Colocam-me esta questão com alguma regularidade. A opção certa são dois assistes duplos, um à cabeça e outro à cauda, um assiste duplo à cabeça, um assiste duplo à cauda, um assiste simples à cabeça e um duplo à cauda, ou o inverso? As opções são inúmeras, e dependem de tantas variantes que o assunto pode ser complexo.
E por isso mesmo parece-me bem que este seja hoje o tema dos nossos 5 minutos de leitura sobre pesca. Vamos então falar de jigs e respectivos anzóis.
Recordo-me de ter levado ao mar um amigo que fez jigging pela primeira vez.
Perguntou-me se poderíamos ir só os dois, à conta de um argumento que nunca mais esquecerei: “Vitor, eu pesco tão mal que até tenho vergonha que as outras pessoas me vejam a fazer isto. É que eu nunca pesquei com jigs…”
A pessoa é de facto pouco prendada de mãos e de início teve de facto muita dificuldade em conseguir dominar a técnica. Acontece que isso é o mais normal, o standard, e nada tem de estranho, até porque antes de alguém saber fazer, …não sabia fazer.
Mas esse amigo insistiu tanto que acabei por ceder e levei-o apenas a ele.
Chegados ao local de pesca, fiz duas passagens para ver qual a melhor zona, preparei os equipamentos e coloquei o meu companheiro a pescar.
Como habitualmente, eu estava atento, a corrigir, a dar alguns conselhos práticos, a explicar a razão de ser assim e não ser assado. E mais que tudo, eu estava a pescar ao lado, a mostrar como se fazia. E a puxar peixes, por sinal bons: pargos e robalos.
Lembro-me perfeitamente de ter sugerido que a pessoa devia pescar de pé, e não sentada. Também me recordo de avisar que não é de bom tom tentar ferrar os peixes com a manivela do carreto. Isso é feito com o outro braço, com firmeza, e que o trabalho de recolha é uma fase seguinte.
Primeiro ferramos, e depois preocupamo-nos então com a subida do peixe. A seguir, que devia estar atento à descida da linha, porque os peixes apresentavam-se altos na sonda, o que indica peixe alvorado, bem acima do fundo.
Havia bolas de peixe forragem a meia água, e havia os característicos pontos escuros na sonda, um laranja carregado, indicador de peixe com densidade acrescida. Apareciam ao lado, ou em baixo, sinal de que os predadores estavam a apertar com qualquer coisa que se defendia subindo na coluna de água, formando um cardume compacto.
Os sinais estavam todos lá, mas essa pessoa apenas via “pontinhos na sonda”. Dizia-me “sim , mas o que vejo aqui é que tens impurezas no ecrã ”…
Às paragens do jig a meia água respondia encolhendo os ombros e dizendo-me “Vitor, isto não desce”...
Expliquei que se o jig, um chumbo, foi apenas até meia água, não chegou ainda ao fundo e não desce mais é porque algo o impede de descer. E esse algo não é a água…
Estava eu a comentar isto e a ferrar peixes de seguida, aproveitando aquilo que se estava a passar metros abaixo, ou seja, a uma carnificina perpetrada por pargos de bom tamanho e robalos a avizinhar os 3 kgs, sobre peixinhos pequenos. O momento era aquele, e não iria durar muito.
A dois metros de distância, entregue ao infortúnio, sem um peixe, o meu colega dizia-me: “não tenho sorte nisto da pesca”...
Deixei de pescar, arrumei a cana e passei a dedicar-me a ele, em exclusivo. A ordem era: _Ferras forte, quando eu te disser. Nada de hesitações!
E a partir daí as coisas começaram a acontecer. Eu pregava-lhe um berro aos ouvidos, “ferra!”, e ele, sem entender a razão, bloqueava a linha, dava um esticão e tinha lá um peixe.
Sucederam-se alguns pargos grandes e finalmente apareceu-lhe um sorriso rasgado na face. Estava feliz.
A dada altura, com a mudança da maré, a corrente afracou, o peixe desmoreceu e tudo voltou à calma. Quando acaba, podemos insistir horas e horas que já não conseguimos nada. Ali, naquele sítio, naquela maré, tinha acabado.
