O dia em que pescar com amostras rende mais, …pode já ter chegado

Quando tomamos a decisão de sair à pesca, temos normalmente a expectativa de poder vir a fazer algum peixe interessante.
É isso que nos anima a adquirir equipamentos de melhor qualidade, a fazer as nossas bricolages, a preparar tudo para que, quando chegar o grande momento, nada possa falhar. No fundo, a sonhar acordados com uma pancada brusca e forte na ponta da nossa cana.
Em zonas mais poupadas pela pesca profissional, e não são muitas, ainda é possível conseguir alguns peixes de bom tamanho, mesmo nesta altura do ano, utilizando amostras. Estas, basicamente imitam pequenas presas, de captura fácil para as tremendas máquinas de matar que são os nossos predadores de topo. As leis da vida a isso obrigam e a natureza, os ecossistemas marinhos sem a nossa interferência seriam de um equilíbrio assinalável. O peixe pequeno é comido, mas reproduz-se em quantidades que tornam os seus stocks estáveis. Necessariamente que alguns habitats têm mais peixe que outros. Sempre foi assim e isso deve-se a características particulares que determinadas zonas possuem e não existem noutros lados.





Estas zonas, na maior parte dos casos, ou têm refúgios que impossibilitam a sua pesca com artes, ou situam-se em pontos “auto-protegidos” pela quantidade de milhas de deslocação a que obrigam os profissionais das embarcações de pesca.
Se os resultados não compensam os custos de combustível, os profissionais não os visitam. A relação custo de combustível/ salários/ proveito/ lucro é um factor muito afinado em gente que vive da pesca e que por contraste, é muito pouco considerada por todos os que esperam ansiosamente pelo fim de semana, com a ilusão de ter uma boa picada. Os pescadores lúdicos vivem um sonho que não é o dos profissionais.
Proporcionalmente, os custos da pesca lúdica são tremendamente mais elevados, e beneficiam bastante mais o Estado português, que a pesca profissional. Sendo que os custos ambientais são francamente mais baixos. Não é raro que as traineiras tenham de deitar ao mar toneladas de peixe, por não ter a medida mínima. É um desperdício de vida, de recursos marinhos, de potencial de reprodução, de alimentação de outras espécies, ….de tudo. A pesca com redes nada tem a ver com a pesca com amostras.


Barco de pesca a operar junto à Comporta, com redes de cerco.


Na verdade, em termos económicos para o Estado, em taxas pagas e impostos directos e indirectos, a pesca lúdica é uma actividade rentável à tutela. E a pesca profissional, não é.
Mais próximos estarão os profissionais de receber subsídios por não pescarem, do que propriamente de pagarem impostos.
A nossa sina, a dos pescadores lúdicos, é pagar para pescar. Porque olhamos muito menos aos gastos e muito mais ao peixe troféu que ambicionamos obter.
Zonas como a costa Vicentina, afastadas de portos marítimos de relevância, apenas com algumas embarcações de pesca artesanal por perto, permitem, ainda, a captura de alguns peixes de excepção.
As amostras, tão utilizadas em locais de peregrinação diária de pescadores, (os pontões da Caparica têm gente a pescar com amostras 24 sobre 24 horas….), têm ali o seu espaço para mostrar a sua efectividade.
É em locais mais remotos que podemos verificar todo o potencial dos equipamentos modernos que temos hoje no mercado.

Podemos encontrar nas lojas da especialidade uma infinidade de modelos de amostras, sendo que as principais serão:
Amostras exclusivas de superfície, vulgo poppers ou passeantes, amostras de subsuperfície, os stickbaits, as amostras de baixo peso, sem pala, e todas as que trabalham numa faixa de água até digamos que 1 metro da superfície.
E a seguir, todas aquelas que, munidas de uma pala mais longa, obrigam ao afundamento da nossa amostra, até níveis que podem atingir alguns metros, dependendo da nossa velocidade de recuperação.
Teríamos ainda a considerar os híbridos de amostra com jig, normalmente com algum peso, e que afundam de forma constante se não lhes imprimirmos qualquer tipo de movimento. E caso seja necessário, podemos sempre recorrer aos jigs, e com eles a descida aos abismos é possível.
Por outras palavras, pescamos o peixe onde ele estiver, estamos equipados de amostras ou jigs para todas as situações.


