Despimo-nos de casacos e cores cinzentas e abrimos o espírito a pescas mais fáceis, mais alegres, também mais ligeiras, que não menos produtivas.
Tenho a rara sorte de ter muitos amigos portugueses que me visitam, para pescar. Muitos deles são pessoas que me acompanharam ao longo de toda a minha vida, amigos de infância. Querem passar um dia no mar, e se possível, pescar uns peixes. E ainda mais sorte em conseguir fazer amigos em muitas pessoas que chegam de fora, estrangeiros de férias no nosso país, e que também querem tentar pescar algo.
A maior parte dessas pessoas tem de pesca uma noção apenas ténue, vaga, e na maior parte dos casos com raízes noutras técnicas entre nós pouco praticadas, o caso da pesca à mosca, a truta, o salmão, o lúcio, a carpa, enfim, pessoas sem muita experiência de pesca de água salgada.
Não preciso de vos dizer que a descoberta do mar, do nosso mar, é algo de transcendente para eles. Não estão habituados a ter tantas possibilidades de pesca diferentes, nem tanto peixe disponível para pescar. Na verdade, somos privilegiados pela natureza. Custa-nos admitir, porque estamos cá todos os dias e acompanhamos a evolução negativa dos nossos recursos, que noutros locais possa ser muito pior.
Um cliente esloveno dizia-me que para conseguir um peixe, um único peixe, podia passar três a quatro dias a pescar, muitas vezes noites inteiras. Isso é muito duro!
Uma dourada gorda, pescada com um filete de …cavala, pescada por um professor universitário americano. |
Não nos passa pela cabeça sofrer tanto por um único peixe, porque os temos ainda em quantidade e qualidade.
Dificilmente, com um mínimo de aptidão técnica para a pesca, não faremos numa saída, em qualquer ponto do pais, um robalo, um bom pargo, e uma remessa de outros peixes.
Levo muita gente a pescar pela primeira vez. Não tenho memória de não haver uma oportunidade, um lance, com um peixe decente, para essas pessoas. Acontece sempre algo.
Com efeito, a costa portuguesa tem peixe de boa qualidade em número suficiente para proporcionar alguma excitação a quem se inicia.
Este período que vivemos, o Verão, é uma altura que motiva muito a presença junto ao mar. As altas temperaturas do ar convidam a banhos e daí a uma tentativa de pescar algo, vai um passo.
É o momento das compras de material de baixa qualidade, para um “desenrascanço”, para ver se dá. Luta-se contra tudo: contra os peixes, contra a falta de conhecimento e contra o material.
Tenho para mim que a maior parte destas pessoas, se largadas à sua sorte, dificilmente conseguirão um peixe. Não têm um mínimo de recursos técnicos, de saber onde quando e como.
E por isso os resultados são normalmente bastante penalizadores. As pessoas ficam com a ideia de que a pesca é uma... ”seca”.
Não é fácil a decisão sobre a técnica a utilizar.
A pesca ao fundo não funciona. As iscas desaparecem misteriosamente, os anzóis regressam limpos, e sem explicação.
O spinning parece ser algo evidente, mas as condições são penosas: por norma, estas pessoas chegam tarde demais à costa, a meio da manhã, e vão para locais em que a presença humana não convida à permanência de peixes. Eles estiveram lá durante a noite, e saem quando a madrugada chega, quando o sol desponta no horizonte.
As praias e pontões da nossa costa são locais com comida para sargos, douradas, robalos, mas o excesso de agitação não ajuda em nada a que se fixem. O peixe come e sai, para ter algum sossego.
Não é fácil obviar a este status, porque nem as outras pessoas da família estão dispostas a levantar-se mais cedo e assim permitir uma chegada à praia a tempo, nem a pessoa que pesca sabe sequer que poucas horas antes, o local onde agora está a lançar a sua amostra não estava …deserto e vazio.
A alternativa é separar as águas, não tentar fazer pesca misturada com praia, porque os resultados são aqueles que todos conhecemos: uma pessoa que olha o horizonte, uma cana estática que não se move por nada, e um balde vazio. E uma dúzia de pessoas a passar perto da linha que jaz inanimada no fundo de areia.
Os guias de pesca têm o guião bem estudado e podem proporcionar um dia inesquecível. E aí sim, a pesca faz sentido.
Sair a pescar pressupõe que a pessoa pesque. Se não vale a pena complicar aquilo que pode ser simples, (não resulta numa primeira experiência tentar colocar dificuldades que o novato pescador não consegue ultrapassar), ainda assim é de bom tom que se consigam alguns peixes que alegrem a casa, que mostrem que há efectivas possibilidades de sucesso. E que a família beneficia desse esforço.
Um bom pargo no forno ajuda a convencer a nossa consorte de que vale a pena adquirir uma cana, um carreto e um anzol.
E assim alguém se faz um pescador.
Vítor Ganchinho