No final da pesca, quando vínhamos de retorno ao porto de abrigo, esse amigo disse-me algo que nunca esquecerei: “a verdade é que conseguiste estes peixes, mas estavas a pescar com uma pecinha dessas coloridas que tinha dois anzóis em cima e um molhinho de três anzóis em baixo. E eu estava a pescar com uma peça igual, mas com dois anzóis em cima e dois em baixo. Eu tinha menos um anzol, cinco contra quatro”…
Nem tentei argumentar. Entender a diferença implica saber muito mais e não havia tempo útil para debater o assunto. Até porque estávamos a chegar, faltariam uns 5 minutos para dar entrada na doca. Mas ficou a promessa de um dia voltar ao assunto, no blog. Esse dia é hoje.
Pargo capturado utilizando um jig Shimano de 30 gr, com um assiste duplo à cabeça e um triplo na cauda. |
A questão da quantidade de anzóis é um falso problema. A não ser, estaria fácil de deduzir que todos nós iriamos pescar com jigs cravejados de anzóis, e não é isso que fazemos.
Recordo que a lei, através do (cf. artigo 2.º e artigo 3.º da Portaria n.º 14/2014, de 23 de janeiro) determina, relativamente a artes de pesca, que uma linha de mão, (a nossa cana) é constituída por uma linha, na qual podem ser colocados até nove anzóis.
Podemos pescar com três canas e nesse caso, cada cana pode ter 3 anzóis. Ou uma cana, e essa cana pode ter até 9 anzóis. Um anzol triplo são 3 anzóis. Podemos pescar com amostras com 3 triplos, e isso acontece nas amostras de superfície para os robalos, por exemplo, ou seja 9 anzóis.
Mas não é necessário nem é vantajoso pescar com um jig com semelhante carga. Vejamos o porquê:
Cada tipo de equipamento terá sempre para o praticante algumas vantagens e seguramente algumas desvantagens. Já aqui vos disse que, por razões mecânicas, um anzol simples espeta mais facilmente que um conjunto de anzóis.
São leis da física, que podemos tentar entender: o impacto de um peixe aplicado sobre a ponta afiada de um só anzol é superior ao impacto desse mesmo peixe, à mesma velocidade, massa crítica e energia cinética, sobre um conjunto de anzóis. A razão é simples, na segunda opção o peso da pancada do peixe é dividido sobre N número de pontas. Não nos é vantajoso dividir a potência de uma picada, nem nos é mais fácil cravar, por acção voluntária, nossa, muitos anzóis em vez de apenas um. Numa ferragem deliberada, continua a ser mais fácil cravar um só anzol.
Como habitualmente, queremos logo de seguida ter o melhor de dois mundos, ou seja, queremos a segurança que oferecem mais anzóis. E aí, verdade seja dita, ter assistes duplos dão-nos efectivamente um conforto extra. É muito corrente que o peixe comece por ficar preso por um dos anzóis, a seguir nós reagimos e tentamos fazer com que essa peça penetre mais, ou seja, “ferramos”, e a seguir acontece o resto, o peixe debate-se e acontece-lhe o mesmo que nos aconteceria a nós caso tentássemos libertar-nos de um anzol cravado na nossa pele: sacudimos em todas as direcções e acabamos por nos cravar nos outros todos.
Acontece isso ao peixe, que passa de uma situação dominadora, de predador, e passa a presa, num espaço de tempo muito curto. A figura 1 desta equação pouco terá a ver com a figura 4 ou 5, que é o momento em que o peixe nos aparece à superfície, já cansado, desgastado, depois de uma luta em que deu tudo para se libertar. O aspecto final, aquilo que vemos quando lhe colocamos a mão, pode não ter muito a ver com o primeiro impacto, aquele que é dado pelo peixe num momento em que ainda era o dono e senhor da situação, o momento em que iria, hipoteticamente, comer mais um dos muitos peixes que já teria comido até essa data. A diferença é que desta vez é um jig. O erro de julgamento, aquilo que engana o nosso peixe, é a nossa capacidade de decidir bem, de procurar imitar tão bem quanto possível, de executar tecnicamente bem, de produzir um movimento com uma peça metálica de forma a que pareça na perfeição mais uma das suas habituais vítimas.
Aqui bem visível na foto o triplo. Por sinal o que prendeu o peixe foi um dos anzóis do assiste em cima, à cabeça. Eu altero aquilo que vem de fábrica. |
E a quantidade de anzóis, conta?
