DE ONDE NOS CHEGAM OS PEIXES?

Todos nós sabemos que há momentos em que os peixes estão onde os procuramos, pescamo-los nos nossos pesqueiros habituais, sentimo-los, sabemo-los lá.
Mas há outros dias em que a sua actividade é absolutamente nula. Por qualquer motivo, lançamos e não temos um toque.
Atribuímos essa “não pesca” a inúmeras causas que, até ver, nos parecem todas plausíveis: momentos de marés, as condições do tempo, as luas, a actividade dos pescadores profissionais, ao azar, a um mau posicionamento do barco, etc.
A tudo menos à necessidade do peixe em se deslocar para outro lado, e por isso estar ausente.
Pois se regularmente os pescamos ali, por que razão teriam saído naquele dia?
A verdade é que as migrações, quer longitudinais, ao longo da costa para norte ou para sul, quer transversais, perpendiculares ao sentido costa/ largo, ou o inverso, são algo muito mais frequente do que pensamos.


Aqui a plataforma continental é perfeitamente visível. Quando afunda a sério, lança-se para os 4.000 metros.


A costa portuguesa tem uma plataforma relativamente curta, e assim sendo, a distância de um qualquer ponto do nosso território até à descida aos abismos profundos não é grande, nem impossível para um peixe.
Mas não é por aí, não é isso.
As limitações são bem outras, e passam por um factor a que nenhum ser vivo escapa: a sua alimentação. Nada nem ninguém pode negligenciar as suas fontes de alimento, e os peixes nem por um momento o esquecem.
Eles não podem deslocar-se indefinidamente para mais fundo, porque ficam demasiado longe da sua comida. Nunca esqueçam que a maior parte do alimento disponível para os peixes está justamente nos primeiros metros de costa, aqueles a que nós pescadores temos acesso mais facilmente.
E se grande parte da vida de um oceano se concentra precisamente nos primeiros 200 metros de profundidade de água, a partir da linha de costa, então os peixes não podem sair demasiado para fora.
Mais que isso, estão também fisiologicamente limitados pela pressão bárica que os seus corpos suportam.
Mas que pressão é essa? Penso já ter aflorado este tema no blog, mas ficam aqui abaixo alguns princípios gerais para compreensão total do fenómeno.
Ao nível do mar, na linha de água, existe um valor de pressão atmosférica que equivale, aproximadamente, a 1 bar. A cada 10 metros que um peixe baixa, a pressão sobre si aumenta em 10 bares, por conta do peso da água acima.
Dessa maneira, quando pescamos peixes a 120 metros de fundo abaixo da superfície, a pressão que eles estão a suportar é de 130 bares. Vocês sabem que a unidade de medida da pressão são os bares (um bar equivale a 100 mil Newtons para cada metro quadrado).
Nós sentimo-la quando tentamos mergulhar, e a nossa cabeça começa a doer. Os nossos tímpanos, os seios perinasais pressionados, tudo nos impede de continuar a descer, sem a devida compensação. E isso acontece a apenas alguns metros de profundidade, imaginem o que acontece muito mais abaixo.
Nas profundezas do oceano, existe uma pressão gigantesca, mas isso não quer dizer que os peixes não a suportem. Muitas espécies aquáticas estão totalmente adaptadas a essas condições, e vivem por lá em permanência.
A 4.000 metros de profundidade, a pressão é superior a 400 vezes a pressão na superfície, por exemplo.
Podem agora entender a razão pela qual os peixes nos chegam à superfície com os olhos fora das órbitas oculares, o estômago fora da boca, sinais de que algo explodiu.
Isso é provocado pela pressão, na circunstância o processo inverso, de mais para menos, algo que ocorre de forma brusca, sem tempo de adaptação.


Há espécies, como estes salmonetes, que nunca estão a grandes profundidades, já que o seu alimento só existe nos baixios.


