Sabemos que vivem uma vida a correr, entre perseguições a presas, fugas a predadores, escapadas às armadilhas que lhes colocamos à frente. E atrás, e dos lados.
Os peixes não têm um minuto de descanso, estão em permanente movimento a tentar chegar a algum lado, e ainda assim, podia ser pior. Nós lançamos-lhes linhas com anzóis, colocamos redes no seu caminho, e a tudo isso eles resistem.
Bem pior que tudo o que lhes fazemos serão os problemas invisíveis, aqueles de que os peixes não fogem porque... não os veem.
Falamos de química, de algo que existe, mas não se vê e por isso mesmo não permite fuga. A poluição das águas mata-os. Não enquanto peixes adultos, mais resistentes, mas enquanto são um frágil projecto de peixe.
Também a sua alimentação, quando obtida em locais muito poluídos, tende a contribuir para uma taxa de mortalidade muito significativa.
O Laboratório de Oceanologia da Universidade de Liège, na Bélgica, tem vindo a fazer pesquisas sobre a acumulação de Mercúrio (Hg) em peixes.
Isso é de facto uma preocupação geral, de todos nós, porque afecta a saúde humana. Saber avaliar os processos biológicos que podem influenciar a bioacumulação de mercúrio nos músculos de um predador marinho, é algo de muito importante para todos nós.
É sabido que cada vez mais se consomem peixes criados em cativeiro. As aquaculturas não olham os peixes, por exemplo os robalos, da mesma forma que nós, pescadores lúdicos. Se para nós o robalo vale pela dificuldade em o conseguir enganar, pela sua combatividade, por tudo aquilo que representa em termos de incerteza na sua pesca, de troféu, para as aquaculturas ele é entendido como um número, um producto de stock. E tudo vale para garantir que a venda é feita, que o “producto” chega às prateleiras dos supermercados.
Vale a imagem de sanidade, o brilho, ainda que o conteúdo possa não ser o melhor.
Fazer uma experiência sobre estes peixes produzidos, investigar a dinâmica de Metil Mercúrio, fiscalizar os isótopos de iHG no fígado e músculos do peixe, podia ser interessante. E a experiência foi feita.
Foram propositadamente alimentados robalos com ração contendo altos níveis de Mercúrio. As medições deste metal pesado no fígado, ao fim de três semanas revelaram contaminações importantes, stress tóxico alimentar, como não podia deixar de ser.
Mas aquilo que é curioso é que ao longo do tempo, algumas semanas, foram sendo observadas melhorias, e a dada altura, os índices de intoxicação deixaram de ser alarmantes. Foram mesmo detectados casos de diminuição acentuada, ou ausência, de Hg MDF nos músculos e fígado, mesmo aos que tinham sido expostos a concentrações muito elevadas, na ordem dos 500ng Hg g-1.
Os nossos peixes têm a capacidade de expulsar, dentro de determinados limites, substâncias que lhes são ministradas através da alimentação, ou que estão diluídas na água onde vivem. Desde que as concentrações não sejam demasiado elevadas.
Uma outra experiência relativa a captação de sons foi feita num campo de cravação de estacas para construção de um parque eólico. A distância a que as estacas foram cravadas no solo foi de 45 metros relativamente ao depósito de água onde evoluíam os robalos juvenis.
Mesmo a essa distância, foram claramente notadas reacções de stress nos peixes, o que indica que têm a percepção de som e vibrações a longas distâncias.
Quando eu refiro aos alunos dos meus cursos que não devem fazer ruídos com nada que provoque impactos no fundo do barco, alguns deles olham-me intrigados e perguntam a razão de ser dessa chamada de atenção.
Os peixes ouvem muito melhor que aquilo que pensamos. Desde logo porque se movimentam num meio líquido que conduz os sons de forma muito mais eficaz que o ar.
Podemos praguejar, gritar bem alto, e garantidamente isso não será entendido por um peixe que nada 30 metros abaixo de nós. Mas se deixarmos cair uma cana, uma garrafa, uma amostra, um jig, isso inevitavelmente será detectado por todos aqueles que estão na água, por baixo.
Ruídos não naturais, (e já aqui no blog foi abordado o tema, a diferença entre ruído e som natural), põem os peixes em alerta máximo, inibem a sua predisposição para morder uma isca ou amostra, e isto sobretudo naqueles peixes mais experientes, que por azar dos Távoras, são os que mais nos interessam: os grandes. Quando sujeitos a stress auditivo, a uma fonte acústica de ruído não natural, os robalos preservam alguma sensibilidade a esses sons, e revelam-se nervosos, sem propensão para quaisquer outras actividades que não a de tentarem escapar da zona.
Isso revela algo sobre a possível reacção de peixes adultos, quando sentem que estamos próximos, e emitimos ruídos. A reacção é sempre negativa.
Para que tenham uma ideia da precisão deste estudo, foram considerados factores como as descargas de cortisol no corpo, a taxa de consumo de oxigénio aquando da resposta aos estímulos de emissão de ruídos, etc. Ao longo dos meses de repetição das experiências, foram notadas diminuições em vários parâmetros de análise, nomeadamente em mais baixas concentrações de lactatos. Por outras palavras, os peixes habituam-se, mas o espaço temporal que isso demora não se coaduna com a prática da pesca lúdica, que procura pescar o peixe no momento. Nós não apostamos em pescar um peixe ao fim de dois meses de pesca seguidos, mas sim de alguns minutos. Queremos lançar e pescar, de imediato. Não temos tempo para que eles tenham tempo de se habituar a nós. Por isso, ...cuidado com os sons e o stress auditivo que ele provoca nos predadores.
Os peixes têm sensores que são mesmo muito sofisticados. Já todos ouviram falar dos otólitos, órgãos compostos por carbonato de cálcio, e que existem no interior do ouvido interno de todos os peixes ósseos. Desempenham uma função importante na audição, orientação e equilíbrio, e dão-lhes, bem como a sua linha lateral super sensível, toda a informação de que necessitam. Os peixes sabem onde estamos, e não lhes custa adivinhar ao que vamos, porque passam a vida a sofrer com isso.
Em termos gerais, parece-me que os nossos resultados poderiam ser francamente melhores, desde que observadas algumas condições.
Costumo desafiar quem sai a pescar comigo para que tente entender os níveis de ruído provocados por acções que decorrem de forma involuntária, e sem que nos consigamos aperceber delas.
A maior parte das pessoas não percebe mesmo o que está a fazer de errado! Entendem como normal arrastar uma geleira sobre o fundo do barco. Eu tenho a certeza de que esse som será audível a mais de 100 metros da embarcação.
Mas eu fiz mergulho livre, em apneia, e estive muitos metros abaixo do barco, e por isso sei o que conseguia escutar. A percepção de sons é muito maior quando estamos debaixo de água.
Mesmo com um fato de mergulho vestido que, entre outras coisas, nos cobre as orelhas. Imaginem o que será detectado por um peixe que tem todos os seus mais eficazes sensores disponíveis e activos.
Penso que dentro de alguns anos teremos uma informação muito mais detalhada sobre estes dados e saberemos até que ponto somos nós quem lhes…”fecha a boca”, pelas nossas atitudes e gestos quando em acção de pesca.
Vítor Ganchinho