O PEIXE QUE COMEMOS É BOM?

Não valorizamos suficientemente aquilo que de bom existe em Portugal.
Na verdade, quando dispomos de peixe de alta qualidade e selvagem como aquele que temos na nossa costa Atlântica, à distância de um lançamento de amostra, parece-nos normal, comum, e que há-de ser assim em todo o lado. Não é.
Tenho, por razões profissionais, por saídas em expedições de pesca, ou razões familiares, corrido muitos países por esse mundo fora. E sempre que posso espreito o tipo de peixes, a sua qualidade, e sempre com o espirito crítico de quem, por rotina, vai ao mar vários dias por semana. Digo-vos que, em matéria de peixe, vejo coisas de deixar os cabelos em pé a um santo.
Se a habitual falta de condições e higiene africana leva a situações dramáticas, não pensem que na Europa dita evoluída, de primeira linha, não haverá também algo de negativo a registar. Mas aí, em termos de condições sanitárias, de apresentação do pescado, etc, tudo é perfeito. Tudo, excepto o peixe.


Por detrás de uma apresentação cuidada, esconde-se quase sempre uma insuficiência de qualidade confrangedora. O peixe em si é... desastroso.


Quanto mais nos afastamos do sul da Europa, mais as “vistas” são preocupantes, mais o peixe é de origem nada “duvidosa”. É pouco duvidoso por ser garantido que provém de pisciculturas, criado e alimentado em grandes tanques de aquacultura, com tudo o que isso tem de inevitável mas também de menos bom e saudável.
Em Portugal, temos o hábito de comer peixe trazido a terra pelos nossos marítimos, selvagem, criado à solta no mar, e que chega à mesa dos restaurantes ou a casa das pessoas em razoável estado para ser consumido.
Digamos que estaremos, em termos de condições, entre dois mundos: o africano, com muito peixe de qualidade, mas paupérrimas condições de conservação, e os países do norte da Europa, onde as condições de armazenamento e comercialização são excelentes, mas em que o peixe deixa tudo a desejar.
Para quem pesca, o contraste é tremendo, mas nós que pescamos à linha temos pelo menos isso de bom, a nosso favor: comemos peixe fresco.
Incrivelmente caro, mas fresco. Aquilo que gastamos para cozinhar um peixe em casa dá para comprar muitos peixes num supermercado. Mas é um custo assumido, queremos mesmo disfrutar de peixe nosso, peixe que sabemos de onde vem, qual o circuito que fez para chegar à mesa da nossa família.




A maioria das pessoas não tem essa possibilidade. Compram peixe que não é o nosso, não tem a história de pesca do nosso, a marca dos nossos anzóis, dos nossos jigs, das nossas amostras, não tem o registo do lance, da emoção da captura. O que as pessoas compram é um “producto” vendido ao quilo.
Os nossos peixes são oferecidos às nossas namoradas, às nossas esposas, com um laço cor-de-rosa, a transbordar de orgulho.
O peixe que entregamos em casa é o resultado de muito esforço, de muitas arrelias, de muita luta, e nem sempre as espécies são as mais nobres, mas é o nosso.
Os pescadores profissionais olham para os peixes que capturam nas redes com a indiferença de quem vai ter de o fazer, se possível melhor, no dia seguinte. E uma e outra vez.
Todavia, esta é a forma de providenciar peixe para toda uma população, e quando se massifica, as soluções passam a ter forçosamente de ser muito mais industriais. Ainda assim, o peixe da nossa costa é um valor seguro, e se explorado de forma consciente, permitirá capturas diárias suficientes para abastecer os nossos mercados e demais pontos de venda por muitos anos.




Mas nem todos os países têm costa, ou sequer uma frota pesqueira habilitada a fazer este trabalho diário. Ou porque as condições atmosféricas não o permitem, ou porque a população é demasiado numerosa, a verdade é que o consumo de peixe implica a sua produção industrial. Falamos pois de aquacultura.
E aí chegados, temos as soluções mais incríveis, com processos mais ou menos conhecidos, mais ou menos auditados, e seguramente que nem todos a merecer a aprovação geral dos consumidores. O caso dos antibióticos dos salmões foi à época muito falado. Estou certo de que não é possível criar peixe de forma intensiva sem o tratar. Na natureza não existem concentrações de peixe ao nível daquilo que podemos ver num tanque em que os bichos são alimentados de forma artificial. As doenças propagam-se muito rapidamente entre os ocupantes de um tanque, e para obviar a isso pouco se pode fazer que não seja a introdução de medicamentos. E sabemos que isso e saúde pública não são exactamente a mesma coisa.
Mas uma exploração de aquacultura é uma unidade comercial que pressupõe vendas e lucro. Daí até ao recurso a tudo o que possa garantir que o “producto” é vendido, é um passo.




