Olhamos para eles nas prateleiras das lojas, e achamo-los bonitos. Queremos tê-los.
Os jigs, antes de atraírem peixes, atraem pessoas.
Brilham, têm cores harmoniosas que encaixam na perfeição naquilo em que acreditamos, e até naquilo que estamos à procura para complementar a nossa caixa de amostras.
Porque cada cambiante de água, (com os seus diferentes níveis de suspensão, visibilidade e cor), cada profundidade e força de corrente requerem uma peça muito particular e específica, acabamos invariavelmente por ter uma colecção de dezenas de jigs na nossa mala da pesca. É a pesca que podemos fazer quando o mar não nos deixa sair: comprar equipamento de pesca mantém-nos ligados à actividade.
Não vem mal ao mundo, porque estas peças não se estragam, duram até que um malvado peixe resolve arrancar com elas na boca, ou uma rocha traiçoeira resolve medir forças connosco.
Os jigs são indiscutivelmente peças que se pagam a si em peixe, e não são caros. Olhando ao trabalho que dão a fazer, são mesmo muito baratos.
Haverá quem não concorde, mas essas pessoas, na maior parte dos casos, não têm a menor ideia sobre o percurso que um jig faz até chegar às nossas mãos.
E que meios e quantidade de pessoas são necessárias para isso.
A perfeição com que executamos jigs hoje em dia um dia faz-nos esquecer que já foi bem diferente... |
Na verdade, sabemos muito pouco sobre aquilo que é feito à nossa peça antes do momento da nossa decisão de compra.
O artigo de hoje vai às catacumbas escuras desse assunto, desenterra procedimentos e técnicas, desde a fundição do chumbo, ao polimento, passando pela pintura e embalagem.
Espero que gostem desta viagem pelo mundo do chumbo colorido.
No princípio, um jig é isto: lingotes de chumbo em bruto. |
O chumbo enquanto metal derrete em temperaturas muito baixas, e é muito dúctil, pode ser facilmente trabalhado.
Um cadinho e uma fonte de calor, é tudo aquilo que é necessário para obtermos metal líquido.
Podemos então vazar para dentro do espaço vazio, e preencher por completo um molde pré-feito. A primeira fase está concluída.
Após o necessário arrefecimento, é tempo de retirar estas peças em bruto dos moldes e dar início ao processo de polimento. |
Quando pensamos naquilo que era a pesca jigging antiga, feita no início do século passado, verificamos que tudo se consubstanciava em concluir esta fase.
Produzir um jig era só isto, o processo de produção acabava aqui.
Os jigs eram toscos, e não mais que uma peça em cor natural, vertida sobre um anzol de grande tamanho, que assim era consolidado ao chumbo.
A partir daí, apenas se considerava a possibilidade de uma fugaz raspagem numa superfície abrasiva, leia-se num chão de cimento, por exemplo, para retirar a pelicula oxidada e obter assim algum momentâneo brilho. A operação era repetida todos os dias, antes da saída de pesca.
Estes jigs já pescavam, e bem, por força da quantidade de peixe existente à época.
Mas hoje, embora com um stock de pescado muito menor, temos outros argumentos em termos de equipamento: jigs, linhas, canas, carretos, etc, são de muito melhor qualidade.
Vamos ver os passos seguintes.
A existência desta polidora, já representa em si um avanço tecnológico importante.
Nada disto existia antes do boom da pesca jigging como a conhecemos hoje. É neste processo que a peça será trabalhada no sentido de lhe começar a dar a forma final.
Ainda estamos longe do aspecto que o jig virá a ter.
O passo seguinte será o barramento da peça, que lhe irá dar uniformidade de superfície. A primeira pintura irá cobrir espaços ocos, depressões resultantes do vazamento do chumbo, e naturais imperfeições. Ao mesmo tempo vai fazer o preparo para aquilo que vai seguir-se.
Esta fase é feita à mão, em diferentes camadas, até conseguirmos uma camada de cobertura uniforme. Ver abaixo.
Segue-se trabalho de pintura, o qual depende de marca para marca. Empresas com reputação mais elevada aplicam métodos que nos garantem mais durabilidade das cores e resistência à abrasão dos dentes dos peixes. Peças mais baratas encurtam este processo, e fazem algo que parece bom, mas que à primeira contrariedade irá mostrar-nos a razão do seu preço mais baixo.
Este é um trabalho moroso, manual, que exige paciência e sacrifício. |
Nos últimos anos, temos vindo a registar uma crescente procura por jigs com efeitos holográficos, os quais transmitem ao jig um efeito visual muito próximo de um peixe vivo, real. Podemos apenas presumir o efeito que isso poderá provocar no predador. Cada vez mais os jigs procuram reproduzir o comportamento e silhueta da comedia, embora me pareça a mim que muito há ainda a saber sobre este tema.
Não me custa reconhecer que já pesquei peixes com “artefactos” que só muito remotamente se poderão parecer com um peixe. Não é, na minha modesta opinião, apenas uma questão de cor.