Amostra híbrida, para pesca ao robalo em situações tão diferentes quanto a pesca de praia, na espuma, a exigir lançamentos muito longos, e a pesca em zonas profundas, a obrigar a deixar cair a amostra dezenas de metros. Trata-se de um modelo da marca Smith, japonês, de nome “Super Surger”, à venda na GO Fishing Portugal. Pode ser equipado com fateixa tripla ou assiste de anzol simples, e existe em diversas cores, tamanhos e pesos. Isto é….isca viva.


Mas como podemos decidir por esta ou aquela?!!
Escolher uma amostra na nossa caixa deve obedecer a uma série de critérios. Já aqui vimos ao de leve como a visibilidade das águas influencia decisivamente a atitude do peixe, o seu nível de agressividade, e até a forma como utiliza os seus recursos de predador.
Nunca é demais repetir que em águas limpas, o peixe caça à vista, utiliza preferencialmente os olhos para descobrir as suas presas, logo o critério é utilizar equipamentos de cores naturais, neutras. Em águas mais tapadas, sujas de sedimentos, de aluvião, a escolha deve recair em modelos mais flash, mais vistosos. Nestes casos, o peixe utiliza a sua linha lateral para perceber as vibrações. Os olhos são úteis apenas no último instante, só para ajustar o ataque.

Quando caça à vista, o peixe procura indícios de fragilidade. Um pequeno peixe que deixa ver o ventre, ou mais concretamente o brilho das escamas ventrais, é um alvo a abater. Este brilho é avistado ao longe e mobiliza todos os predadores que se encontrem no local.
Para quem se levanta cedo e ao raiar do dia já está a lançar as suas amostras, as oportunidades existem. Os raios de sol que aos poucos começam a iluminar a superfície da água permitem ao peixe descobrir facilmente as suas presas. É um momento mágico, em que o predador está mais próximo da superfície, e pode abocar a nossa amostra numa fracção de segundos após a sua queda na água. A reacção dos peixes quando estão activos, a caçar, pode ser muito rápida. As pancadas que dão nas nossas amostras sentem-se muito para além das mãos e pulsos, vão ao antebraço e deixam-nos de coração sobressaltado. Todo o nosso corpo vibra. A tensão da luta que se segue termina com a vitória de um dos contendores. Se o peixe ganha, a moral do infeliz pescador desce a níveis glaciares. Poucas coisas nos deixam mais desanimados que um peixe que desferra. Ou pior que isso, que nos …parte a linha.

Acredito que na pesca de spinning, muito há a melhorar. Um dia teremos linhas mais finas e resistentes, que nos permitirão lançar ainda mais longe e serão mais difíceis de romper que as actuais, as canas terão equilíbrios de peso ainda melhores, melhores passadores, melhores tempos de resposta, e sobretudo ao nível das amostras o realismo da sua construção será cada vez maior. Se é verdade que os tamanhos e cores hoje já são muito próximas da realidade de um pequeno peixe, parece-me que ainda há margem para melhorar. Melhor tecnologia de fabrico trará um realismo de natação e um desempenho na água ainda mais eficaz. A utilização de amostras com hologramas veio trazer algo de novo, os resultados demonstram a sua eficácia. Não só representam por si um incremento em termos de visibilidade, como ainda são uma forma de conferir realismo, de “dar mais vida” a uma peça que não deixa de ser um pedaço de plástico, ou chumbo. Não há muito de novo, nem há necessidade, para já, de fazermos muito diferente daquilo que sempre foi feito: imitar uma presa viva, em dificuldades. Vai da habilidade de cada um imprimir movimentos que despertem o predador da sua letargia, que o façam, como costuma dizer-se “ …levantar”. Esse é o momento mágico, aquele click que, a partir da nossa técnica de mãos, faz mudar a atitude de um predador estático, atento, para um peixe que de repente arranca direito à nossa amostra e morde. A diferença entre o sim e o não, é tudo na pesca. E isso é aquilo que todos nós procuramos, ser capazes de provocar esse momento. Esse ligar ou desligar de interruptor, depende muito mais de nós do que aquilo que algumas pessoas pensam. Lançar uma amostra para o mar e recuperar essa amostra não garante o sucesso só por si. Há quem consiga quase sempre e quem não o consiga nunca.
Ao analisarmos a forma desabrida como um robalo se lança sobre uma amostra e a engole, podemos imaginar o quanto esse peixe julga estar certo da veracidade daquilo que está a ver. Para o robalo, a nossa amostra é um peixe vivo, e não ficam dúvidas disso. A perfeição das pinturas é tanta que em alguns casos acredito que algumas fábricas terão já esgotado todos os seus recursos de fazer melhor. Mas quando uma fábrica fica estagnada num patamar técnico, outra abre ao lado e surge com outras ideias, outros designs, outras formas de fazer. E isso, indubitavelmente, faz avançar a oferta de produto à nossa disposição.




