O ROBALO FACE ÀS VARIAÇÕES TÉRMICAS DA ÁGUA

Temos na nossa costa portuguesa flutuações térmicas que, num ano normal, podem oscilar entre os 10 e os 21ºC.
O primeiro número corresponde a água que reputamos de muito fria, o segundo a água para nós dita “quente”.
Não o seria na Madeira ou nos Açores, mas reportamo-nos ao continente, e penso que estaremos de acordo que os parâmetros gerais serão estes.
Neste intervalo, cabe quase tudo! Cabem os peixes de Inverno, e cabem os de Verão, aqueles que nos aparecem quando a temperatura das águas avizinha os 17/ 18ºC.
Os robalos têm a possibilidade de suportar variações de grande amplitude, e se os podemos encontrar em ambientes de águas gélidas, para o nosso padrão, também é verdade que podem entrar nos rios, onde se sujeitam a temperaturas bem acima do seu “normal”. Mas isso não quer dizer que lhes seja indiferente, ou que não tentem obter o seu conforto.
Como qualquer espécie viva, também eles serão sensíveis às mudanças de temperatura, e fazem a gestão da sua vida tendo em conta aquilo que fisicamente mais lhes convém.
De que forma se sentem os robalos afectados por estas variações? O que muda para nós pescadores quando surge uma frente fria?
O trabalho de hoje vai nesse sentido, de explicar alguns detalhes que podem ser importantes para a programação da nossa saída de pesca.


É mais normal termos dias de águas calmas no Inverno que no Verão. A razão prende-se com a formação de correntes de ar ascendentes… que terminam na criação de condições para a existência de ventos.


Sendo os peixes animais de sangue frio, sem qualquer tipo de controle sobre a temperatura corporal interna, (é a mesma da água circundante…), fácil será entender que dependem em absoluto daquilo que é a realidade do mar que os envolve.
Isso quer dizer que qualquer pequena variação de temperatura será sentida, e implica uma reacção imediata.
A temperatura da água do mar depende de factores muito diversos, mas poderíamos focar-nos apenas em dois deles, nomeadamente a incidência dos raios solares, e as marés.
Sabemos que as marés são provocadas pela atração solar e de forma mais significativa, pela atracção lunar. São estas forças que fazem mover as grandes massas de água do nosso Atlântico, movimentando-as a um ritmo conhecido: seis horas de maré a encher, e as subsequentes seis horas a vazar, grosso modo. O ciclo repete-se duas vezes ao dia, e afecta sobremaneira as trocas térmicas que se verificam ao longo do dia.
Na presença de sol forte, zonas baixas aquecem mais depressa, e essas águas irão misturar-se com águas mais profundas e passar parte do calor que aportam. Falamos de uma imensidão de água tremenda, e por isso os fenómenos de aquecimento ou arrefecimento são lentos, morosos, ainda que não inconsequentes em termos de movimentação de peixes.
Com efeito, basta uma variação de um ou dois graus, e tudo muda! Os peixes podem seguir as correntes de água mais quente, até porque esse será também o movimento da maior parte das suas presas.
Todo este processo deve ser entendido como algo lógico, em que as surpresas não existem. São princípios universais que nos podem servir de guias, para decidirmos onde e como vamos pescar.


As movimentações de peixes provocadas pelas diferenças térmicas são benéficas para quem coloca redes no caminho que os cardumes têm de fazer. Durante o dia, os peixes detectam as redes com facilidade e passam-lhes por cima. Mas à noite uma rede é apenas mais um obstáculo a ultrapassar, conforme são todas as plantas, e pedras que se encontram no caminho. A sua eficácia resulta dos peixes acharem que podem facilmente vencer a resistência dos fios que estão à sua frente. Na natureza conseguem-no, as algas rebentam, mas o nylon é bem mais resistente...