É sim um conjunto de factores, tamanho, vibração, “atitude”, movimento, e aí sim, cor e o brilho que inevitavelmente irá transmitir a sensação de vida, a “credibilidade” necessária para despoletar o instinto predatório no animal que procura comida. O clique, aquilo que faz a mudança de estado de passividade do predador para um estado de interesse e de posterior ataque, é o Santo Graal da pesca. É isso que todos procuramos, e que alguns de nós conseguem e outros não.
Chamamos-lhe técnica, chamamos-lhe saber e conhecimento, mas no fundo não passa de sermos capazes de mudar o estado de repouso e imobilidade de um peixe para um outro momento, em que o predador activa as suas capacidades volitivas de forma a “caçar” o nosso jig, leia-se morder uma presa que lhe parece interessante. A pesca é isso, é sermos capazes de, por efeito da nossa actuação, podermos provocar essa mudança de atitude.
Com jigs mais reais, e aí entram os efeitos dos adesivos holográficos, teremos percentualmente algumas possibilidades mais de o conseguir. Num mundo que não é o nosso, tudo aquilo que possa ajudar-nos a ter sucesso, é bem-vindo.
Este é o momento em que a cobertura adesiva é aplicada. Poderão entender o trabalho melhor quando virem o filme, abaixo. |
O toque humano acaba por produzir peças que, por mais copiadas e padronizadas que o sejam, serão sempre únicas porque haverá sempre um detalhe que leva a essa diferença. Felizmente somos humanos e não robots, e essa humanidade permite isso.
Não acredito que um pequeno detalhe de pintura seja suficiente para mudar a opção de morder ou não morder um jig.
A prova disso é que os meus jigs velhinhos continuam a pescar, e bem, não obstante o facto de estarem cobertos de riscos provocados pelas dentadas de peixes anteriores.
É muito importante que as peças não tenham arestas vivas que possam provocar roturas nas linhas.
Por esse motivo, as zonas de contacto com nylons ou fluorocarbonos são revisadas, para que tudo esteja perfeito no momento crítico, o da picada do peixe.
Vejam abaixo o cuidado que o operário tem ao polir a argola onde iremos proceder ao nó, ou aplicar o nosso split-ring.
Chegados a este ponto, o trabalho de produção estará quase concluído. Mas falta ainda muito para que o jig nos chegue às mãos.
O que segue é trabalho de embalagem, catalogação, e distribuição.
Deixem-me recordar-vos, sobretudo para aqueles que acham os jigs caros, que em todo este processo é pressuposto que exista lucro, margem de comercialização.
Quem vende o chumbo em bruto às marcas quer ganhar com isso. Os funcionários que executam as diversas tarefas, deverão ser pagos pelo seu trabalho.
As máquinas sofrem desagaste e terão de ser amortizadas. Quem fornece as tintas espera receber. A empresa que produz as bolsas de plástico e caixas coloridas onde eles nos são oferecidos, também.
Os rótulos em papel saem de uma gráfica e essas pessoas vivem disso, de produzir rótulos, logo querem receber.
A seguir, as peças terão de ser transportadas em caixas de cartão, produzidas por alguém. E estão seladas com fita cola larga…
Depois de devidamente embalados, estes jigs estarão prontos para ser expedidos para todo o mundo, percorrendo distâncias que podem ser de milhares de quilómetros.
Para Portugal, fazem voos muitos longos, chegam-nos do outro lado do mundo, e alguém tem de conduzir os aviões. E recebe por isso.
Uma empresa será a encarregada do transporte. Outras pessoas irão proceder à descarga, e têm de ser pagas.
Um dia, esses jigs estarão na prateleira de uma loja. Para isso, tiveram de passar por uma alfandega, pagar 5% de direitos aduaneiros, e ainda ser taxados a um valor de Iva de 23%.
O Estado português ganha uma fatia significativa do valor pago por quem pretende adquirir um jig.
Acredito que quem ganha menos é quem os faz...
Na loja, poderemos olhar para um jig e dizer que sim ou não, consoante o grau de conhecimento técnico que temos, ou pura e simplesmente por gostarmos ou não do aspecto da peça.
É nesse momento que se decide se tudo aquilo que foi feito antes, todas as expectativas criadas pelo fabricante, valeram a pena ou não. O cliente é soberano na sua decisão.
Vejam isto:
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Um dia, um peixe predador estará no fundo, a caçar, e vê chegar perto de si algo que lhe parece um peixe ferido, diminuído na sua capacidade de fuga.
E ataca!
Um dia, alguém que adquiriu esse jig numa loja, sente uma pancada forte, aguenta, confia na linha e nos anzóis, trabalha o peixe, faz tudo o que pode para vencer e por um feliz acaso, consegue! O peixe sobe. E esse peixe permite uma foto para a posteridade.
Um jig “Second Stage” Konoha deu-me este peixe. Obrigado às dezenas de pessoas que trabalharam duro, desde a fundição do chumbo até a quem o transportou via aérea para Portugal, e me permitiu este resultado. |
Espero que tenham gostado deste trabalho.
Vítor Ganchinho
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