Em termos de picadas, de haver diferença de atitude por parte do peixe, de haver algum constrangimento e redução dos ataques por termos um ou dois anzóis a mais, não me parece, de todo.
No momento da decisão, aquilo que me parece contar mais é a animação do jig, as vibrações emitidas, a velocidade de queda ou recuperação, o balanço desse jig à frente do peixe, do que propriamente se tem um assiste duplo ou simples. A cor do jig, a meu ver, tem importância na fase de detecção e tomada de decisão de ataque. É o contraste que conta, quando a peça está abaixo do nível do peixe, uma cor mais clara que o fundo ajuda a definir os contornos, o tamanho, e quando acima do nível a que o peixe se encontra, o oposto, ou seja, cores escuras contrastam melhor com a claridade que chega da superfície. Não é por acaso que os peixes, na sua esmagadora maioria, têm o dorso escuro e o ventre branco. Quem mergulha e vai ver os peixes no seu habitat natural sabe de que forma os vê. Num fundo escuro, com pedras verde acastanhadas, um peixe de lombo escuro é virtualmente invisível. Se por qualquer motivo gira sobre o seu eixo, é muito fácil ser visto de cima, porque marca um contraste entre o fundo escuro e o claro, branco, do seu ventre. Os nossos olhos seguem esse flash brilhante. O peixe passa a existir. Os nossos jigs brilham, por acção nossa, por acção da ponta da nossa cana. Quando os fazemos “saltar”, estamos a permitir a sua detecção, e isso estimula o que se segue: um ataque rápido a uma presa que cometeu um erro.
Importa aqui definir alguns dos factores que contam: vibração, (captada pela linha lateral, bastante sensível por estar ligada ao cérebro do animal), tamanho, (o peixe está activo, a caçar e procura um determinado tipo de presa), cor, (o contraste é necessário pois de outra forma seria difícil para o peixe poder determinar com exactidão onde deve concentrar a sua atenção), forma, (haverá certamente mais apetência por uma forma conhecida, por exemplo comprida e fina, que por uma bola, um objecto redondo, ou um quadrado, que não sugere um peixe, nem uma presa habitual). Quando conseguimos imitar na perfeição as presas habitaus dos nossos peixes, estamos mais próximos de conseguir enganá-los. Os progressos feitos nos últimos anos são incríveis, cada vez os nossos jigs têm mais realismo, são mais próximos de um pequeno peixe. E não tenho dúvidas de que seguimos numa pista que nos conduzirá a peixes IGUAIS às presas que estão disponíveis no habitat natural dos nossos predadores.
Voltando à questão do número de anzóis: a acção do jig também não é inóqua em relação ao número de anzóis que essa peça comporta. Podemos até estragar essa acção, que foi determinada pelo fabricante em laboratório, ensaiada, testada em tanque de provas, para um determinado peso de anzóis.
A maior parte das pessoas, por inépcia, estraga mais do que melhora quando decide mudar algo nos seus jigs.
Faço aqui um aparte, para dizer que estou muito satisfeito com os assistes Daiwa e Shout que utilizo. São irrepreensíveis, tanto do ponto de vista de afiamento, de resistência, de tamanho, forma, etc.
Na GO Fishing Portugal existem assistes que dão para todos os gostos: desde as peças para aqueles que fazem de uma picada uma oportunidade para fazer um reboque de um peixe do fundo até à superfície, e precisam por isso de uma anzol grosso, forte, até aos que, o meu caso, precisam sobretudo que os anzóis cumpram a sua missão principal, a de conseguirem garantir que de um toque, por mais leve, se consegue fazer uma cravagem. A seguir, temos tempo e condições para trabalhar o peixe, sem pressas, sem dramas, a dar linha quando é necessário dar linha. O que queremos é que o peixe, se atacar o jig, fique espetado. Ter toques, sentir a pancada e o peixe não ficar cravado, é algo que resulta muito pouco. Esse peixe, em princípio, já não volta. Se temos uma única oportunidade, que seja aproveitada.
O compromisso que pedimos aos fabricantes, é, como de costume, muito difícil de conseguir: queremos anzóis super afiados, que espetem muito facilmente, e também que sejam muito fortes, para aguentar peixes grandes. Na verdade, se trabalharmos por um rácio de picadas/ peso de peixe capturado, todos nós estamos a pescar sobre equipados.
