A maioria dos pescadores não se inibe de exibir a sua coleção de amostras se a isso for solicitado. Adoramos mostrar aos amigos o que temos! Pelamo-nos por isso!
Ao menor estimulo, um estalar de dedos, um mágico “Abre-te Sésamo” e já está: a caixa de amostras está escancarada. E que tem ela lá dentro?
Tirando aqueles pescadores radicalizados que não aceitam sair de cima dos seus chocos, e só têm toneiras, ou pescadores que não abdicam da exclusividade dos seus robalos e consequentes “lápis com pala”, a maior parte das amostras não são compradas tendo como alvo uma espécie ou motivo específico, apenas somam a outras, aparentemente diferentes, ditas “para outras coisas”. Ninguém sabe bem que outras coisas, mas quem as compra acha que sabe e isso basta.
Se no mar existe uma grande diversidade de peixes, é natural que também existam diferentes tipos de amostras, mais indicadas para este ou aquele tipo de predador. A lógica é esta, o que não quer dizer que faça sentido para todos.
Para quem tem um ataque de vontade de comprar amostras tudo está certo. Corvinas é uma coisa e robalos são outra, as bocas não são iguais, logo a caixa deve ser grande para acomodar muita tralha.
Analisando friamente, sem paixão, sem o entusiasmo daqueles a quem uma dada amostra recorda lutas fratricidas com peixes enormes, podemos olhar para uma caixa de amostras e perceber um padrão, uma linha de raciocínio por parte do comprador.
Na verdade a maioria delas é um retrato fiel do grau de evolução do próprio pescador, da sua progressão técnica.
Uma caixa de amostras, ou jigs, é como que uma impressão digital daquilo que somos capazes de fazer no mar, do nosso nível de conhecimentos de pesca.
Há no entanto uma verdade absoluta: muitas das amostras que adquirimos nunca chegam a ser usadas.
Todos nós temos algumas amostras que comprámos …porque sim. E afinal a ocasião de as lançarmos à água nunca irá aparecer.
Gostamos delas pela cor, pelo brilho, pelas formas, por memória de outras com as quais conseguimos bons resultados, mas a maior parte nunca passa da caixa para a sua prova de fogo: ser pendurada no fim de uma linha.
E se isso finalmente acontece, quantas vezes tal não passa de um acto de desespero?! Naqueles dias em que nada resulta, o que custa experimentar mais uma, aquela que anda a rebolar pela caixa há anos, aos caídos?
Na verdade, para a maior parte das pessoas, escolher uma amostra não passa de uma profissão de fé. “Tenho fé nesta”… dizem eles.
Nestas coisas “religiosas”, é certo e sabido que é conveniente que a fé na nova amostra seja superior ao medo de arriscar, sob pena de a lançarmos sem convicção, sem esperança.
Nada pior que isso. Pescar com um equipamento em que não depositamos fé nenhuma é bem pior que levar um pontapé nas costas.
A garganta seca-nos, gotas de suor brotam-nos da testa e se, por azar dos Távoras, o nosso amigo do lado consegue um bom peixe e nós não temos um toque, a amostra está condenada ao degredo, ao exílio.
Podem achar exagero, mas o “tempo de graça” de uma amostra não passa de dois ou três lançamentos. Se a lançamos e nada de bom acontece de imediato, ….a sentença está lida: para a caixa de novo e até nunca mais!
Todos nós temos uma amostra que é mesmo aquela com que aceitamos enfrentar o dia de pesca mais tenebroso, aquele dia em que nada parece resultar.
Isto acontece muito mais vezes que aquelas que queremos admitir. Num dia de pesca daqueles impossíveis, em que nada nos sai bem, em que os peixes parece terem emigrado para longe, damos por nós a vasculhar a caixa de amostras com sofreguidão. Rebuscamos ansiosamente entre todas elas até a encontrarmos. E aí sim!
Acreditamos que aquela amostra será a que nos trará de novo à vida, a que nos irá dar o peixe que ambicionamos.
O foco é todo na amostra, e não na distância de lançamento, na velocidade de recuperação, no ângulo de trabalho, na profundidade de passagem, na cadência das maniveladas, no pesqueiro, na hora da maré. Não! Que interessa isso se temos na mão a amostra, a tal “especial”, a que nunca nos falhou?
Temos por elas uma estima profunda, algo que vai muito para além do que pensamos.
A maior parte dos pescadores faz da pesca um acto técnico perfeitamente formatado, padronizado, não arrisca fazer diferente do que já sabe fazer, e por isso mesmo tende a utilizar um só determinado tipo de amostra.
A tal com que se sente confortável. Ainda que aceite variações de cor, não enxerga outra forma de pescar que não aquela que sempre utilizou.
A técnica é sempre a mesma, a faixa de água explorada a de sempre. Tendo várias cores, o atleta pescador sente-se protegido e acha que isso lhe dá um aporte de ciência imbatível mas de facto está a fazer o meso que sempre fez.
A mudança de cor de uma amostra só se justifica se alguém tem perante si diferentes condições de mar, que em termos de visibilidade da água em si quer de luminosidade do dia.
Tudo o resto é mais do mesmo, não é por mudar a cor da amostra que irá passar a atacar peixes posicionados em patamares inferiores ou superiores.
O saldo final já se vê: o mesmo método dará sempre o mesmo resultado.
Isto é difícil de entender para quem não tem abertura de espírito suficiente para pensar friamente naquilo que está a fazer e assumir que deve mudar algo.
Já se sabe que insistir até à exaustão é apenas repetir processos e isso, por meritório que a pessoa o julgue, apenas conduz ao seu esgotamento físico, e de todo não resolve a questão.
A geleira continua vazia…
Pior que isso é a insistência cega num tipo de amostra. Quando alguém só admite pescar com um determinado modelo, isso limita-a a uma só opção.
O peixe está nessa faixa de mar, e resulta, ou não está e o resultado é zero.
O perigo de insistir (com algo que hipoteticamente até já resultou uma dia) sem tentar entender se as condições que o mar oferece nesse dia são idênticas, é poder passar ao lado de uma boa oportunidade.
Ser mentalmente elástico, ser polivalente em termos de técnicas, pode ajudar a entender qual a melhor forma de chegar ao peixe. E hoje é desta forma e amanhã é de outra.
De resto, se um pescador utiliza sempre a mesma amostra, a tal com que já fez uma boa pescaria, é natural que essa seja a eleita da próxima vez que sair ao mar. E outra e outra vez…
Por consequência, porque a utiliza sempre, para ele essa amostra é a única que pesca peixe. Tudo induz a uma monocromática amostra…que uns dias sim porque as condições lhe são propícias, e outros não, porque o peixe não está naquela onda.
Temos manias que ninguém adivinha, temos sempre razões para acreditar em pseudo factos e teorias parvas e absurdas.
O mundo das amostras, ou dos jigs, é um mundo à parte e só o entende quem está dentro dele.
É por esse mundo que vamos entrar nos próximos números do blog.
Vítor Ganchinho
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