TIRAR CARTA DE PESCADOR - 5

Certamente já todos repararam que por vezes temos vento a soprar no sentido contrário ao da corrente.

Há dias em que tudo está em contradição, tudo contra o que seria expectável: o vento e a vaga para um lado, mas a ondulação para outro.

E pode dar-se o caso de termos inclusive correntes contrárias no mesmo espelho de água. Não é inabitual ter uma corrente de superfície num sentido, e termos uma corrente divergente, ou mesmo contrária, alguns metros abaixo.

Estas bizarrias são algo muito bem explorado pelos predadores, porquanto lhes conferem vantagens acrescidas na captura das suas presas.

Eles exploram todos estes detalhes com a mestria de quem os entende e vive deles.

A movimentação de fluídos é um tema apaixonante para quem gosta de mar.

Algo que penso nunca vos ter dito aqui, por me parecer demasiado óbvio, é isto: em zonas baixas, com poucos metros de profundidade, muito expostas a ventos, temos normalmente correntes muito fortes.

A água passa rapidamente, o vento acelera-a, e se a dada altura recebe ainda o contributo da força de gravidade solar e lunar, então é imparável!

Nada pode deter esta avassaladora movimentação da pequena massa de água, quando empurrada com força por estas três condicionantes.

Zonas baixas são, em determinados momentos, quase impossíveis de pescar porque tudo fica demasiado difícil, as condições não nos são de todo favoráveis.

Isso obriga-nos a trabalhos redobrados com o controle da nossa amostra, quando praticamos spinning, impossibilita-nos o jigging, e mesmo a pesca vertical é algo muito pouco promissor.

Mas essa mesma corrente, ao chegar a locais mais profundos, perde força, abranda, deixa de estar espartilhada entre o vento e o fundo raso. E tudo muda!

Por passar a ser uma massa de água bem mais alta, mais pesada, já não se move da mesma forma, reduz a velocidade.

Este é o resultado mais comum, o abrandamento da velocidade de deslocação da água do mar em função da profundidade do leito onde se encontra.

Pode não durar para sempre. Este efeito de arraste mais lento poderá ser alterado por acção da maré, que, quando no pico da sua força máxima, mesmo nestas condições de maior profundidade pode fazer inverter a lógica deste raciocínio.

Na Baía de Fundy, localizada na costa atlântica do Canadá, já foi registrada uma maré alta de 16,1 metros!!

As forças envolvidas são gigantescas, as marés têm uma força irresistível, ou não fosse o efeito de gravidade aquilo que mais condiciona a movimentação de todas as massas de água do nosso planeta.

E isto é muito curioso, porquanto traz para a equação um dado que tem tudo a ver com isto: a dinâmica dos fluidos.

Quem sabe muito disto, muito mais que nós, são os nossos peixes, os alvos dos nossos anzóis.

Daqui a algumas horas, haverá peixes a comer junto a esta parede...

Em zonas baixas, e sobretudo quando também têm a condicionante de serem estreitas, as correntes podem ser muito violentas.

Gera-se uma força tremenda que empurra tudo e todos à sua frente, sendo absolutamente imparável.

Podemos considerar que, com o vento a favor, numa vazante com um grande coeficiente de maré, as chamadas “águas vivas”, num estuário como por exemplo o Sado, podem atingir-se velocidades incríveis, de muitos nós.

É possível visualizar os efeitos desta deslocação de água na saída junto ao Hospital Ortopédico do Outão, local onde os remoinhos são constantes, e zona em que nenhum barco pode permanecer demasiado tempo.

O local é de permanência e pesca proibida, trata-se afinal da entrada/ saída da barra.

Mas mesmo que o não fosse, os resultados seriam penosos, dadas as fracas condições para a pesca.

Poucas pessoas o saberão, mas naquele canal, a profundidade atinge cerca de 47 metros. Regista-se aí o maior declive, uma falha vertical que contrasta com a baixa altura de águas do estuário a sua generalidade.

Como em tudo na vida, não é sempre mau. Há um momento de estofo de maré, em que tudo pára. E aí algo acontece.

Os peixes aproveitam esse momento de acalmia para entrar dentro do rio, para encontrar alimento, e sobretudo para atingirem os ambicionados pontos de desova, a montante.

É por este canal, impossível de pescar com redes, que entram os chocos, as corvinas que os seguem, as rainhas, os robalos, e também as douradas.

Registem isto: há três semanas atrás, um barco foi inspecionado dentro do rio, e tinha a bordo algo como 700 kgs de douradas...

São as nossas douradas a entrar, a querer depositar os seus ovos num ambiente pressupostamente mais favorável, mais acolhedor para as suas posturas.

Infelizmente trata-se de uma armadilha para os peixes adultos. O estuário, infelizmente, continua a permitir a pesca profissional com redes, e isso mata quaisquer possibilidades de reprodução bem sucedida.

Quando pescamos ali dentro os peixes que querem/ precisam de reproduzir, …o que fica?

Faltará muito para sair uma proibição total e absoluta de colocar redes dentro do rio?! Se existe, ..pode fiscalizar-se mais?...

Em zonas baixas, mas menos expostas, podemos denotar que a água tende a deslocar-se mais lenta. O atrito provocado pelo fundo atrasa a marcha, mas esse efeito é mais visível em locais com fundo rochoso, com pedra partida. O arraste de água em zonas rasas com fundo irregular é mais lento. A água passa a lamber o fundo, cria atrito e turbulência, e atrasa.

Se o fundo é baixo, quase nunca teremos uma zona de pesca lenta. Estaremos sempre dependentes do momento de maré.

Porém, se a dada altura temos um fundão, então vamos ter aí duas velocidades de corrente diferentes. Atenção! Se há a possibilidade de haver uma zona de contraste, um espaço em que a entrada de pequenos peixes significa descontrolo, dificuldade de natação equilibrada, em suma, de dificuldade de fuga, então é expectável que o nosso robalo ali esteja. Irá colocar-se de forma a gastar o mínimo de energia possível, protegido da corrente principal, e num recanto que lhe seja favorável, onde possa obter o máximo de comida.

Posso dar-vos um exemplo prático, mas porventura mais perceptível para todos os que conhecem bem a foz do Sado: ao fim do estuário, quem está virado para a saída, há três conjuntos de pedras, as chamadas “ Três irmãs”.

Aí, a corrente é sempre mais fraca, e contrária ao sentido da maré. Trata-se de uma baía que tem sempre robalos. O peixe tem uma zona de alimentação, e uma outra ao lado, mais funda, onde existem rochas submersas. Essa é a sua zona de protecção.

Pescam-se com amostras pequenas, leves, sem pala, com equipamento ligeiro.

Caso o tentem fazer com material mais pesado, preparem-se para lançar centenas de vezes sem um único toque, porque os peixes ali estão muito batidos, e sabem a música toda.

Ao impacto de uma amostra grande e pesada, com pala, eles irão saber qual a marca e modelo...

As paredes do canal não são muito largas, e por isso afunilam a água que ali aumenta muito a sua velocidade de escoamento. Pese a profundidade. Não é aí que devemos pescar.

Podemos fazê-lo com êxito em correntes transversais, mais fracas, ao lado desta corrente principal. Aí, os peixes têm condições de estabilidade para fazer a sua vida normal, e há possibilidades de pesca.

Portanto, a pesca não é feita no canal estreito e fundo, onde a água corre demasiado rápido, mas sim numa zona acessória, lateral.

Esse foi o tema de hoje, amanhã teremos algo mais a dizer.

Até amanhã.

Vítor Ganchinho