Mas se o processo for lento, e dentro de algum limite, eles aguentam.
Acontece é que essas espécies especificas de profundidade desenvolvem aptidões que os peixes que nós pescamos junto à costa não têm. Falo-vos de um avançado sistema sensorial que dispensa a visão, por exemplo.
Em rigôr não precisam de ver, porque também não há luz que chegue tão fundo. Há é bioluminescência, seres que emitem luz. Repito: a luz não é capaz de alcançar grandes profundidades no oceano, perde-se ao longo do trajecto, é absorvida.
Os raios solares comportam comprimentos de ondas responsáveis por todas as cores visíveis, (a onda de luz que mais profundidade atinge é a luz azul, cerca de 45 metros abaixo da superfície, em condições de visibilidade standard).
Um mergulhador que se aventure a descer num batiscafo, quando se aproxima dos 200 metros de profundidade já começa a deixar de perceber a cor azul. Dali para baixo, é um mergulho na total escuridão.
Existe vida, é de resto aqui que se encontram as formas de vida mais estranhas do oceano, mas não são os nossos peixes! Nunca encontrarão um robalo, uma dourada, a essas profundidades. Tudo aquilo nós pescamos fica bem mais acima, a poucas centenas de metros.
Há um fosso enorme entre os peixes (estranhíssimos!) das profundezas, e aqueles que fazem parte da lista de peixes que nós pescamos. As características físicas são distintas, e por isso mesmo não há margem para equívocos.


Peixe dos abismos, fotografado com auxílio de luz artificial. Neste caso um ser que emite bioluminescência.


Ora assim sendo, resta-nos pensar que os nossos peixes ficam então espartilhados entre os primeiros metros de costa e a profundidade máxima, leia-se pressão máxima, que suportam.
No sentido perpendicular à costa, esta é a limitação. Poderíamos perguntar: “então porque fazem eles essas migrações, porque afundam”?...
O espaço é curto, atendendo à largura do oceano, mas ainda assim é uma imensidão de milhas! E aí cabe muita coisa, nomeadamente as famosas termoclinas.
Vimos no artigo anterior, “O robalo face às variações térmicas da água”, que este termo seria importante para entendermos hoje a razão da sua permanência, ou não, nos pesqueiros.
As termoclinas são faixas de água com variações de temperatura que atraem peixes, pois proporcionam-lhes condições sustentáveis de permanência. Se um peixe está junto à costa e a água arrefece de forma muito significativa, a opção será a de seguir as águas onde estava anteriormente, mais quentes. Acompanha-as. De um lado tem a água mais quente, na qual se sente confortável, e do outro chega-lhe a agua fria, que o incomoda. E ele deixa-se ir.
Podemos juntar mais um dado: se o robalo o puder fazer ao longo da costa, beneficia do facto de poder manter contacto com as suas fontes de alimento habituais. Àquela profundidade, ele sabe onde pode encontrar comida.
Os primeiros 20 metros são riquíssimos em alimento, o qual pode surgir a um robalo de todas as formas: peixe miúdo, caranguejos, camarões, lulas, anelídeos, etc.

Os seres que ficam nos locais são aqueles que pela sua fraca mobilidade não conseguem reagir às adversidades das temperaturas. Estes ouriços procuram a protecção desta fenda, pois sabem que enquanto estiverem lá dentro, são praticamente inatingíveis pelos predadores. A estrela do mar idem.