Aqui acima, “robalos” são apresentados como o expoente máximo da qualidade. Mas apenas o entorno vale, porque o peixe em si é penoso, não passa de um mero “produto” fabricado, com controle total sobre a sua curta vida. Neste caso, o preço é absurdamente baixo para aquilo que já vi por lá, noutras ocasiões.
Não deixa de ser estranho mencionar o nome científico, “Dicentrarchus labrax”, a seguir dizer que foi capturado no Atlântico, e por fim referir que foi produzido numa “quinta” de criação na Turquia. Ora bolas.


Aspecto geral da peixaria de um local muito conhecido em Londres, o Harrods. Este local teve uma facturação anual, antes da pandemia, em 2018/ 2019, no valor de 1.023.8 milhões de libras. Algo como 1.216.783 milhões de euros, se quiserem por extenso... Mil milhões, duzentos e dezasseis mil, setecentos e oitenta e três euros. Trabalham aqui qualquer coisa como 4.000 pessoas...


Aqui é possível comprar roupa Louis Vuitton, Prada, etc. E robalos...


Neste local, onde se vendem os mais caros perfumes do mundo, e todas as outras coisas que pessoas com muito dinheiro podem comprar, também se vende peixe.
Não preciso de vos dizer que as condições hígio-sanitárias são de topo. Mas quando olhamos para os peixes, encontramos neles o denominador comum a todos os mercados de peixe nórdicos: a falta de frescura e qualidade do peixe.
Porque todos estes pontos de venda recorrem ao indispensável expediente da comercialização: uma cadeia de abastecimento profissional.
Eles chamam “peixe fresco” a coisas que para nós portugueses são pouco menos que intragáveis. Mas ainda assim, é aquilo que lhes é possível apresentar. O peixe é conservado em frio, e colocado à venda no mais curto de espaço de tempo que a máquina montada permite: cerca de 3 a 4 dias.
As senhoras que mandam as suas governantas comprar peixe ao Harrods não nasceram noutra realidade que não a de adquirir alimentos em grandes superfícies, ou, neste caso, numa unidade comercial que é conhecida por vender roupas, perfumes, sapatos e…peixe.
O quanto as peixeiras de Setúbal estão longe desta realidade. A título de curiosodade, digo-vos que este espaço é visitado por sheiks árabes, por magnatas do petróleo, por gente da alta finança, etc.
Uma das esposas de um destes “artistas”, a senhora Zamira Hajiyeva, casada com um antigo presidente de um banco do Azerbaijão, gastou a módica quantia de 18 milhões de euros aquil, no Harrods, (não deve ter comprado peixe...), em artigos de luxo.
Poderia ter comprado toneladas de postas de corvina, porque logo a seguir adquiriu um campo de golfe por 11 milhões de euros, e um jacto privado Gulfstream G550, por….36 milhões de euros.
Perante isto, a compra de uma boa cana de pesca G-Craft para spinning por 800 euros, ou um carreto Daiwa Saltiga por 1200 euros, são trocos.


Nada como ter a visão de terra portuguesa por baixo. A aproximação ao aeroporto Humberto Delgado deixa-me mais próximo de casa e também dos meus queridos peixinhos. Selvagens, difíceis, como eu gosto deles...


Nós que pescamos para nós próprios, que sabemos o que é peixe, teremos sempre um critério de qualidade superlativo, somos muito mais exigentes que o consumidor habitual.
No meu caso, porque tenho a possibilidade de sair ao mar vários dias por semana, a questão “frescura” é primordial, algo não negociável.
Para mim, o peixe fresco a sério lá para casa é sempre o peixe que irei pescar... no dia seguinte.



Vítor Ganchinho



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