Os benzopirenos dos nossos grelhados de peixe

Quase todos aqueles que pescam têm por hábito trazer para casa alguns dos peixes para alimentação da família. Não vem mal ao mundo por isso.
O peixe fresco faz parte de uma alimentação saudável, e quem melhor que os pescadores de linha e anzol para garantir que o seu peixe, aquele que pescaram nesse próprio dia, com as suas mãos, é mesmo fresco?!

É de supor, por fazer parte dos nossos hábitos alimentares, que algum desse peixe irá ser grelhado. E em Portugal, por exclusão de partes, os grelhados são feitos na brasa, no carvão.
Neste blog, vai-se muito para além dos baldes de peixe morto, das fotos deprimentes que exibem peixe alinhado no chão, ou num lava-loiças. Mais não são do que registos de um ou outro dia de pesca mais afortunado.
Queremos ser mais que isso, queremos estar do lado da cultura, da ciência, da parte técnica da pesca, da informação consequente, dos dados biológicos rigorosos.
Ainda que por vezes não seja evidente a ligação entre um determinado detalhe e a pesca que alegremente fazemos, a verdade é que no fim tudo faz sentido. Tudo o que gira à volta do peixe é pesca, nem que se trate de cozinhar o peixe que pescamos.
O tema de hoje é precisamente esse: os grelhados de peixe no carvão.

Resulta-nos tremendamente difícil acreditar que podemos comer sardinhas cozidas, ou feitas no forno. Não é peixe para isso, não nasceu para isso, e muito mais importante, nós portugueses não nascemos para aceitar isso.
Para nós, a sardinha é fresca, é assada na brasa, a pingar no pão, e ponto final. Mesmo a possibilidade de a vermos “queimar a pele” na chapa já encerra em si uma série de pontos de interrogação.
O problema é que há coisas que nós não sabemos e devíamos saber.

Os nossos peixes têm gordura. E essa gordura reage com os benzopirenos do lume.
Vamos ver hoje aqui no blog, em detalhe, o que é essa coisa dos benzopirenos, e de que forma nos afectam.




Benzopireno é um hidrocarboneto proveniente da combustão incompleta de matéria orgânica. Este composto é mutagénico e altamente cancerígeno.
Faz parte de um grupo denominado de HPAs (hidrocarbonetos policíclicos aromáticos), que possuem dois ou mais anéis aromáticos condensados.
No caso do Benzopireno, são cinco anéis condensados, como mostra a estrutura abaixo:




Pode ser encontrado nos gases de exaustão de veículos automotores, na fumaça do cigarro, de algumas drogas inaláveis e no carvão de madeira.
É ingerido através de alimentos grelhados na brasa, carnes os peixes, cozinhados a seco.
O benzopireno e outros hidrocarbonetos polinucleares, HPAs, estão também presentes em carnes fortemente grelhadas sobre carvão e em peixe fumado, assim como na atmosfera que cobre as grandes cidades, onde eles são poluentes do ar.


Fórmula: C20H12

Massa molar: 252,31 g/mol

Ponto de ebulição: 495 °C

Ponto de fusão: 179 °C

Classificação: Hidrocarbonetos aromáticos policíclicos


Assim como a grande maioria dos HPAs, o benzopireno é comprovadamente agente carcinogénico e mutagénico, o que significa que é capaz de reagir com nosso DNA e interferir na nossa reprodução celular.
Essa substância é lipofílica, ou seja, é solúvel em gorduras, factor que facilita a sua absorção pela pele, por ingestão ou por inalação e é rapidamente distribuído pelo organismo.
O benzopireno é libertado na combustão do carvão e do tabaco, sendo também encontrado no alcatrão do fumo do cigarro. Por isso, ele tem sido relacionado com o desenvolvimento dos cancros da laringe, boca, pulmão, bexiga e pâncreas em fumadores.
Infelizmente, porém, mesmo quem não é fumador não está livre do risco de absorver esta substância. Isso acontece porque ele e outros hidrocarbonetos aromáticos são formados em combustões incompletas e estão presentes na água, solo e atmosfera.
Para citar um exemplo, carnes grelhadas e peixes fumados possuem esses HPAs, que são provenientes tanto da queima do carvão como da queima da própria carne, ou peixe, que são basicamente proteína e gorduras.
Neste sentido, os fritos são também perigosos pois a queima do óleo produz de igual forma estes compostos. Para se ter uma ideia do quanto o benzopireno é um potente agente cancerígeno, o simples contacto deste com uma região sem pelos na pele de ratos de laboratório pode provocar-lhes o cancro.