Podemos tomar como certo que a subida ou descida da temperatura da água do mar será maior ou menor consoante a profundidade a que nos referimos.
Águas rasas aquecem em questão de horas, águas fundas aquecem em função de meses. É entendível que as águas do largo sejam mais estáveis, pois falamos de uma massa de água que pode ter quilómetros de profundidade.
E isto já nos deixa uma pista: se os nossos robalos se veem subitamente em águas geladas, pelo aparecimento de um vento norte, ou leste, persistente e gelado, já sabemos que irão afundar, e com isso sair do alcance das nossas amostras de superfície.
Vão para o largo, onde podem encontrar as famosas “termoclinas”, ou seja, faixas de águas quentes, entaladas em fitas de água, mais frias abaixo e acima. Uma sandwich de água quente, pois então.  
As mudanças térmicas são algo de muito complexo, e um bom desafio para os nossos computadores mais potentes. Acreditem que não é algo que possa depender apenas de estar sol ou não…. são múltiplos factores, entre eles o movimento de rotação da Terra.
Nem sequer é algo que mude da manhã para a tarde, se considerarmos cotas de água tão significativas. Os cálculos são difíceis, porque as variáveis são imensas.
Porque não é só uma questão de somar uma temperatura com outra, e dividir ao meio. Mesmo num só ponto, nunca chegamos a ter toda a coluna de água à mesma temperatura.
Os ventos jogam aqui um papel muito importante, pois são eles que actuam fisicamente sobre a capa mais superficial da água. Arrefecem-na, e mais que isso, se falamos de ventos de terra, empurram-na para o largo.
A seguir, teremos de considerar a diferença de densidades que uma e outra água, quente e fria, comportam.
A diferença de temperaturas no mesmo ponto geográfico, só por si já motiva trocas de posicionamento de águas. A água fria tem uma densidade diferente, mais pesada, e tem tendência a descer em profundidade. Por sua vez, as águas mais quentes do fundo movimentam-se no sentido da superfície.
As massas de ar fazem o mesmo, o ar quente sobe, cria correntes de ar ascendente, criando um espaço a ser imediatamente ocupado por ar frio, em baixo. Ou ficaríamos com uma zona de vácuo. 
As águas movem-se de acordo com a sua temperatura e consequente densidade. 
E daí, podem perguntar? Daí que isso muda …tudo.




Isso irá provocar mudanças significativas no comportamento do nosso peixe. Aqueles dias em que não conseguimos um toque nos pesqueiros onde fomos anteriormente bem sucedidos, mais não são que manifestações de que mudou algo.
Os peixes irão tentar encontrar águas mais temperadas, necessariamente mais profundas. A forma de os pescarmos também tem de mudar. Os locais mudam, as horas de maior actividade mudam, e os nossos equipamentos de pesca também terão de ser forçosamente outros.
Imaginemos que estamos no Outono, e que sabemos onde estão os robalos. Se detectamos que houve nas últimas horas, ou dias, um abaixamento muito significativo da temperatura do ar, que entrou uma frente fria que gelou a primeira capa de água, então também podemos deduzir que os robalos não estarão no mesmo ponto onde sabíamos estarem antes, mas sim mais fundo. E podemos e devemos ir preparados para isso. A existência de diversos tipos de canas a bordo, ajuda-nos a estar equipados para todas as circunstâncias. Porque elas mudam todos os dias, e nós também devemos ser capazes de mudar, de nos adaptar.
Quando invertemos o processo, ou seja, quando consideramos águas que aquecem, deparamo-nos com um factor que é em si um handicap: as águas quentes tendem a perder progressivamente o seu teor de oxigénio. Mais ainda se consideramos águas paradas, sem oxigenação provocada por agitação marítima. Tudo isto é um processo que envolve diversos factores que se conjugam entre si: as águas quentes fazem morrer as plantas marinhas, e a decomposição destas altera os níveis de oxigénio presentes na água.
Se querem um exemplo, podemos falar da qualidade da água das marinas, por exemplo. Aquelas que estão mais fechadas ao exterior, e que dificultam a entrada das marés, são normalmente planos de água putrefacta, sem grandes condições de vida permanente.
Vejam a nossa zona da Expo, por exemplo. Há locais onde a única nota positiva é a passagem de um barco, e do seu hélice, que turbina alguma água.
Não é só um dado, são muitos, em cadeia, e todos eles conjugados tornam a vida impossível a alguns tipos de habitantes mais exigentes em termos de oxigenação.
Ficam aqueles que se encontram em idade pré-juvenil, porque precisam de ambientes de baixa densidade de predadores, ou os que estão mais adaptados à vida em ambientes lodosos, com águas verdes, carregadas de fitoplâncton, por exemplo as tainhas.
Mas peixes de mar batido, de águas oxigenadas, preferem outro tipo de ambientes, e saem, procuram alternativas. Outros passam apenas por esses locais para largar descendência e voltam aos seus habitats regulares, com águas frescas e oxigenadas. E com muita comida.




