Capturas ...à pele

Quantas vezes trazemos os nossos peixes à superfície mesmo pelos….”cabelos”…?
A razão de ser da rede camaroeira é exactamente essa, a de permitir que consigamos fazer capturas que, de outra forma inevitavelmente seriam perdidas.
Há de facto um momento crítico, um instante em que tudo pode ser deitado a perder: o momento da chegada do peixe à superfície.
Até aí, fizemos aparentemente tudo bem: lançámos a nossa isca, orgânica ou artificial, conseguimos ferrar o peixe, conseguimos aguentar os seus esforços para se soltar, e recolhemos fio suficiente para o podermos ter à vista. Nada mais inglório do que vê-lo descer às profundidades porque não soubemos trabalhar aquele que, para mim, é o momento chave da captura.
Há peixes que são pouco susceptíveis de desferrar. Se pensarmos bem, um pargo, uma dourada, uma saima, raramente desferram. Por outro lado, um choco, uma lula, um carapau, …..fogem com frequência.
A razão tem a ver com a consistência do animal em si, e a forma como actuamos nesse momento decisivo. É frequente que peixes como os safios se escapem, mas aí a razão não é de todo a de desferrarem, tem a ver com o facto de termos desgastado, do fundo até à superfície, a nossa linha nas suas mandíbulas abrasivas. Os dentes do safio não são grandes, mas são ásperos. Aquilo que acontece é que estes dentes roçam na linha, fragilizam-na e quando chega o momento fatal, muitas pessoas insistem em levantar em peso um bicho que pode ter alguns quilos. E a linha parte. Este é um caso simples que poderia ser resolvido com a utilização atempada de um camaroeiro.
Outros peixes apresentam efectivamente uma boca frágil, muito susceptível de abrir rasgos. Os carapaus são um exemplo gritante, porque a sua boca fina acusa muito facilmente o alargamento do buraco provocado pelo anzol.
Normalmente caem ao mar no momento em que os temos já fora de água. Porque se trata de uma captura menor, não vejo necessidade de aplicação de um camaroeiro, apenas aconselho a que se mantenha o peixe a subir à mesma velocidade que trazia quando ainda estava emerso na água. Se não houver paragens, se não quebrarmos o ritmo, temos boas possibilidades de o conseguir meter dentro do barco. Mesmo que caia nesse instante. É muito frequente que aconteça uma destas duas possibilidades: o pescador levanta o peixe e “enrola” o assunto deixando-o ficar por breves instantes fora da amura do barco, e perde-o. O pescador levanta-o e mantém o balanço, a velocidade de subida, e o peixe eventualmente rasga, solta, mas cai dentro do barco. Isto é muito comum.

Outros peixes têm a boca muito mais frágil do que gostaríamos. Apresento-vos um ilustre peixe, cada vez mais raro:


Boca de um alfaquim, alfaquique, ou peixe-galo, ou ainda se preferirem, um formoso “Zeus faber”, para mim um dos melhores peixes da nossa costa. Não é por falta de tamanho que não engolem os nossos iscos...


Já os pesquei com bogas vivas de 300 gr. Este peixe aspira as suas vitimas: aproxima-se delas valendo-se das suas capacidades miméticas, e caça-as recorrendo a uma enorme velocidade de sucção.
A sua boca protráctil tem zonas com uma fina capa de pele, e nada mais. Atenção, não é o peixe que se deva levantar em peso, porque podemos perdê-lo.
Dada a sua alta qualidade gastronómica, este é um dos peixes que mais merece algum esforço, até porque pode por vezes ultrapassar os 3 kgs de peso . Ter um camaroeiro ao lado pode fazer a diferença entre o “sim” ou o “não”…


Pequeno cantaril pescado com um jig.


Os peixes que são capturados a profundidades muito grandes, podem, por força do tempo necessário para os trazermos à superfície, chegar às nossas mãos num estado deplorável.
Normalmente o buraco do anzol alarga mais ou menos, consoante a espécie e a sua capacidade de conseguir compensar a bexiga natatória e continuar a dar luta. Falamos de peixes que podem lançar-se ao nosso jig a mais de 500 mts de fundo, com tudo o que isso significa em termos de esforço de enrolamento da linha. Ao peso do jig soma o peixe, e para quem pesca pode ser penoso perder a sua captura. Nestes casos, e sempre que o exemplar tenha algum porte, o camaroeiro é indispensável. Até porque dificilmente um peixe destas espécies poderá sobreviver, mesmo que escape e afunde.




A dourada é um exemplo de um peixe que raramente desferra. A sua boca rija e musculada é difícil de penetrar, mas quando o anzol espeta, é definitivo. Ser capaz de as ferrar com jigs é toda uma arte, e um privilégio que devemos saber apreciar. Bem sei que a maior parte daqueles que as pescam entre Outubro e Dezembro acham que é impossível pescar douradas com artificiais, mas a verdade é que é perfeitamente possível, desde que se saiba como...
Bom mesmo é pescá-las fora desse período, quando se encontram indefesas e fragilizadas por terem de alimentar as suas ovas e têm mesmo de comer.


Lula presa mesmo pela pontinha. Mais uns milímetros, poucos, e teria rasgado inevitavelmente. É muito comum que as lulas se lancem aos jigs, mas mais corrente que se consigam cravar quando pescamos com um anzol triplo.


Detalhe desta captura, feita por um amigo brasileiro, em Maio de 2021, na zona da Comporta, a sul de Setúbal. Na verdade, o anzol nem chegou a entrar na pele da lula, o que torna a captura algo meio surrealista...


Em resumo: atendendo ao trabalho que temos a puxar peixes à superfície, e ao facto de nem sempre estes terem verdadeiras chances de sobreviver quando se libertam, (descompensação da bexiga natatória…), seria importante passarmos a ter uma especial atenção à colocação de uma rede camaroeira sempre à mão. Trata-se de um acessório por vezes necessário, útil, e que nos pode dar mais alguns peixes ao fim do dia.



Vítor Ganchinho



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