O que comem os nossos bichinhos?

Estaremos sempre um passinho mais próximos de os pescar, se soubermos o que comem os nossos peixes.
Basicamente a pesca à linha é uma armadilha alimentar, um acto de engano, de lançar uma isca, orgânica ou artificial, a um peixe que acredita que aquilo que está a ver, aquilo que lhe propomos, é para si comida normal, sem riscos.

Nós sabemos que não é assim, que há um anzol escondido, que há uma linha que os liga a nós caso mordam o engano. Mas eles não sabem e não têm mãos para apalpar, apenas têm boca. E por isso, e porque precisam de comer, atacam as nossas iscas.
Ignoram os fios que veem à sua frente, porque na natureza o que não falta são plantas filamentosas, filamentos de cnidários, águas vivas, caravelas portuguesas, algas, etc, e porque nada faz pressupor que possam ser tão resistentes e perigosas como de facto são.
Os peixes veem as nossas linhas. Desvalorizam-nas, por acharem que são inócuas, inofensivas. A sua concentração total vai para aquilo que lhes pode servir de alimento, não para uma fina linha.

Cada espécie tem as suas próprias adaptações ao meio em que vive, a sua forma de conseguir nutrientes. E que procuram os peixes na sua diária azáfama de encontrar alimentos? Que limites têm?
Vamos ver alguns exemplos que nos ajudam a entender o que comem, e também aquilo que podemos propor-lhes, mesmo quando já estão aparentemente saciados.

Com excesso de oferta, com muito alimento à disposição e fácil de capturar, quando eles estão com os estômagos cheios, na maior parte dos casos nós pensaremos estar apenas a tentar vender areia no deserto.
Se há muito caranguejo pilado na água, se há toneladas de sardinha miúda, ….vale a pena sequer tentar pescar?

É do senso comum que um animal empanturrado de comida não necessita de comer mais. Mas será mesmo assim? Temos assim tanta certeza de que um peixe “atestado” de comida não continua a comer?
Ou estaremos todos nós apenas a tentar humanizar um ser que se rege por ciclos de alimentação diferentes dos nossos? Eles são como nós? O peixe é um ser que passa em diferentes momentos da sua evolução, quer de crescimento, de reprodução, quer de consumo diário de calorias, (atendendo à baixa temperatura das águas onde vive e por ser um animal de sangue frio, necessita de compensar o desgaste calórico com a ingestão regular de alimento), por diferentes fases. Aquilo que não é lógico é tentarmos humanizar as reacções de um animal que seguramente tem de reagir de forma diferente, porque vive num mundo diferente. Nem sequer tem a garantia de ter as mesmas oportunidades que nós de conseguir descobrir comida. Porque nós sabemos onde está, e como a conseguir: abrimos a porta de um frigorifico.
Para o peixe nem sempre será garantido que na sua zona exista algo que se deixe capturar e lhe possibilite salvar o …dia. Se hoje a comida está aqui, amanhã estará noutro lado, porque as variáveis de ventos, correntes, marés, mudam as premissas do jogo. E assim sendo, de cada vez que há uma oportunidade ela tem de ser aproveitada. Quando não encontramos razões para que eles continuem a comer, …eles mostram-nos que sim, que há muito boas razões para que o façam. Fazem-no até literalmente não caber mais! Porque o instinto a isso os obriga, a aproveitar aquilo que de momento está disponível.

Peixes completamente “atulhados” de comida, ainda assim mordem as nossas iscas, de uma forma que à primeira vista seria um absurdo, algo inexplicável à luz daquilo que são os hábitos e convencionalismos humanos.
Se não concordam, vejamos alguns casos:


Esta cavala, com cerca de 600 gr,  tinha duas sardinhas inteiras dentro do estômago. Ambas as sardinhas foram engolidas pelo lado da cabeça, a forma mais fácil de deslizarem para dentro do estômago do peixe. Ainda assim lançou-se a um jig que lhe passou perto...


Em rigor, com isto no estômago, a cavala não poderia ter fome, como nós humanos entendemos o conceito fome. Duas sardinhas adultas são alimento suficiente para vários dias. Como podem constatar os ácidos do estômago já teriam iniciado o seu processo digestivo.


Há dias, ferrei um robalo com cerca de 1,5 kg. Pareceu-me suficiente para o jantar da família e levei-o. Reparei que ao entrar no barco, lançou da boca este caranguejo pilado. Estava moído, partido como podem ver. A consistência deste caranguejo pelágico é reduzida. Mesmo as bogas conseguem comê-los, e não têm dentes nem poder físico que se vejam. Porque o peixe estava fundo, a cerca de 72 metros de profundidade, admito que o jig tenha partido, por compressão, algumas partes do caranguejo. Mas foi assim que chegou à superfície.


Ao chegar a casa, peguei na minha faca japonesa e fui arranjar o robalo. Para meu espanto, encontrei o estômago completamente cheio de caranguejos. Em rigor, não cabia mais nada. O primeiro pilado, aquele que estava na boca ao momento da captura e caiu no barco, já não cabia no estômago. E ainda foi morder o meu jig de 30 gr!...


É claro e evidente que se tratam de caranguejos pilados frescos, capturados há muito pouco tempo pelo robalo. Eu estava a pescar a ¾ da maré enchente, o que me indica que este peixe terá tido actividade alimentar desde o princípio dessa maré, e não anterior a esse período, ou os pilados estariam já mais decompostos. 


A mesma foto, deixando ver os sucos gástricos nas paredes interiores do estômago. É com estes ácidos que o robalo consegue decompor a carapaça e chegar ao aporte de proteína e aminoácidos que o interior do caranguejo lhe proporciona.


Estes caranguejos já foram, sobretudo no norte do nosso país, e dada a sua abundância, recolhidos para fertilizantes para os campos. Por vezes, nas minhas saídas de mar, encontro zonas com uma densidade tal que chego a pensar se vale a pena pescar. Mas vale sempre. O peixe segue estas manchas de pilado, e normalmente o fundo marca peixe...


No caso acima, temos que um robalo aproveita a maré de pilados para engolir quatro destes caranguejos pelágicos. Trata-se de um aproveitamento de algo que pode não se repetir na maré seguinte, já que o “Polybius henslowii”, vulgarmente conhecido por pilado, deixa-se transportar pelas correntes. Pode haver mais oportunidades, ou não, ….
Vamos ver agora um caso diferente, em que um robalo ataca um cardume de peixe, e resolve engolir o máximo de comida.


O robalo de que vos falo é este. Vejam como a sua barriga está inchada. Já vão ver com o quê...


Pois aqui os temos, de seu nome “Macroramphosus gracilis”, entre nós conhecido por “apara-lápis”, porventura devido ao seu bico afiado, um pequeno peixe que vive entre os 50 e os 500 metros de fundo, e que faz as delícias dos nossos robalos. O peixe da foto acima, tinha cinco destes peixes no estômago, mais um pequenos carapau e não esqueçam que foi capturado com um jig de 20 gr, ou seja, ainda achava ter espaço para mais qualquer coisa.


Este pequeno lagostim foi retirado do estômago e estou certo de que teria minutos de ter sido engolido.


A reter que, pese embora a existência de isca em abundância, ainda assim devemos pescar. Desde logo porque se há peixe miúdo, sardinha, cavala, carapau, biqueirão, etc, isso quer dizer que há peixe nas imediações. De certeza que há!
Estar ou não estar cheio, …pode não querer dizer nada. Vejam os exemplos acima…e mesmo assim, esses peixes morderam os meus jigs.



Vítor Ganchinho



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