Todos os temos.
Quando pescamos na nossa região, e à força de tentarmos este ou aquele pesqueiro, sabemos onde é bom, onde por vezes pode ser bom, e onde nunca é bom.
Com esta informação prática em mãos, baseada em experiências prévias, criamos mentalmente um mapa de pesca, um percurso a cumprir visando a obtenção de resultados máximos. Chamemos-lhe a nossa “zona de conforto”.
Quando pescamos muitos anos num determinado local, criamos até uma rotina de saída, uma sequência lógica de pontos de passagem obrigatórios.
Sabemos aquilo que é possível esperar, as espécies que poderão surgir, e podemos também aferir os resultados por comparação com muitos outros dias passados a pescar no mesmo espaço.
As surpresas, a fim de alguns anos de pesca, serão raras. Se é comum fazer pargos, robalos, lírios, atuns sarrajões, bicas, é isso que esperamos encontrar.
Digamos que é assumida uma rotina de pesca, com resultados mais ou menos padronizados. Pode variar ligeiramente nas percentagens de uma outra espécie, hoje mais pargos, amanhã mais robalos, mas ainda assim, tudo de acordo com o figurino e a época do ano.
Se há momentos mais favoráveis, outros o serão menos, mas ninguém muda de região sem motivos muito fortes. Por norma pescamos perto de casa, por razões de economia de tempo, de racionalidade de custos, e comodidade pessoal.
Só exploramos outras zonas quando somos mesmo forçados a isso, quando os fracassos são o padrão mais comum.
De qualquer forma é importante saber entender a razão destes resultados menos bons. Estamos a tentar pescar algo que pontualmente não existe na zona? Somos só nós que não obtemos resultados positivos, ou isso acontece com todos os outros pescadores?
As técnicas utilizadas são as mais convenientes? Está nas nossas mãos mudar algo, ou não adianta mesmo porque o problema é de baixa qualidade de habitat, logo escassez de espécies e de exemplares com interesse?
Habitats mais preservados são sinónimo de mais e melhor peixe, sabemos disso.
Carlos Campos com um robalo feito com um jig de 40 gr, da marca Litlle Jack. |
Em zonas menos pescadas, as probabilidades de encontrarmos peixes com interesse aumenta exponencialmente. Se quisermos encontrar algumas milhas de costa menos batidas por pescadores de linha, (a pesca profissional vai a todo o lado, por isso mais vale assumir que não existem zonas virgens), podemos começar por olhar para a costa e tentar entender onde há e onde não há portos de saída de embarcações de recreio. Quanto piores as condições de colocação de um barco na água, maiores serão as possibilidades de encontrarmos zonas menos massacradas por pescadores.
Vejam a costa vicentina, e as dificuldades que alguém terá em conseguir portos onde possa colocar um barco, por exemplo. E por isso ainda há peixe.
Dou-vos um exemplo do oposto: na costa mediterrânica espanhola, a dada altura houve uma aposta fortíssima na náutica de recreio, e para isso foram construídas marinas quase coladas a outras marinas. A cada 2 km existe uma, e com preços de utilização muito baixos.
Isso facilitou a colocação de embarcações de pesca desportiva na água. De tal forma que a pesca à linha sofreu um boom incrível, democratizou-se, tornou-se comum. E, por força da subida exponencial da pressão de pesca, o peixe esgotou, desapareceu das pedras.
Hoje, junto à costa não há peixe. Têm sobretudo a visita de pelágicos vindos do largo, peixes que não se fixam numa região, antes deambulam pela costa, alimentando-se de peixe forragem, por sua vez também sem ponto fixo de permanência. Isso gera instabilidade.
E passaram a ter uma superior percentagem de… dias maus.
Em Portugal, ainda temos espaços onde é possível conseguir fazer alguns milagres, mediante a utilização de processos de pesca adequados, equipamentos de pesca com qualidade, e superior nível de conhecimento das espécies pescadas. Há peixe, sobretudo para quem sabe!
Ainda assim, teremos forçosamente dias mais felizes, mais produtivos, e outros …nem tanto. Os dias difíceis acabam sempre por surgir.
Devem assumir-se sem lamentos, porque fazem parte da realidade da pesca. Não tivéssemos dias menos bons, e nunca haveria dias bons.
O que me parece importante é tentar entendê-los, à luz de uma lógica de aprendizagem contínua, de formação pessoal do pescador. Aprendemos sempre muito mais com os dias em que as coisas não nos correm bem, porque estamos mais atentos, mais sensibilizados para reparar nos pequenos detalhes.