Nada pior que estarmos a pescar com algo em que não acreditamos. Não funciona. Sentimo-nos despidos. Por via das dúvidas, ter algumas amostras diferentes pode ajudar e se temos montado um clip rápido, podemos efectuar a mudança em poucos segundos. Tenho amigos que nem consideram a possibilidade de um dia experimentarem a pescar com iscas artificiais. Para eles, apenas existe isca orgânica. Quando olham para as minhas caixas de peixe, acham sempre que algo está errado, que eu devo ter sítios carregados de peixe. É verdade que pesco em zonas boas, com vida, em habitats menos explorados, mas isso não explica tudo. Seria capaz de fazer boas pescas em zonas perfeitamente comuns, vulgares. Acreditar naquilo que se faz é o ponto de partida para chegar mais longe.
Como critérios de base, a minha sugestão vai no sentido de escolher as amostras que melhor se ajustem ao tipo de comida que os peixes têm disponível na zona onde pescamos. Na falta de informações, há critérios base que são sempre úteis: estamos a pescar na foz de um rio, temos uma costa rochosa com fundos baixos e revoltos, pescamos de barco numa zona funda, ou estamos a pescar numa praia? Tudo isso obriga a uma escolha de amostra diferente. Aquilo que o predador procura é peixe miúdo, ou centra a sua atenção em caranguejos, em camarões, etc? Passar alguns momentos a observar o mar pode ajudar-nos a entender o que se passa. Ter muita pressa pode não ajudar muito. Conseguimos ver pequenos cardumes de peixe miúdo agitados à superfície? Nesse caso, é lançar as nossas amostras pequenas, com brilho, hologramadas se possível, porque isso é o mais próximo daquilo que está a acontecer: PEIXE MIÚDO EM FUGA, desesperado por escapar daquela zona. Uma amostra que brilha e imita um peixe em apuros é muito apelativa, e torna-se um alvo apetecível. A recuperação não deve ser linear, mas sim a obrigar a amostra a diferenças de velocidade, a emitir lampejos na água, em suma, a provocar o ataque do predador. A cominação do tamanho e peso certo, com a cor certa e o brilho certo, são factores que nos podem ajudar muito a provocar a investida. É só isso aquilo que precisamos, do ataque do peixe, o resto é connosco. E esse “arranque”, esse click, é dado pela escolha certa da amostra.
Ajustar a amostra às condições de mar é tarefa do pescador. É ele e os seus olhos. Há pessoas com mais intuição, mas regra geral os critérios de análise são muito simples: visibilidade da água, profundidade do pesqueiro, tamanho dos peixes presentes, condições gerais do equipamento que temos nas mãos. Tudo somado, resulta na escolha de uma amostra X, que será a indicada.
Nunca esquecer que as amostras devem sobretudo agradar ao peixe, muito mais que agradar ao pescador. Já aqui vos disse que, dependendo da época do ano, assim os predadores dão preferência a caçar peixes pequenos ou grandes. Se bem se recordam, a época de águas mais quentes é um período em que o peixe come preferencialmente peixinhos de pequeno tamanho, e no inverno e primavera o oposto, a preferência vai para comedia de maior tamanho, mais peso, mais gordura. Tem a ver com a questão da digestão e assimilação de nutrientes. Se é verdade que dentro do leque de peixes que temos à nossa disposição, haverá uns que toleram melhor o calor ou o frio que outros, há no entanto limites em que todos eles sofrem um pouco. Cada espécie de peixe tem uma temperatura em que seu metabolismo funciona melhor, sendo que as variações, quer para baixo ou acima dessa temperatura óptima implica sempre redução de actividade. Cada espécie tem a sua faixa ideal de temperatura de água. Independentemente do sentido do desvio, para baixo ou para cima, fica fora das condições normais e isso induz mudanças fisiológicas, e altera o comportamento do peixe.
Quando expostos a temperaturas muito altas, podem inclusive morrer, quando enfrentam temperaturas muito baixas, reduzem o seu metabolismo a níveis mínimos, e por isso nós não os conseguimos pescar. Por um ou outro motivo, frio ou calor em excesso, a taxa de crescimento diminui, a actividade em termos gerais, diminui. E o pescador não pesca!




