e atitude perante as nossas iscas:

Altas temperaturas: para Portugal continental, à volta dos 23ºC. Poucas espécies resistem a ficar nos seus locais de permanência habituais, com estas temperaturas elevadas (acima de 5ºC do padrão standard), pois estão, geralmente, associadas à diminuição nos teores de oxigênio dissolvido no meio aquático e, ao mesmo tempo, ao aumento da taxa respiratória. O peixe é obrigado a respirar mais vezes, a aumentar exponencialmente o seu ritmo respiratório. Além disso, a água mais quente afeta o metabolismo basal dos peixes, pois diminui-lhes a afinidade da hemoglobina (pigmento do sangue) pela redução dos teores de oxigénio. Em casos extremos, poderíamos assistir a acidentes graves, inclusive a morte dos peixes por asfixia. Isso acontece nas barragens e rios, quando devido ao calor do sol, as águas aquecem demasiado. Logo, o peixe deixa de se preocupar com a alimentação, porque tem algo mais importante a resolver.

Baixas temperaturas: para as nossas águas tudo o que seja abaixo de 12ºC. Baixas temperaturas também podem levar a maioria das espécies de peixes a problemas metabólicos, inclusive em casos extremos à morte. Por isso os peixes da nossa costa afundam, de forma a poderem proteger-se em cotas em que a água está mais quente. Temos vindo a falar nos últimos dias nas termoclinas. No limite, um peixe que decida permanecer em águas geladas, terá complicações no seu organismo que poderão chegar ao nível dos focos hemorrágicos. Eles vão embora para os fundões porque não podem estar onde os pescamos de Verão! Baixas temperaturas também poderiam provocar o enfraquecimento dos organismos devido à diminuição da produção do muco protetor da pele, facilitando o ataque de parasitas, podendo também isso levá-los à morte. O resultado final deste processo é que não os vamos conseguir pescar onde esperávamos ser possível, mas sim muito mais baixo, a outras cotas.

Choques térmicos: são consideradas variações bruscas de temperatura oscilações de, pelo menos, 3 a 4ºC num mesmo dia. Essas variações são extremamente stressantes para os peixes (levando-os geralmente à morte quando numa situação de saúde mais frágil), sobretudo para peixes em estágios mais jovens (e portanto mais sensíveis). Por serem organismos de sangue frio não têm a capacidade de regular a temperatura do corpo e necessitam de um tempo de adaptação quando há alterações na temperatura do ambiente. A solução mais imediata é a saída da zona de desconforto, procurando águas que se mantenham dentro da sua faixa padrão. E aí sim, podem responder positivamente aos nossos esforços de pesca.




Seria interessante ficar com a ideia de que os dias de mar não são todos iguais. Existem regularmente grandes diferenças de pressões atmosféricas, existem fases lunares diferentes, dias de muito vento e ondulação, etc, e a isso os nossos peixes têm sempre de responder.
A cada uma das variantes que lhes surgem, são obrigados a responder com uma mudança de atitude, de estratégia de sobrevivência. Já vimos atrás que não é uma questão de opção, é uma obrigatoriedade.
E se é entendível que os peixes têm mesmo de mudar algo para continuar a estar vivos, se continuamente têm de reagir às condições adversas que lhes surgem, de se adaptar, de mudar algo, para assim conseguirem sobreviver, como podemos pedir-lhes que estejam sempre no mesmo sitio, no mesmo pesqueiro, dia e noite, regularmente, a fazer sempre aquilo que nós queremos que façam: morder nos nossos iscos.
A maior parte dos nossos pescadores pesca de igual forma todo o ano, com o mesmo equipamento, nos mesmos sítios. Faz sentido?



Vítor Ganchinho



2 Comentários

  1. Olá Vitor.
    Quando me ponho a adivinhar o comportamento do peixe, lembro-me que devem ter comportamentos semelhantes aos lagartos, que procuram o sol.

    Mas acho que, tal como os meus ossos, os peixes são também afetados e muito, pela pressão atmosférica.
    Não me lembro se já escreveu sobre o assunto?

    Cordiais cumprimentos, Paulo

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    1. Bom dia Paulo Obrigado pelo seu comentário. Efectivamente já há no blog referência à questão da pressão atmosférica. Veja para trás e vai encontrar pelo menos dois artigos.

      Ontem saí com um grupo de pessoas a pescar e a dada altura, no último segundo, descobri que tinha uma tintureira a uns 30 cm da superfície, e foi por milagre que não lhe dei com o hélice. Consegui desviar-me a tempo, mas foi mesmo no limite. Aquele peixe estava nitidamente a apanhar sol, a ondulação ontem foi de 30cm, o mar parecia ter óleo em cima. O vento estava a 2 nós apenas....
      Na sexta feira saí com um grupo de russos, e a meio da viagem para os pesqueiros vimos um espadarte saltar à frente do barco, um peixe com os seus 80 kgs. Muito bonito.

      São animais que fazem a sua vida nas profundidades, mas que, com o sol já bem nascido, gostam de subir até cá acima. Mais do que a questão da temperatura penso serem questões que têm a ver com desparasitação. Os peixes grandes têm muitos " inquilinos" indesejáveis.

      Estamos com águas verdes, para encontrar boas condições temos agora de ir um pouco mais fundo.

      Abraço
      Vitor

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