Se por absurdo fossemos convidados a desenhar um extraterrestre, muito provavelmente iriamos pegar num lápis, numa folha de papel em branco e seriamos tentados a esboçar… um polvo!
Os cefalópodes, mas sobretudo os polvos, serão sem dúvida os invertebrados mais evoluídos de todos, os mais inteligentes e os mais capazes de nos surpreender.
Chocos, lulas e polvos, todos eles já passaram por aqui, e o blog terá sempre um espaço reservado para mais e mais, porque não nos cansamos de admirar semelhantes criaturas.
O seu sistema circulatório quase fechado, que lhes permite uma altíssima actividade metabólica, as guelras sobremaneira evoluídas, com corações acessórios para aumentar o nível de trocas gasosas, e o consequente aumento do fluxo sanguíneo, o seu cérebro que domina individualmente cada um dos oito braços, o facto de poderem adaptar a sua visão a alterações na luz ambiente, reduzindo ou aumentando o tamanho da pupila, são factos que serão tudo menos normais.
Eles conseguem discernir um objecto de 5mm a uma distância de 1 metro, em condições de visibilidade ultra reduzidas.
Os seus centros nervosos contêm cerca de 160 milhões de células disponíveis para ajudar o seu portador. Os polvos são mesmo seres de um outro mundo, acreditem.
A sua sexualidade não deixa de ser refinada: não escolhem a primeira fêmea que passa por eles, mas sim aquela que mais lhes agrada, dentro do “lote” de fêmeas disponíveis.
Tal como os humanos, fazem todo um ritual de cortejo e sedução, e por vezes isso pode obrigar a cenas de “ciúmes”, as quais invariavelmente levam a lutas que terminam com a morte de um dos machos.
Durante o “namoro”, os polvos machos produzem iridescência (brilho) para atrair as fêmeas, e recorrem aos seus cromatóforos para o conseguirem.
Estes cromatóforos são controlados por músculos, os quais, por um engenhoso sistema de contração e descontração, permitem mostrar uma face de cada vez. Cada cor estará mais adaptada que outras ao ambiente em que, naquele momento, o polvo se encontra.
Se a pedra é escura, são requisitados cromatóforos castanhos, ou cinzas escuros, se o polvo se encontra na areia, a tonalidade passa a creme, ou mesmo quase branca.
Em termos técnicos, é algo como isto: para mudar de cor, o indivíduo deforma o tamanho ou a forma do sáculo por meio de contrações musculares, conseguindo assim variar o estado de translucidez, reflexão ou opacidade dos pigmentos.
Esse mecanismo difere daquele utilizado por peixes, anfíbios e répteis, onde o que ocorre é uma translocação de pigmentos no interior da célula.
Mas os polvos fazem mais: conseguem adaptar a sua textura de pele ao ambiente em que se encontram.
Na areia, ficam “lisos”, na rocha fazem gala de mostrarem bicos, imperfeições rugosas. No fundo, jogam com a percepção que nós e os seus mais directos predadores têm daquilo que é “areia” e “pedra”.
Pequenos peixes, como os cabozes, atacam os ninhos e roubam alguns óvulos das ninhadas. Uns malandros... |
Procuram fazer com que as suas posturas sejam colocadas em pontos estratégicos, e estes devem obedecer a alguns critérios básicos, entre eles:
1 - Ser cobertos, de forma a proteger a ninhada do ataque de pequenos peixes.
Em pequenos recantos e nichos de pedra, com abóboda superior, isso pode ser conseguido.
2 - Estar situados numa zona onde a circulação de água seja possível. A correcta oxigenação dos óvulos é de primordial importância e quando não é feita de forma natural, a fêmea trata de o fazer, virando o seu sifão para os óvulos, e mantendo-os limpos, num ligeiro balanço. Por isso mesmo não abandona nunca o local da postura, e é isso que a irá matar ao fim de algumas semanas de inanição. A fraqueza pela ausência de alimento irá acabar com ela por exaustão.
3 - Também o local onde guarda os óvulos de ter protecção frontal contra predadores. Os polvos carregam pedras de tamanho considerável, e colocam-nas em frente à toca. Essa é de resto uma forma muito fácil de os descobrir.
Dessa forma, reagem à chegada do atacante, normalmente safios ou meros, com os tentáculos a segurar fortemente as pedras, impedindo assim as dentadas de quem os quer comer.
4 - Quando encontram o local apropriado, produzem uma espécie de gelatina/ muco pegajoso, com o qual colam as filas de óvulos ao substrato rochoso. Podem chegar a pôr naquele espaço remessas sucessivas de cerca de 1.000 ovos de 6 mm de comprimento.
Desta forma, em certas ocasiões, uma fêmea pode colocar até 180.000 ovos em cerca de duas semanas.
A partir daí, resta-lhe esperar, vigiando e defendendo ferozmente o seu tesouro de uma miríade de intrusos que querem transformar em comida aquilo que para si representa tudo: a sua criação.
Até ao momento não há notícias de que possa conseguir-se a reprodução em cativeiro. Sendo o polvo um dos seres marinhos mais procurados, será porventura uma questão de tempo até que se consiga encontrar a forma certa de o reproduzir em aquacultura.
O crescimento é de tal forma rápido que é possível que um polvo de dois anos chegue a pesos acima dos 10 kgs.
A captura de um polvo fêmea de 750 gr, que é o tamanho mínimo legal estabelecido, indica que esse espécime nunca se reproduziu.
Mais uma vez estamos a matar a galinha dos ovos de ouro.
Matar os futuros reprodutores quando estes ainda são juvenis e não reproduziram, significa que não queremos saber do futuro, que não nos importamos com ele.
E devíamos...
Vítor Ganchinho
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