Benzopireno é um hidrocarboneto aromático policíclico e o resultado da combustão incompleta de matéria orgânica a temperaturas entre 300 ° C e 600 ° C. O composto onipresente pode ser encontrado no carvão, no alcatrão do tabaco, e em muitos alimentos, especialmente peixes e carnes grelhadas. A substância com a fórmula C 20 H 12 é um dos benzopirenos, formados por um anel de benzeno fundido com pireno. Os seus metabolitos de epóxido de diol (mais conhecido como BPDE) reagem e ligam-se ao DNA, resultando em mutações das nossas células e eventualmente cancro. Está listado como um cancerígeno do Grupo 1 pelo IARC. O IARC (Agência Internacional de Pesquisa sobre Cancro) afirmou taxativamente que o benzopireno é cancerígeno para os seres humanos (Grupo I).
A exposição ao benzopireno é causada por inalação, contato com a pele ou ingestão. Podem provocar irritação nos olhos, falhas respiratórias e afectação do sistema nervoso. A longo prazo, os HPAs podem causar efeitos tóxicos sobre os nossos sistemas hematológico e imunológico, sendo que o benzopireno é o mais tóxico de todos eles. Nos seres humanos, a exposição ao benzopireno no trabalho foi associada ao cancro do pulmão, bexiga, esófago, lábio, boca, faringe, melanoma e sistema linfático. O a-benzopireno é produzido por condensação de cinco anéis de benzeno durante processos de combustão a temperaturas de 300 a 600 ° C ( incêndios florestais, carvão, óleo , diesel , gasolina , gorduras ), especialmente quando estes são parciais ou incompletos ( pirólise).


Também nas carnes são encontrados estes compostos.


Com a entrada do Verão, cresce em nós a tentação de aproveitar o bom tempo e fazer uns grelhados no exterior. Para quem pesca, é o momento de reunir os amigos, e servir o resultado das nossas pescarias. Falamos de grelhados, no carvão.
Trata-se de uma forma muito simples de cozinhas, que não exige conhecimentos acrescidos de cozinha, e que normalmente sai bem. Mas temos um convidado invisível, que preferíamos não ter: o benzopireno.
Está comprovado que o consumo de alimentos é a principal via de entrada no organismo de benzopirenos, em não fumadores. E como entram na nossa dieta alimentar? Vamos explicar:

1- Meio ambiente: em lugares com muita actividade industrial. A combustão de óleos, resíduos, madeira, carvão, petróleo (combustíveis dos carros), liberta HPAs para a atmosfera. Daí, passam por depósito em terra e no mar, aos alimentos que consumimos. Inclusive nos cereais do nosso pequeno almoço…

2- Processamento na indústria alimentar: neste caso, os HPAs formam-se ao secarmos alimentos, como cereais e seus derivados, ao produzirmos azeites de forma industrial, e também ao fumarmos os nossos chouriços, etc.

3- Preparação culinária: neste caso, e já bastante longe das questões relacionadas com a indústria alimentar, o problema surge…em nossa casa. Aparecem ao fazermos torradas de pão, grelhados na brasa de alimentos gordos, tais como os nossos peixes.


Como reduzir a exposição aos benzopirenos:

Uma vez ingeridos, os PAH sofrem uma transformação metabólica no organismo e são eliminados sob a forma de metabolitos. Mas deixam sequelas que podem degenerar em cancro. Uma vez que estes compostos estejam presentes nos alimentos, não há tratamento que possa eliminá-los.
Podemos, isso sim, fazer alguma prevenção. Desde logo a nível industrial, reduzindo as emissões que poluem o ar que respiramos. Fazer pressão nesse sentido é algo que nos dará saúde a longo prazo. Cada vez mais sabemos de casos de cancros que afectam os nossos amigos e que um dia afectam o amigo dos nossos amigos, nós.
Mas também a nível doméstico podemos fazer muito pela nossa saúde. Desde logo ao cozinharmos. Convém deixar aqui algumas sugestões de como podemos fazer um pouco mais, se soubermos actuar:

1- A formação de compostos de benzopirenos é directamente proporcional à temperatura e ao tempo de cozinhado. Acima de 300ºC dá-se início ao processo de produção de HPAs.

2- Uma fonte de energia eléctrica produz menos compostos que o vulgar carvão vegetal.

3- Devemos sempre zelar para que não aconteça o contacto da chama com o peixe a grelhar. A queda de gordura sobre a chama ou brasas propicia a formação de HPAs.