O ponto chave da questão é este: o peixe tem de sentir condições para poder permanecer. Há um espaço de tolerância que, quando ultrapassado, obriga a uma reacção. O princípio é valido para todos os peixes e obviamente também afecta a actividade do robalo, obriga-o a mover-se, a procurar melhores condições.
Eu vejo a qualidade das águas da doca do Clube Naval de Setúbal, e sei que seria incapaz de comer um peixe pescado ali. Aqueles fundos estão completamente putrefactos, mortos, pouco mais serão que areão preto, com quantidades de bactérias assombrosas.
E todavia, as tainhas vivem lá dentro. Alimentam-se das algas que crescem nas paredes, e isso basta-lhes. Os robalos, protegidos pela quantidade cabos de amarração dos barcos, são virtualmente impossíveis para uma linha lançada de uma cana de pesca.
Não o serão no exterior, onde se alimentam de tainhas, e eu sei que bichos na casa dos 10 kgs não são raros. E também sei que alguns desses peixes serão vendidos no Mercado do Livramento, a poucas centenas de metros dali. Mas isso são contas de outro rosário...
Nesta zona, a chegada da enchente será certamente saudada com satisfação, pois é a única forma de oxigenar a água, para além das saídas diárias de embarcações. Admito que às horas de canícula, sob um sol escaldante, numa vazante mais prolongada, seja muito difícil aos peixes permanecer dentro daquele recinto.




No fim de tudo, falamos sempre de adaptação a determinadas condições. Se as águas estão frias na sua generalidade, a chegada de condições propícias ao seu aquecimento, alguns dias de sol mais quente, podem trazer os nossos robalos para junto de nós, para a superfície.
Se no pino do Verão as águas estão quentes, a entrada de uma brisa de terra, a arrefecer a superfície, irá trazer-lhe um aporte de oxigénio interessante, que atrai os robalos para junto de nós.
Nem tudo aquilo que acontece será necessariamente negativo. Há horas para tudo. Recordo-me de ter recebido um comentário aqui no blog que referia que os robalos no sul, no Algarve, aproveitavam a noite para se posicionar junto aos candeeiros que iluminavam o paredão, para caçarem os peixinhos que acudiam à luz. Pois é muito por aí, pelo aproveitamento das melhores condições do momento, para comer, para cumprir ciclos de vida.

Parece-me interessante que no próximo número do blog se fale um pouco mais das faixas de água a diferentes temperaturas, para que aqueles que pescam a bordo do seu barco possam entender o fenómeno, e de que maneira poderão tirar partido dele.
Vamos ver isso a seguir.



Vítor Ganchinho



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6 Comentários

  1. Emanuel Cordeiro14 março, 2023

    Caro Vítor,

    Fico muito feliz pela referência que fez no seu artigo aos robalos caçarem junto ao paredão pois penso que tenha sido eu a proferir tal comentário.

    Tenho aprendido muito consigo, os seus ensinamentos já me valeram alguns robalos.

    Infelizmente não tenho a possibilidade financeira de possuir embarcação mas também é nas praias e falésias algarvias que me sinto à vontade.

    Disfruto muito mais em pescar nas praias onde os meus antepassados pescavam.

    Vicío da pesca é de família.


    Abraço e venha de lá esse livro.

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    Respostas
    1. Bom dia Emanuel Cordeiro


      É bom saber que está desse lado.

