O tema de hoje da série “Tirar carta de pescador” é a movimentação de águas, e o aproveitamento que o robalo faz delas.
Já aqui vimos que as forças em jogo quando se trata de marés, de ventos e de correntes são enormes. A força de uma corrente é algo de avassalador.
E todavia, é aí que o robalo encontra condições para melhor desenvolver o seu acto de caça.
A localização do robalo não é forçosamente fixa, e muito menos ela se perpectua em correntes muito fortes, já que isso originaria um desgaste físico tremendo.
Pese embora a perfeita morfologia e hidrodinâmica do seu corpo, a verdade é que nenhum peixe se mantém na corrente forte sem ser obrigado a nadar. E isso significa dispêndio de energia. Assim, o predador procura locais que lhe tragam as vantagens da corrente, sem ter de estar forçosamente nelas durante todo o tempo.
Podemos pensar de forma simples que as visita, e sai assim que consegue os seus objectivos.
Os locais de repouso, após alimentação, são bem conhecidos destes peixes, porque os utilizam frequentemente. Sabem onde podem obter alimento, e sabem onde podem descansar.
A nós interessa-nos sobretudo a fase em que se alimentam, por ser aí que queremos interagir com eles.
Zonas com contracorrentes, espaços em que a corrente principal perde a sua força, ou locais com rochas em que a corrente bate e faz ressaca, são pontos privilegiados para encontrarmos robalos.
Estarão invariavelmente na parte protegida da pedra, onde a água faz remoinhos, que mais não são que o resultado da deflexão que a força da corrente sofre depois de bater contra esse obstáculo.
Na maior corrente que possam imaginar, a existência de um pedra cria um obstáculo que provoca contracorrente. E é aí que o robalo se irá posicionar para poder perscrutar tudo aquilo que é arrastado e possa eventualmente interessar-lhe como alimento.
Se querem fazer um exercício de raciocínio simples, será algo como isto: vocês estão a conduzir um carro na autoestrada a 120 km/ h. Abrem o vidro e colocam o braço de fora, de mão aberta.
A velocidade do vento que bate na palma da mão esticada ao vento é muito superior à velocidade do vento nas costas da mão. E a direcção será a oposta ao sentido da marcha, neste último caso.
Outro exemplo: se estamos a nadar, a palma da mão que empurra a água faz pressão sobre o líquido, promove tracção e isso permite-nos avançar. O deslocamento da água à passagem da mão é lateral, a água não sendo compressível, afasta-se. Mas nas costas da mão, geram-se remoinhos, turbulências, e não há qualquer pressão. Esse é o espaço que o robalo aproveita, para, estando situado numa corrente muito forte, ser capaz de tirar proveito do facto de haver um objecto que faz divergir a corrente, criando um espaço, na sua rectaguarda, sem pressão frontal.
Espero ter conseguido explicar.
Certamente já constataram o facto de haver, nas zonas de mar mais batidas pela corrente e pelo vento, muito mais peixe que nas zonas mais recônditas, nas baías abrigadas, de águas mais paradas.
Não é por acaso! O peixe precisa da corrente para se alimentar. Os limites da sua zona de conforto estão directamente relacionados com a intensidade da corrente. Qualquer tipo de peixe predador escolhe o ponto em que consegue maximizar as suas possibilidades de obter alimento, com o mínimo esforço possível. No caso dos robalos, esse limite pode ser muito alto, pois estamos na presença de um nadador de elite.
Quando se pescam robalos no meio de enormes agueiros, na ressaca das ondas, isso mais não é do que uma manifestação absoluta de poder, de capacidade. Mas o peixe não vai ficar aí eternamente: come e vai embora.
Há ainda mais um detalhe que nos pode ajudar a entender de que forma o robalo pode encontrar protecção da corrente forte baixando ao nível do fundo.
Na zona de contacto com o leito marinho, por mais lisa que seja, eventualmente até com fundo em areia, gera-se um movimento de frenagem, devido ao atrito que a água da corrente sofre ao arrastar contra o solo. Trata-se de um efeito de capilaridade e é explicado por pessoas que são especialistas em movimentação de fluidos. Para entender isto eu fui forçado a ler sobre a matéria durante muitas horas.
A seguir, fui ver, fazer a experiência prática em mergulho livre. Olhando à atitude dos peixes em momentos de maré com forte deslocação da massa de água, percebi que algumas espécies tinham o hábito de baixar a níveis que não eram os comuns.
O comportamento é cíclico, ou seja, quando chega a força máxima da corrente, alguns tipos de peixes baixam e procuram a zona de conforto. Esta zona pode ter apenas alguns centímetros, ou ser mais ou menos alta em função da estrutura do fundo.
Se houver algumas pedras soltas, é certo que a altura dessa faixa de água a passar com menor velocidade será maior. Quanto mais obstáculos maiores as probabilidades de os peixes poderem encontrar junto ao fundo uma zona de travagem da corrente.
Por cima dessa zona, é aquilo que esperam, é o movimento normal da corrente, conforme a podemos ver e sentir.
Tendemos a desvalorizar estes factores, a corrente, o vento, as marés, como se eles não fossem os grandes condicionadores da presença e actividade do peixe. São mesmo.
Não nos limitam apenas a nós. Se está muito vento ou correntes isso significa que iremos ter maiores dificuldades para pescar, isso é certo, mas também os pequenos peixinhos sentem maiores dificuldades para se movimentarem. E alguém, especializado no tema correntes e vento, está lá para aproveitar a oportunidade.
De facto o robalo necessita de instabilidade para jogar o seu jogo de gato e rato com as presas.
Sem ela, o seu esforço de procura e caça é muito superior, e por isso, espera que chegue. Porque chega sempre!
As marés serão o factor que mais contribui para a agitação das águas de forma regular. São certas, acontecem a cada, grosso modo, seis horas, e pese por vezes alguma acalmia de tempo duradoura, a qual pode durar dias e manter o mar calmo, as marés trazem sempre aquele toque de agitação mínima que ajuda a quem quer encontrar comida.
Em termos gerais, poderíamos considerar que a existência de corrente coloca em movimento peixe que precisa de comer. Há todavia excepções.
Certamente já repararam que a ausência total de corrente reduz a actividade dos peixes, excepto aqueles que vivem entocados em buracos, e en-passant estou a lembrar-me dos safios, das abróteas ou fanecas. Para estes, a ausência de corrente fortes favorece-os, pois não são nadadores credenciados para altas velocidades, nem altos cometimentos a nadar em águas abertas.
Mas são excepções. Aquilo que é regra é: há corrente, o peixe come!
Amanhã vamos dar mais uma vista de olhos a esta questão, por outra perspectiva.
Vítor Ganchinho