4- A temperaturas de combustão entre os 300ºC e os 400ºC encontra-se o limite crítico inferior a partir do qual se inicia a formação dos benzopirenos. O nosso lume pode chegar a atingir valores na ordem dos 500 a 1200ºC.

5- Devemos considerar que quanto maior seja o conteúdo de gordura e proteína do alimento cozinhado, maior a quantidade de HPAs gerados. No caso de serem alimentos ricos em hidratos de carbono, (as nossas torradas….!) aquilo que se irá gerar é uma substância chamada de acrilamida, outro tóxico.

6- Caso tenhamos o hábito de colocar óleo no peixe, para evitar pegar à grelha, isso também aumenta o conteúdo de HPAs, dado que se tratam de uma gordura mineral.

7- Quando grelhamos numa prancha/chapa eléctrica, não estamos isentos de riscos. Todo o tipo de parafinas e derivados de petróleo utilizados para limpar e lubrificar essa prancha, são promotores de toxinas.

A restauração tem por vezes visitas da ASAE, que faz algum controlo das emissões de HPAs. Segundo eles, de um modo geral, a exposição alimentar não ocorre somente a um agente tóxico, sendo a situação mais provável a exposição a uma mistura de HPAs. A avaliação da segurança dos alimentos contaminados baseia-se pois na avaliação dos riscos de exposição humana a misturas destes compostos. No entanto, a estimativa dos riscos para o homem, por exposição a doses baixas, calculada a partir da extrapolação dos resultados obtidos em animais utilizando modelos matemáticos é problemática. Por isso, para as substâncias genotóxicas e carcinogénicas para as quais não há limites de dosagem que assegurem uma exposição de não efeito genotóxico, a melhor recomendação baseia-se no conceito de ALARA (as low as reasonably achievable), isto é reduzir a exposição a um valor mínimo possível. E isso nós conseguimos fazer.

Não há que desesperar. Os elementos de risco estão presentes em quase tudo o que fazemos, que comemos ou respiramos, e não será por isso que não iremos continuar a fazer a nossa vida. E vamos continuar a grelhar os nossos peixes.

Mas, com base nas informações dadas acima, talvez possamos prestar um pouco mais de atenção à altura da grelha, ao tempo que temos o peixe sobre as brasas, evitar assaduras prolongadas (não precisamos nem de o comer cru nem de o esturricar...), bem como a frequência com que fazemos grelhados em casa. No fundo, limitar os factores de risco.
Um forno eléctrico também tem os seus inconvenientes, embora menos. E é aí que as nossas parceiras fazem os bons robalos, aqueles grandalhões que nós pescamos com tanta…regularidade…aos molhos, …não é isso?...



Vítor Ganchinho



4 Comentários

  1. As brasas já estão quase no ponto!
    Agora só faltam os robalos…

    Atentamente António Marques

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    1. Grande António Marques !! Os peixinhos andam a nadar lá fora no mar, e estão à espera de amostras, boas e suculentas. Força aí nessa pesca.
      Boas ferias!


      Abraço
      Vitor

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  2. Boa noite! Excelente artigo! Preocupante essa questao dos benzopirenos E nestas férias tenho feito muitos grelhados no carvão...! Em casa uso menos o carvão e uso mais um grelhador electrico - flama 412fl- cuja principal característica é ter resistencia superior à grelha e agua num tabuleiro por baixo da grelha. Na altura que o adquiri foi uma tentativa de evitar o "fumo cancerigeno" da gordura a ser queimada no carvão... os tais benzopirenos que desconhecia o nome. Tem outra vantagem os alimentos nunca queimam... ficam dourados... tb porque estamos sempre a ver o lado que esta a ser cozinhado(não está virado para baixo)! Pena a Flama por uma questao de segurança no uso ter suspendido a produção daquele modelo até produzirem o novo. Cumprimentos, MR

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    Respostas
    1. Bom dia! A questão prende-se muito mais com uma repetição exaustiva e sistemática dos grelhados no carvão, do que com uma situação esporádica. Mas pareceu-me ser interessante chamar a atenção para este facto.
      O blog tem uma nítida acção formativa, e assim sendo, tudo aquilo que gira em torno da pesca cabe aqui, tem lugar, e atendendo ao número de visualizações , ( cerca de 86.000), está a cumprir a sua função.

      Há muito mais detalhes, muito mais curiosidades, vamos ver o que sai nos próximos dias.


      Abraço!
      Vitor

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