FANTASMAS - OS PRESSUPOSTOS PEIXES GRANDES...

Trago-vos um tema que para quem está habituado e sabe de mar pouco tem de extraordinário, mas que para gente nova nas lides é de importância acrescida.
Quem sai ao mar com frequência, com regularidade semanal, acaba por saber entender os sinais, e sabe perfeitamente o que é uma picada de peixe, ou algo diferente.
Falo-vos de fantasmas, de picadas que parecem ser, mas não são.
Posso garantir-vos que sim, que as pessoas que vão à pesca acreditam em fantasmas. E eles aparecem-lhes de todas as formas e feitios.
O primeiro encontro com eles é o abanar da ponteira da cana. A pessoa vê a ponta da cana dar sinais, os quais, por falta de experiência prévia, são entendidos como actividade de peixe em baixo. E ferra.


Quando o mar mexe, as embarcações abanam e as picadas fantasmas são mais ...regulares...


O caso é grave quando não se consegue diferenciar entre a normal e progressiva curvatura da ponteira, provocada pela subida da embarcação, a tracção que a linha e chumbada exercem sobre a cana, e a puxada irregular de um peixe. Porque isso será o rastilho para uma série de asneiras que se irão seguir. Ao tentar ferrar no vazio, as iscas irão saltar do anzol, piorando a situação para o incauto pescador. Ferrar “fantasmas” não só lhe cansa os braços como o desanima, pensando que afinal nunca será suficientemente lesto para conseguir um peixe. A dada altura, atribui à sua falta de rapidez a inexistência de capturas. E o passo seguinte é o do desespero: ferra mesmo quando não sente qualquer movimento na cana. A situação fica então fora de controle, e o ânimo cai a pique. Sem isca, de anzóis limpos, sem noção do que está a fazer, os resultados são calamitosos.
Caso não tenha um amigo ao lado que o oriente, esta pessoa irá desistir de pescar, convencida de que não é suficientemente boa para a função. E no entanto, tudo pode ser invertido muito rapidamente, recorrendo a uma explicação séria, técnica, e clara sobre aquilo que se está a passar.

Vejamos o que acontece na maioria dos casos:

1- A ondulação vem e passa por baixo do barco. Felizmente que assim é, porque de outra forma teríamos náufragos agarrados a inúteis canas de pesca. Num dia de pesca embarcada, raramente temos uma situação perfeita de mar chão. Isso é tão raro que nem vale a pena contar com essas condições. As calmarias de Verão acontecem, normalmente durante o período da manhã, mas são raras. Tenho para mim que é mais fácil ter um mar liso de Inverno, durantes os meses de Janeiro e Fevereiro, com a entrada das lestadas continentais, que durante o Verão. A zona onde pesco tem ventos térmicos que são persistentes durante a tarde, e por isso faço saídas apenas durante a manhã, com chegadas por volta das 14.00h. Noutros locais será diferente, a cada um a escolha daquilo que resulta melhor na sua zona de pesca. De qualquer forma, os balanços do barco deverão ser assumidos como omnipresentes, em todo o lado, a toda a hora.

2- Esta ondulação, ao passar sob o casco, levanta-o, o que me parece óbvio. O “artista” novato tem a sua chumbada assente no fundo, e das duas uma, ou tem a linha laça, folgada, e não sente nada de nada, (com ou sem picadas), ou tem a linha demasiado esticada. São raros aqueles que conseguem o ponto de equilíbrio logo de imediato. Neste caso, a subida do barco impulsionada pela onda irá forçar a ponteira da cana a flectir para baixo.
É uma óbvia “picada” e por isso, o homem puxa enquanto tiver alma. Não é nada, rebate falso...

3- Vejamos uma situação mais complexa, com efectiva picada. A cana vibra, não há dúvidas de que um peixe tocou, e o “atleta” ferra com genica. Tudo parecia estar bem, desata a enrolar linha com ânimo, mas ao fim de dois metros o carreto solta fio e não consegue recuperar um centímetro que seja. Fica a faltar o ar ao pescador, que acredita que sim, que foi finalmente bafejado pela sorte. Ao entusiasmo da pessoa corresponde uma pouco colaborante recuperação do trançado. Nada.
Nestes casos, o mais normal é que um dos anzóis esteja cravado numa fresta da rocha, e que por isso não deixe subir o peixe que eventualmente até pode lá estar. Não há outra solução que não a de calçar umas luvas, e tentar rebentar a linha.
Com sorte, sobe a baixada, com ou sem o peixe que originou todo o embróglio, e que normalmente é um pequeno peixe, sem culpa nenhuma.

Alguns fundos têm tendência para reter anzóis cujos estralhos dão a volta às pedras, ficam entalados, e quando prendem são difíceis de retirar.


4- A picada de um polvo. Todos sabemos que eles são uns malandros. Aproximam-se da isca, olham-na de lado, fingem-se desinteressados, mas acabam por lançar o tentáculo. O “atleta olímpico” cá em cima no barco, sente a pressão na linha, sente que algo não está bem e ferra.
Infelizmente o polvo está cravado na rocha, e todas as tentativas de o demover, de o obrigar a largar, são inúteis. Um polvo grande tem peso e força suficientes para não largar. Na foz do Sado, e mesmo nas pedras em frente a Sesimbra, podem aparecer polvos até aos 10 kgs de peso.
É muito corrente que o estralho rebente junto ao animal, que não cede.