Coloquemos a questão da seguinte forma, embora algo simplista:
Um robalo está posicionado a 20 metros de fundo, junto a uma concentração de peixes miúdos, com água a 18ºC. Tudo perfeito. Mas a água arrefece subitamente, por força da entrada de um vento leste, gelado.
De cima para baixo, metro a metro, a água arrefece.
A tentação de permanecer é grande, o alimento está ali, à vista. Caso seja um fenómeno passageiro, de horas ou um dia, vale a pena esperar.
Mas a dada altura a água arrefece tanto que o nosso peixe passa a ter de consumir as suas reservas corporais de gordura.
Os peixinhos forragem vão ter de reagir de imediato, e sair dali. São forçados a fazê-lo, porque fisicamente estarão ainda menos preparados que o seu predador para suportar temperaturas baixas.
Podem acompanhar a corrente que os empurra para sul, por exemplo. As águas a sul do nosso país estão normalmente alguns graus centígrados mais quentes que as águas a norte, e assim sendo, tudo o que os empurre nessa direcção ajuda.
Se aproveitarem as correntes, se se deixarem ir, acompanham a água a 18ºC onde estavam. E aí, o robalo pode segui-los, e continua perto da sua fonte de alimento.
Mas também pode acontecer que o vento leste seja persistente por vários dias, e gele grandes extensões de mar. Certamente já experimentaram a situação desagradável de sentir este vento cortante na cara, e sabem o quão incómodo é.
Por vezes temos dias e dias de vento deste, gélido, a arrefecer a água nos seus primeiros metros. Aí, a deslocação longitudinal não faz sentido, porque a costa fica toda muito equiparada, o fenómeno não é localizado a uma área tão restrita que permita sair sem dificuldades. Resta pois a descida em profundidade, onde encontrarão as termoclinas.


O Cabo Sardão tem segredos escondidos...


Pois bem, e o que são as termoclinas?
Trata-se de uma zona de mar com uma temperatura diferenciada, relativamente à restante massa de água circundante. Tentem imaginar um hambúrguer. A termoclina é a carne, no meio.
Está directamente ligada a um conjunto de fenómenos atmosféricos, e pode surgir a partir de um repentino vento de terra, as famosas “lestadas”, ventos que nos chegam a partir de Espanha, ou mesmo uma nortada fria, que transporta ar polar.
Diz-se deste vento norte que “escalda” os pesqueiros, porque efectivamete obriga o peixe a mudar de sítio, empurra-o para os fundões.
Mas a termoclina pode ser inversa, pode dar-se o caso de a água estar um pouco mais fria, e por efeitos de uma sequência de dias de sol intenso, mais quente, e da acção do vento, criar as condições para que surja uma faixa mais temperada a meio da coluna de água.
E pode ainda acontecer que se tratem de correntes que passam junto à costa, com águas mais quentes, ou mais frias. Quem mergulha, como eu, sente-as na pele, mesmo com fatos térmicos por cima do corpo.
As diferenças de temperatura podem ser significativas, de mais de 6ºC entre camadas. Quando este efeito surge, os peixes podem não se sentir confortáveis a passar esta barreira invisível, mas que existe fisicamente, provocando-lhes stress térmico.
Vejamos um efeito prático: os robalos (ou outras espécies!) querem seguir a maré, subir para encostar a terra e comer. Mas entram em contacto com esta barreira de água fria, e não passam, não sobem, ficam onde sentem conforto.
O pescador lança as suas amostras sem descanso, mas os resultados são pobres. Não é caso para praguejar contra a pessoa que lhe vendeu as amostras... é sim caso para pescar muito mais fundo que o habitual.


Os profissionais levam muito peixe, mas… não todo.