      Para quem pesca de terra, as dificuldades a superar são muito superiores às que aparecem a quem pesca embarcado.
      Há que puxar muito mais pelo físico, porque descer a um pesqueiro e a seguir querer sair para outro uma centena de metros ao lado, pode ser trabalho para horas.
      De barco, faz-se num minuto.

      As limitações são muitas, mas isso também obriga as pessoas que pescam apeadas a saber mais sobre pesca. Tenho um grande respeito por quem se atreve a procurar peixe a lançar de terra. É uma forma muito dura de pescar!

      De momento estou a pescar os robalos na casa dos 60/70 metros, por aí. Estão fundos.
      Mas mais umas 4 semanas e já estarão bem acima, preparados para receber os cardumes de cavalinhas, sardinha, carapau miudinho, ....etc.
      Não tem havido caranguejo pilado por aqui.


      Abraço
      Vitor

      Eliminar
    2. Emanuel Cordeiro15 março, 2023

      Por aqui também não têm sido muito frequente a capturas de bons robalos.

      Ainda hoje consegui visualizar um robalo na boca da rebentação nas últimas 3 horas da enchente, ao fim da tarde,

      Acabei por descer à praia, mas por algum motivo não consegui enganar o malandro.

      Tenho cá para mim que o fato de ter 0,20 multifilamento na bobine influenciou, apesar de usar o chicote de cerca de 1 metro de fluoro carbono.
      Tenho de reduzir o diâmetro, pois não é necessário linha tão grossa na praia e claro, a mesma influencia o lançamento.

      0,16 penso ser o suficiente.

      Usei amostras com cores o mais naturais mas mesmo assim não foi o suficiente.

      É continuar a tentar que a primavera aproxima-se e o peixe vai começar a encostar mais nas praias.

      Abraço.

      Eliminar
  2. Bom dia Emanuel Cordeiro


    Tenho vindo a referir que o diâmetro da linha é de extrema importância.
    Deve começar por entender que a medida de linha não é a escala europeia, em milímetros.
    As linhas multifilamento não podem ser medidas em 0,....mm. Porque sendo uma fibra compressível, darão sempre a medida de acordo com aquilo que apertar no aparelho de medida. Aperta mais, elas cedem mais, e nunca tem uma medida exacta.
    Por isso, tente habituar-se às medidas de quem fabrica as linhas. E essas são dadas em PE, uma unidade que pode visualizar na embalagem da linha.
    Para pescar robalos da praia, basta-lhe um PE 1, que é muito menos que aquilo que utiliza. Se tiver robalos de grande tamanho, eventualmente um PE 1,2 ou no máximo dos máximos, um PE 1,5. A seguir, um metro de leader é muito pouco. O fio trançado é visível, o fluorocarbono não.
    Mas se pescar com 1 metro apenas, está a chamar a atenção para um factor visível, o multifilamento, que eles não ignoram, sobretudo em locais muito apoquentados por pescadores. Os peixes fáceis e crentes já morreram todos!
    Esse é o primeiro passo para conseguir enganar o seu robalo, apresentando-lhe uma amostra discreta, sem pala, a imitar na perfeição um peixinho vivo. Esqueça a recuperação linear, o método fácil da recolha de linha à antiga, sem trabalho de pulso. Esqueça as palas, os peixes estão fartos disso. Quando perceber que tem de se focar no peixe e nas suas reacções, antes de pensar em si e na sua cana e carreto, estará mais próximo. SÃO ELES QUE DECIDEM!
    E para isso tem de melhorar a sua técnica pessoal o suficiente para ser capaz de enganar esse robalo. Mas tudo começa na linha.

    Abraço
    Vitor

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    Respostas
    1. Emanuel Cordeiro17 março, 2023

      Boa tarde caro Vítor,

      Muito obrigado pelo seus ensinamentos de si muito sábios e cheios de conhecimento.

      Irei ter em conta todos estes ensinamentos passados com objetivo de obter mais capturas.

      Abraço.

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  3. Boa tarde Emanuel Cordeiro


    Força aí desse lado!


    Desejo-lhe o melhor, para que possa enviar-nos umas quantas fotos de robalos bonitos.

    Abraço
    Vitor

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