Polvo emboscado à espera que um dos peixinhos se aproxime. Se entretanto cair um pouco de sardinha, com ou sem anzol...


5- Mas também acontece que a dita “picada” seja mais ou menos igual, o mesmo figurino, e que ao ferrar a pesca fique bloqueada, impossível de subir. Suores frios apoderam-se da pessoa, a qual, e sem qualquer dúvida, conseguiu um “peixe” de muitos quilos. Tudo piora quando o dito cujo “peixe” leva linha. A primeira reacção é a de apertar até ao afogamento da embraiagem do carreto. Apertar até não dar mais! Nada de dar linha! E é aí que os deuses do mar passam a querer ajudar o peixe, o seu protegido peixe.
Recupera-se um pouco de linha, mas mesmo com a embraiagem do carreto muito cerrada, o “peixe” consegue levar um ou dois metros. Recolhe-se a custo essa linha e de novo o peixe puxa desalmadamente mais linha.
E a operação repete-se meia dúzia de vezes, até que uma alma caridosa informa o debutante pescador de que tem a pesca arrochada no fundo.
Eventualmente numa gorgónia. A resistência destas colónias de pequenos pólipos, este parente dos corais é incrível, e não é fácil parti-las. E fazem de mola, são elásticas, o que dá a sensação ao infeliz crente de estar a puxar um polvo.
Por isso não adianta dizer-lhe que não é peixe nenhum. Claro que não acredita! Como assim?! Então o “peixe” não está a lutar com todas as suas forças?! Não estará a ver a linha a ser puxada do carreto?
O colega, cheio de complacência, pega num pau e começa a enrolar linha, ou calça as luvas, para não cortar os dedos, e trata de rebentar a baixada. Desânimo completo!
Aquilo era um peixe, sem dúvida. Fazer uma nova baixada, na esperança que ele volte a picar de novo. E às vezes…pica. E aí, é necessário voltar a refazer a baixada, e a dar um pouco de cabo da âncora, para que o pobre saia da zona de rocha que lhe está a prender sistematicamente os anzóis.
E convém explicar-lhe que a subida do barco com a ondulação corresponde exactamente aos momentos em que o “peixe” puxa linha...


É aqui que prendem os anzóis, quando sentimos o efeito de “elástico” que nos parece um polvo. O pedúnculo largo fixo ao substrato rochoso é difícil de arrancar.


6- O famoso safio que entoca. Na verdade, é perfeitamente possível que um safio dê uma bocada numa isca que cai em frente à sua toca. São impulsivos, brutos, e sendo a sua vida um flagelo de oportunidades perdidas, (o safio não acerta todas as suas tentativas de morder peixes vivos), trata de engolir o mais depressa possível aquele pequeno troço de sardinha. Não demora mais que uma fracção de segundo a fazer reentrar a totalidade do seu corpo no tubo ou fresta que lhe serve de refúgio. Quando o pescador reage, é tarde, e qualquer tentativa de o retirar é infrutífera, e desnecessária.
A solução é para o pescador a única possível: romper a linha, recorrendo novamente a um par de luvas.


Certos fundos oceânicos prendem mais que outros...


Tenho para mim que na maioria dos casos a picada nem existe. A ânsia da pessoa pouco experiente em pescar, leva-a a tentar adivinhar picadas que não existem, antes são as naturais movimentações provocadas pelo balancear do barco, a tensão criada entre a cana e o peso que existe na outra ponta da linha. A dificuldade que alguém novato sente em ferrar um minúsculo peixe que ataca impiedosamente os seus anzóis, com aquela impiedosa boquinha pequena, são imensas.
Depois de vários falhanços, de subidas e descidas de iscas, de tentativas frustradas, a pessoa está no ponto de rebuçado, pronta a acreditar que finalmente conseguiu algo. E se esse “algo” dobrar a cana é difícil que aceda a que nada existe que não uma pedra onde o anzol prendeu. O desastre completa-se com a entrada em cena da libertação de linha. Quando a linha sai disparada na direcção do fundo, o coração bate muito mais forte. E quem consegue explicar que é o barco a subir?....
Tenho um amigo, de nome José Carlos, a quem deixei estar uns 10 minutos a sofrer isto. Ao fim desta eternidade de tempo, com vaga morta de 2,5 metros, ele estava prostrado, com suor na testa, e a arfar. Disse-me:
_”Vitor, é de longe o maior peixe da minha vida. Nem o consigo mexer”!....
Primeiro sugeri-lhe que deixasse de fumar, porque estava muito cansado. A seguir, passei a dizer-lhe quais os momentos em que o peixe iria levar linha e quais os momentos em que ele conseguiria recuperar linha.
Incrédulo com a minha sapiência…olhou para mim e perguntou-me:
_” Mas como é que consegues adivinhar exactamente o momento em que ele vai puxar”? É que bate certo...
A minha resposta, algo evasiva, foi no sentido de lhe explicar como é que as pedras ali da zona costumavam dar luta... puxam no preciso momento em que a vaga chega ao barco e o levanta...



Vítor Ganchinho



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