O nosso material aguenta demais. Tem demasiado peso, demasiado diâmetro. Por isso, perdemos alguns peixes que conseguiríamos caso o material fosse mais ligeiro.
Não esqueçam que o peixe tem diversas formas de atacar as nossas amostras: pode morder, utilizando os caninos, ou pode aspirar, tentando engolir. Aquilo que queremos é que engula de forma profunda. Quando aspira, junto com uma grande quantidade de água, queremos que os anzóis sejam aspirados também. Para isso, dá-nos jeito que sejam leves, para que possam ir para dentro da boca nesse acto de aspiração. Mas só o iremos conseguir se o peso dos nossos assistes não for demasiado, ou seja, que sejam demasiado grossos, ou se a liga de que são constituídos os nossos anzóis não for demasiado densa, pesada. Mas a seguir, e logo por azar, queremos que o material seja super resistente à tracção que o peixe cravado irá fazer. Faço-me entender?!
Queremos tudo. E por isso mesmo, os engenheiros e artesãos que trabalham para nós dão voltas à cabeça para encontrarem o melhor compromisso, para nos servirem da melhor forma. Os melhores produtos vendem mais.
Esmiuçando um pouco mais este tema, temos que, na minha opinião, quando optamos por anzóis mais finos, mais leves, a solução imediata deveria ser a de apostarmos num conjunto superior de anzóis. No nosso jig, se tivermos um anzol simples, mas fino/fraco, estamos “despidos”. Os peixes vão picar, vamos ferrá-los, mas os que forem bons a sério vão abrir o partir de imediato o anzol e vão embora. Melhora se podermos dividir o esforço de tracção por dois. Caso tenhamos um anzol apenas, a opção lógica será a de apostarmos num anzol mais forte. E inclusive de tamanho um pouco superior.
Mas o oposto também será válido, ou seja, se pudermos pescar com um assiste duplo, então é possível privilegiar a capacidade de cravagem. E aí recorremos a anzóis mais finos/leves, com maior capacidade de penetração. Passamos a ter no jig uma superior capacidade de aproveitamento de toques.
Há que analisar ainda um outro factor: o local onde pescamos tem habitualmente peixe grande? Tem muito peixe, mas miúdo? A resposta apenas pode ser dada por quem habitualmente pesca na zona. E parece-me avisado trabalhar em função da percentagem de probabilidades. Faz sentido ter equipamento pesado, que aguenta um peixe de 60 kgs, numa zona onde ano após ano o máximo que se consegue são peixes de 2 kgs?...
Podemos ter anzóis tamanho 10/0, e esses não abrem de certeza, porque são peças feitas para combater marlins. Mas nós estamos numa zona de peixe miúdo, que quando chega aos 10 kgs já é uma festa enorme…
Assim sendo, parece-me inteligente baixar à terra, preparar os nossos assistes para aquilo quem temos por cá. Ter muita atenção aos pequenos detalhes: montar os assistes com os anzóis de pontas viradas para dentro. Quando o peixe ataca, irá cravar-se nos dois anzóis, e não apenas num. Quando ao contrário, é muito natural que crave num dos anzóis e o outro seja projectado para fora da boca. Mas experimentem, porque estas coisas são também uma questão de tentativa e erro, de solução que funciona melhor contra solução que funciona pior. Cada um de nós saberá analisar o que mais lhe convém.
Quanto mais horas de pesca fizermos mais próximos estaremos de encontrar a verdade. A nossa verdade.
Em resposta a esse meu amigo que me “acusou” de ter obtido melhores resultados por ter 5 pontas de anzóis contra 4, um assiste duplo e uma fateixa, contra dois assistes duplos, devo dizer-lhe hoje que estava errado. Eu teria conseguido, com o jig dele, de resto em tudo igual ao meu, exactamente o mesmo resultado, os mesmos pargos e robalos.
O critério que defini para a utilização de triplos na cauda é apenas um, e muito mais simples que aquilo que ele pode pensar: eu adoro grelhar lulas. E quando elas andam por ali, mudo de um assiste duplo na cauda do jig para um triplo, e faço muitas mais...
Explicar isto a uma pessoa que faz a sua primeira saída de pesca com jigs, com o barco a chegar à barra do Sado e a bordo de um barco rápido como é o meu Sprint….é missão dura.
Ainda se o meu barco fosse o ...Caracol...
Vítor Ganchinho