A PRIMAVERA ESTÁ AÍ...

Vamos entrar agora num ciclo novo.

Os dias vão passar a ser mais soalheiros, e pese embora as manhãs ainda chegarem algo frias, a meio do dia, com o sol a pino, já temos temperaturas bem mais agradáveis.
Os casacos de Inverno deixam de fazer sentido, e as nossas mãos dispensam o agasalho das luvas enquanto conduzimos o barco.
A Primavera também traz boas notícias para os nossos peixes: o sol aquece-lhes a água e com isso ganham uma nova dinâmica, maior agressividade, mais predisposição para procurar comida.
Se temos a sorte de receber dias sem vento, é muito natural que os pesqueiros mais rasos possam mostrar-nos algo de bom. O aquecimento da primeira camada de água superficial altera bastante as regras do jogo.
Para quem faz spinning, para quem pratica surfcasting, este é um momento de excepção. Tudo isso a partir de mais alguns graus de temperatura no meio liquido.
Nunca que cansarei de dizer o quanto é importante 1ºC nestas coisas da pesca. Os peixes são animais de sangue frio, a sua temperatura corporal depende em absoluto da temperatura do meio líquido onde vivem.
Não é por acaso que vamos agora entrar num ciclo que é dos mais interessantes para qualquer tipo de pesca. Mar mais quente significa mais mobilidade, mais procura, peixes mais capazes de produzir ataques.
Por reflexo, isso ajuda-nos imenso a fazer melhores pescas.

Este é um período em que os pelágicos vão começar a encostar a terra, para comer o peixe miúdo que circula entre pontos de alimentação.
É muito natural que os cardumes de comedia circulem entre rios, estuários, e nesse percurso, muita coisa vai acontecer. E acontecer-lhes...


O figurino não varia muito: algo com boca grande e dentes passa perto, e a partir daí, é o salve-se quem puder.


Já aqui vimos como se processam estas caças.
Existem rotas migratórias mais ou menos definidas, e que dependem de inúmeros factores climatéricos: temperatura das águas, correntes, marés, ventos, concentração de fito e zooplâncton, etc.
O peixe miúdo depende de todos estes factores para poder conseguir a sua alimentação.
Por sua vez, também os predadores procuram incessantemente as suas fontes de alimento, pois delas dependem. As nossas sondas marcam muito bem estes dois tipos de habitantes marinhos: a presa e o predador.
Quaisquer que sejam as espécies em causa, sardinhas, carapaus, cavalas, biqueirão, etc, ou robalos, atuns sarrajões, anchovas, lírios, sardas, etc, todos eles têm algo que é garantido: o peixinho mais lento tem sempre de ser mais rápido que o predador mais rápido. Ou morre.
As rotas da comedia obedecem a princípios muito bem definidos, que entroncam na necessidade de estar próximas do alimento. As correntes são veículos transportadores de uma imensa variedade de minúsculos seres, vegetais e animais, uma massa viva que faz despoletar a existência de toda uma cadeia alimentar.
No topo da pirâmide, encontramos os superpredadores, aqueles que eliminam os que se encontram no patamar imediatamente abaixo. Não faria sentido um golfinho, armado de dentes bem aguçados e fortes, alimentar-se de plâncton.
Mas faz todo o sentido que se alimente de cavalas, as quais por sua vez se alimentam dessa mistura planctónica.
Se considerarmos os dentes e aparelho digestivo de cada um entendemos perfeitamente qual a sua especialização.


Dentes pressupõem um corpo que possa ser mordido. De nada serviriam, se a opção fosse a de filtrar comida. O tubarão baleia, a jamanta, são exemplos disso mesmo, peixes filtradores. 


E como fazem os golfinhos e todos os outros predadores pelágicos para encurralar as cavalas?
Primeiro e antes de mais têm de as encontrar. Para isso, nada como estar próximo das rotas tradicionais que estes peixes miúdos utilizam com frequência. Há zonas que sim e outra que não.
Bem sei que a maior parte das pessoas acha que o peixe está uniformemente distribuído por todo o oceano. Nada mais errado. Há spots cheios de peixe e outros onde é raro que por lá passe algo.
Mas os predadores vivem de saber onde é bom. A quantidade de comedia, o número de manchas de peixe que existe numa determinada zona acaba por expor este ou aquele cardume, inevitavelmente.
Ao encontrá-las, o predador segue algum tempo aquele ajuntamento de comida, na tentativa de entender as debilidades. Ao mesmo tempo, e porque na presença de algo que pode ser muito perigoso para cada um dos seus elementos, os cardumes ficam mais compactos, apertam-se entre si, procuram o centro do cardume, onde teoricamente estarão menos visíveis. Já vi isto várias vezes aquando dos meus mergulhos. Sente-se uma enorme instabilidade, há algo que se adivinha estar prestes a acontecer.
Normalmente os cardumes sobem à superfície para se libertarem da pressão de terem um predador encostado, e isso acaba por despoletar uma série de acontecimentos que nunca favorece os pequenos peixes.
A começar pelo ataque massivo das aves marinhas, que aproveitam essa benesse para comer em abundância.
Já viram certamente os gansos patolas a mergulhar na água, lançados como flechas direitos ao cardume. Isso acontece todos os dias.
Para os mais atentos, posso assegurar que poderão ver este fenómeno diversas vezes, enquanto pescam ao largo.

Alguns dos predadores mais emblemáticos da nossa costa aproveitam este momento para vir bem junto à linha de rebentação procurar comida.
Com efeito, é aí que a massa de comedia se encontra, nos primeiros metros de água, procurando o resguardo de segurança que as baixas profundidades sempre conferem.
Um desses predadores é o pequeno atum sarrajão, entre nós a valer pouco mais de 4 kgs de peso, mas que nos brinda com lutas muito aguerridas.
Para quem não os conhece, são estes que passo abaixo:




Pescam-se na perfeição com jigs, preferindo alguma animação mais rápida. Ficam sobre excitados quando a presa tenta escapar-lhes.
Passa-se o mesmo com os lírios, e as anchovas.
Estas espécies são de tal forma rápidas na água que o mais certo é que venham ferradas pelo anzol de cabeça, o que está mais acima no sentido em que puxamos o nosso jig.
Manifestam um desinteresse absoluto quando o jig é recuperado lentamente, sem chama. A sua velocidade é tanta que têm tempo de sobra para perceber o engano.
Forma de os enganar: fazer speed jigging.


Aqui utilizei um jig da Little Jack, de corpo fusiforme, alongado, próprio para trabalhar zonas com correntes. Precisamente onde mais gostam de estar estes tunídeos.


O tempo está para eles, para todos os que se aproximam da linha de costa à procura de miudezas, de biqueirão, sardinha miúda, carapau juvenil, cavalinha, etc.
Por vezes encontram as nossas amostras e proporcionam-nos as lutas épicas com que tanto sonhamos durante todo o período de Inverno.

Força nisso!



Vítor Ganchinho



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