O robalo é um peixe que recebe a designação de “eurytherme”, ou seja, eurotérmico, pela sua incrível capacidade de operar em ambientes a temperaturas tão diversas quanto 2ºC ou 32ºC.
Se assim é, então qual a dúvida?! Bom, falta dizer que a sua capacidade de adaptação não é tão imediata que possa passar de uma a outra temperatura (por absurdo), sem o notar.
Isso não acontece na natureza, passar de um mínimo para um máximo em horas ou dias, mas ainda assim, se a transição de temperatura for demasiado brusca, isso irá motivar o sentido de preservação do robalo a reagir, obrigando-o a sair, a migrar para outras paragens.
Para o nosso robalo, um choque térmico repentino é sempre mal recebido, e causa forte para abandonar o local onde está. E agora começam a perceber a razão de, em certos dias, lançarem amostras e não acontecer nada.
A temperatura ideal de funcionamento do corpo do robalo são 18ºC. Abaixo ele reduz ligeiramente a actividade, mas isso acontece também acima. Se a água aquece e chega acima dos 20ºC, o peixe ressente-se da crescente falta de oxigénio, e algumas das suas funções vitais abrandam um pouco.
É o caso da digestão. Já aqui vimos no blog anteriormente que é precisamente nessa altura que o robalo passa a ser muito selectivo, dando preferência a presas e pequeno tamanho, mais fáceis de digerir. Ou seja, é aí que o LRF entra a matar, oferecendo pequenas amostras.
Nada como o Verão e Outono para conseguirmos robalos com pequenos jigs, ou minúsculos vinis. Porque o metabolismo do peixe exige esse tipo de “presa”, pequena e facilmente digerível.
Nesta fase do ano, a actividade do robalo distribui-se por várias horas ao longo do dia, come muitas vezes. Isso quer dizer que teremos mais possibilidades de o encontrar a caçar, logo mais possibilidades de conseguirmos a sua mordida.
Notem que tudo está ligado: temperatura de água alta, rarefacção de oxigénio. Por dificuldades de obtenção de oxigénio, maior dificuldade metabólica, retardo digestivo. Por isso mesmo, a procura de presas de pequena dimensão, mais fáceis de digerir.
O menor tempo de permanência no aparelho digestivo permite ao peixe mais capturas, ao longo do dia. Mais ataques às nossas amostras. Faz sentido?!
Se invertermos o processo, se passarmos para águas mais frias, temos que a actividade do peixe diminui, o seu metabolismo baixa. Assim sendo, resulta mais compensadora a captura de peixes gordos, que tragam um aporte de energia suplementar, pois para além de tudo ainda faz falta combater a água gelada. Por isso mesmo, e porque são necessárias reservas de energia suplementares, peixes maiores vão bem. O robalo caça muito menos, logo, faz sentido uma presa maior, a ser digerida ao longo de um período de tempo mais longo.
Nesta fase, o robalo, após caçar, refugia-se num local seguro, e espera, imóvel, a passagem do tempo. Por isso temos muito menos toques de inverno que de Verão…
E é este tipo de conhecimento que nos dá a possibilidade de nos adaptarmos ao peixe, de entendermos de que forma lhe podemos chegar. Nunca será o robalo a adaptar-se a nós!
Em resumo, (e para quem é preguiçoso de cérebro e gosta que eu apresente tudo feito...), no Verão e Outono jigs ou amostras/ vinis macios de pequeno tamanho, pois a hiper actividade do peixe manifesta-se sobre os cardumes de alevins, mais fáceis de digerir.
No Inverno e Primavera, com águas a temperaturas mais baixas, momento em que o robalo se alimenta de tainhas, carapaus, cavalas…, pescamos com amostras de tamanho grande, entre os 14 e os 18 cm. Teremos certamente menos toques do que aquilo que tivemos no período estival, mas é muito natural que seja nessa altura que nos vão aparecer peixes de excepção, os “cabeçudos”….


Quantos peixes matam estas “máquinas de guerra” ao fim de um ano?


Espero que tenham conseguido apreender a mecânica deste processo, que é cíclico, regular, acontece todos os anos, e que é previsível.
Se estivermos no local certo com a amostra/ jig certos, vamos conseguir resultados.
Respeitar as marés, os ciclos de alimentação, as horas do dia e a sua quantidade de luz, tudo isso conta. Podemos obter resultados estrondosos se soubermos manusear a informação disponível a nosso favor.
Mas temos sobretudo de saber entender o mar, saber que se ele nos apresenta águas geladas, o mais certo é que o nosso peixe não esteja lá, naquele ponto de águas rasas, por oposição a momentos de águas quentes, em que a actividade naquele mesmo local é explosiva, frenética, e nos enche de alegria.
Tudo isto faz parte do mesmo, é a pesca, e teremos de saber viver com as diversas nuances que o mar e os peixes nos oferecem. Há que saber ler…
Na maior parte dos casos, as pessoas entendem, quanto mais não seja à força de falharem consecutivamente. Podemos passar dias e dias a lançar num local onde os peixes não estão, e os resultados serão sempre …zero.

Se soubermos onde procurar, …e como fazer, …as coisas acontecem.



Vítor Ganchinho



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