Se algo não correu como seria expectável, isso é uma oportunidade inequívoca para ganharmos conhecimento. Devemos sempre questionarmos sobre as razões de um dia menos bom.
A temperatura da água baixou repentinamente? A ondulação subiu durante vários dias e a turbulência e movimentação de fundos não deixou estabilizar os cardumes nos seus postos de alimentação habituais?
A zona onde pescamos foi passada e repassada os últimos dias por um arrastão da pesca profissional? Os ventos mudaram e a corrente criada levou consigo o alimento dos peixes?
Dou-vos este exemplo prático: temos caranguejo pilado em abundância na coluna de água, e por baixo dele, centenas de pargos e robalos estacionam e não saem do local. Temos pesca!
A concentração de caranguejo retém os predadores, que não arredam e permitem dessa forma a obtenção de resultados. Enchemos a caixa.
Mas o vento passa a norte, sopra forte e os caranguejos desaparecem do local. De imediato vamos assistir a uma debandada geral dos predadores, porque a razão para estarem ali já não existe…desapareceu.
E quando lá vamos, o resultado pode ser …zero.
Tudo aquilo que nos possa retirar possibilidades de pesca deve ser entendido, estudado, para que possamos numa próxima oportunidade saber contornar essa dificuldade. Nada pior que voltarmos a terra de geleira vazia, sem sabermos as razões pelas quais isso aconteceu. O que vos posso garantir é que há sempre motivos para que o peixe esteja aqui e não esteja ali...
Este peixe veio preso por uma pelezinha apenas. Muitos dos que nos escapam são peixes que não engoliram o jig, apenas o mordiscaram… e por isso rasgam à chegada perto do barco. |
O resto é técnica, é material, é conhecimento.
A pesca com jigs de baixo peso dá-nos uma percentagem de toques bem superior do que quando insistimos em pesos mais elevados.
Por muito ruins que estejam as condições do dia, haverá sempre um momento em que um peixe vem de encontro ao nosso jig, Mesmo em dias tão frios e despidos de condições minimamente aceitáveis..
Vejam o vídeo:
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Neste dia, em que tanto empenho fazia de conseguir alguns peixes de melhor qualidade, tudo correu mal.
Seguindo os princípios da Lei de Murphy, até um golfinho se deu mal com os rigores do Inverno, e arrojou à costa. É sempre uma tristeza muito grande encontrar tão nobre animal a flutuar na água, sem que algo possa ser feito.
Nunca saberemos se a morte resultou da simples condição de seres que vivem e morrem de forma natural, ou terá ocorrido por algum imponderável desconhecido, nomeadamente por acção humana. Os hélices dos barcos, as redes, são inimigos destes cetáceos.
Fico sempre triste quando vejo isto no mar... |
As redes não matam apenas peixe. Os quilómetros de panos esticados ao longo da costa são armadilhas que estão longe de ser tão inócuas ao ponto de apenas capturarem peixe.
Quando perdidas, são instrumentos de morte, e fazem-no sem proveito de ninguém.
Corais, estrelas do mar, gorgónias, muita vida fica refém destes panos de rede abandonados. |
As redes contribuem de forma efectiva para o empobrecimento dos habitats. Dado que a degradação destes polímeros é lenta, vamos ter dois problemas em mãos:
- Redes abandonadas vão continuar a matar tudo aquilo que se aproxima delas, por um longo período. Os peixes mortos atraem outros, que por sua vez acabam por ficar aprisionados. É todo um ciclo que se perpectua, até que a rede esteja tão enrolada ou entalada nas pedras que deixe de ser eficaz. Podem passar dezenas de anos até que isso aconteça, tornando estes objectos humanos verdadeiros assassinos silenciosos.
- A formação de microplásticos irá aumentar à medida que envelhecem no fundo do mar, prejudicando a qualidade alimentar do peixe que capturamos.
Os microplásticos entram na circulação sanguínea dos humanos e foram já detectados no leite materno.
Sei que se trabalha no sentido de conseguir materiais para redes que tenham uma biodegradação mais rápida, com mais baixo custo de aquisição, e com a mesma eficácia de trabalho. Seria muito bom para todos nós, podermos livrar-nos deste… pesadelo.
Não deixa de ser desanimador, e sobretudo naqueles dias difíceis, em que parece que nada vem ao nosso anzol, nada nos aparece na sonda, que sentir uma prisão forte, algo que estica a nossa linha, e posteriormente entendermos que afinal era….uma rede abandonada no fundo.
Não deixa de ser deprimente.
A tudo um pescador tem de ser capaz de resistir… e vamos resistir.
Vítor Ganchinho
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