Porque tratamos hoje de pesca com amostras, convém esclarecer que as temperaturas muito elevadas acarretam dificuldades acrescidas nos processos digestivos, redução da capacidade de absorção de nutrientes dos alimentos. E o que é que isso tem a ver com as amostras, ou qualquer tipo de isco artificial? Tudo. Nesta fase, os peixes evitam comer presas muito grandes, dando preferência a pequenos peixes, de menor peso, menor consistência e por isso, de digestão mais fácil. Se não comem os carapaus ou as cavalas de grande tamanho, …vale a pena pescar com amostras grandes? É o tempo de pescar ligeiro, com pequenos enganos, amostras ou jigs, tudo o que imite alevins, peixe-rei, galeotas, e fazer disso a base da nossa pesca.
Há ainda um aspecto que me parece importante referir-vos: as nossas águas variam em média dos 12ºC aos 21ºC. Mais coisa menos coisa. Quando acima ou abaixo destes valores, os peixes correm riscos. E eles evitam-nos ou minimizam-nos deslocando-se, migrando quer verticalmente, para águas mais fundas onde podem encontrar as termoclinas, ou no sentido norte-sul, ou inverso. Sabemos que para sul as águas são tendencialmente mais quentes, e para norte, a norma será para termos águas mais frias. Assim sendo, o peixe acompanha as massas de água de acordo com as suas necessidades fisiológicas, que correspondem quase sempre às das suas presas. O peixe tem forçosamente de seguir a sua comida, que sofre das mesmas limitações.




Dir-me-ão que o frio é pior. Não necessariamente. A água mais quente tem associado um fenómeno que provoca constrangimentos aos peixes: a menor concentração de oxigênio dissolvido na água. Respiram pior. Com efeito, a respiração acelerada é um dos problemas. A água quente tem sempre menos oxigénio dissolvido e isso obriga o peixe a acelerar o seu processo respiratório. Nesta fase, é mais fácil o pescador encontrar peixes próximos da superfície, melhor ainda se em pesqueiros baixos, porque a parte superior da água está normalmente mais oxigenada, por estar mais em contacto com a atmosfera. Este processo é muito importante porque a primeira camada de água beneficia da turbulência das vagas, gera-se à superfície um efeito de mistura que não ocorre no fundo. Por isso os peixes caçam e comem à superfície e não no fundo. E isso obriga-nos a mudar a nossa técnica de pesca.
Por vezes falo com pessoas que não entendem porque razão, no mesmo pesqueiro, pescam facilmente e com bons resultados durante alguns meses do ano, e, utilizando o mesmo método, os mesmos equipamentos de pesca e as mesmas iscas, deixam de conseguir fazer peixes por completo, noutras alturas do ano. Espero que este texto os ajude a entender o fenómeno.
Se quiserem, e em resumo muito curto, é algo com o isto: água fria reduz o metabolismo de peixe, trava-lhe o crescimento, mas induz ao consumo de peixe gordo, com tamanho, que obriga a vários dias de digestão. Águas quentes aumentam o metabolismo do peixe, aceleram o crescimento, mas dada a redução da taxa de oxigénio na água, provocam uma necessidade de consumo de presas de tamanho reduzido. Logo, de digestão fácil. Os extremos de temperaturas, quer para baixo quer para cima, provocam stress ao animal e ele deixa de reagir a estímulos que seriam suficientes noutras condições. Por outras palavras, …não pescamos.
As variações de temperatura muito bruscas são muito mal recebidas pelo peixe. Diferenças superiores a 5ºC podem, se não matar o peixe adulto em si, fazer muito mal à sua descendência. O choque térmico pode causar sérios danos aos ovos, às larvas e aos alevins. As alterações climáticas não nos estão a ajudar em nada, dado que trazem consigo fenómenos extremos que deixam marcas que muitas vezes nem nos são perceptíveis. Matam muito peixe que ainda nem nasceu…
Esses, infelizmente, nem chegam a ser equacionados quando lançamos as nossas amostras à água.



Vítor Ganchinho



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