Todos os anos acontece, e este ano não será excepção: os chocos vão entrar nos estuários em força, para reproduzir.
O relógio interno das grandes chocas ovadas empurra-as para dentro dos rios, força-as a migrar águas acima, para os baixios, onde irão depositar as suas esperanças, como sempre aconteceu.
Isso vai começar em força no início de Fevereiro.
Se existem chocos dentro do rio Sado todo o ano, e se em qualquer momento é possível conseguir um balde deles, é no entanto a partir de Fevereiro que as coisas aquecem.
E não obstante serem ainda pequenos, um dia vai aparecer-lhes alguém empoleirado em cima de um barco, e vai lançar-lhes uma toneira tamanho 2,5 e acaba aí a odisseia de vida de um pequeno choco. |
O inicio da Primavera, com os seus dias mais solarengos, mais tempo de luz, é o momento de se formarem os casais que vão ficar juntos até conclusão da postura.
A migração que fazem das suas zonas de caça mais profundas (já os pesquei a 120 mts de fundo…com jigs armados com anzóis assistes para os pargos) aos baixios junto a terra, não será isenta de perigos já que muitos e fortes predadores esperam por eles nos locais do costume. A sua aproximação à costa deixa-os vulneráveis a robalos, polvos, safios, pargos, e como se não bastasse, aos inteligentes golfinhos, que os apreciam sobremaneira e sabem encontrar.
As grandes fêmeas podem depositar entre 200 e 550 ovos, os quais prendem a qualquer substrato sólido que encontrem. Já encontrei cachos de ovas de choco dentro de pneus, de conchas de bivalves, de latas de tinta abandonadas, garrafas de vidro, e inclusive de redes perdidas.
Tudo lhes serve desde que ofereça alguma estabilidade ainda que momentânea.
Se é o rio Sado o rei do choco, o pai e a mãe de grande parte dos chocos capturados no nosso país, também é natural que seja aí, em Setúbal, que mais e melhor se aproveitam os recursos que esta espécie nos oferece.
Do choco frito às ovas de choco, (sim, …aproveitam-se as ovas para fritar…o que é o cúmulo do desaproveitamento máximo possível do choco enquanto espécie), de tudo se faz para reduzir os efectivos.
Se há alguns anos atrás encontrava facilmente milhares de cachos de ovas pretas, a lembrar uvas nas cepas, agora não será tanto assim, e mais dia menos dia não haverá chocos que justifiquem uma saída de pesca dirigida.
Sabemos que as posturas podem ser mais ou menos felizes, dependendo o desenvolvimento embrionário da temperatura da água e da sua salinidade.
Dizem os livros que tanto podem nascer chocos em 40-45 dias a 20ºC como em 80-90 dias se a 15ºC.
Tenho relatos de pessoas que trazem chocos capturados no Sado com menos de 10 cm, o que quer dizer que alguém não está a levar muito a sério o problema.
Também os vejo aos milhares dentro de caixas expostas nas bancas do Mercado do Livramento, choquinhos com 5 a 6 cm, aparentemente em venda livre e legal, à vista de todos, o que me deixa francamente desapontado.
Como podemos ter chocos adultos se os pescamos com redes mosquiteiras quando estão ainda em fase embrionária de crescimento? Faz sentido?!
Há alguém que seja responsável por isto?!
Eles não aguentam mais dificuldades na sua vida!
Os chocos bebés já lutam pela vida desde que saem do óvulo, quando ainda medem apenas 5 a 9mm, e se lançam para as areias claras onde se podem esconder.
Aí, lutando contra tudo e contra todos, contra as correntes, contra os predadores, são forçados a caçar desde o primeiro dia como se já fossem adultos, procurando pequenos seres que lhes sirvam de alimento.
E se tentam desde o primeiro dia escapar a toda a sorte de predadores, (podem imaginar quantos tipos de peixes estarão interessados em comer este minúsculo ser com 1 cm de comprimento,…), alguns deles altamente especializados, (por exemplo os pequenos robalos de meio palmo que pululam dentro das águas do rio), têm ao mesmo tempo de ser capazes de encontrar forma de comer muito e crescer rapidamente.
Não será uma vida fácil! São perseguidos dia e noite por quem os quer como alimento, desde logo por outros chocos em estádio de desenvolvimento mais avançado, mas também os sargos, as douradas, os charrocos, as cavalas, os carapaus, etc, etc.
Aqueles que atingem alguns centímetros de comprimento já são em si meritórios sobreviventes!
A técnica de pesca utilizada pouco evoluiu entre nós nos últimos cem anos, e se é hoje algo diferente isso deve-se sobretudo a uma melhoria significativa na qualidade dos acessórios de pesca.
Longe vão os tempos das linhas de mão utilizadas pelos varinos, hoje existem canas específicas para a função, linhas de alta qualidade e as ditas toneiras, uma evolução de um pedaço de chumbo com linha branca e vermelha enrolada, ao qual se adicionava uma vintena de alfinetes revirados a fazer de agulhas.
As toneiras são hoje em dia artefactos em plástico, recobertos de uma manga de tecido ou não, e que são extremamente eficazes na captura destes cefalópodes.
Cada vez mais eficazes, a contrariar a escassez cada vez maior de chocos. Estamos melhor equipados para pescar aquilo que cada vez existe menos. Alguém consegue adivinhar como isto vai acabar?...
No fim, e se não respeitarmos medidas mínimas e um eventual defeso a ser criado durante o período de reprodução, teremos magníficos materiais, canas especificas Eggi, linhas multi filamento Emeraldas, criadas e pensadas em exclusivo para a pesca de chocos, linhas fluorocarbono finas, e uma miríade de toneiras coloridas capazes de pôr à roda a cabeça do mais avarento, mas infelizmente …não teremos chocos para pescar.
Se temos o exemplo concreto das douradas, um peixe que já teve melhores dias, que já existiu em abundância e hoje é aquilo que se sabe por força de uma pesca dirigida e altamente especializada, o que falta para sermos capazes de parar a tempo de evitar mais uma desgraça?
Vítor Ganchinho
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Olá Vitor, boa tarde.
ResponderEliminarEstou inteiramente de acordo, deveria haver melhor proteção aos chocos, aos robalos, às douradas .. tudo muito bem.
Deveria haver mais leis para proteção das espécies, deveria haver época de defeso. Eventualmente maior restrição aos exemplares de maior porte, que mais contribuem para a reprodução.
No entanto, as leis que já existem não são cumpridas. A criação de mais leis, vai levar ... ao mesmo.
Eu pesco de kayak, principalmente na Figueira da Foz, na época do choco vou até ao Sado, onde principalmente me divirto.
Na Figueira da Foz, na zona do Cabo Mondego, as redes são às dezenas (muitas sem identificação), ao ponto de eu não conseguir pescar. Os barcos da policia passam, as traineiras fogem e tudo continua.
À entrada do Sado, também há relatos de haverem dezenas de redes (não sei qual é a malhagem) que capturam os chocos à boca do Sado.
Não será mais eficaz, fazermos por cumprir as leis, tal como existem?
Este tema traz-me uma grande angustia, porque batem sempre nos mesmos, que são os pescadores lúdicos. Mas não conheço ninguém que fique com os chocos de 10cm. Mas se os há, deve haver fiscalização e punições. Mas antes, na minha opinião, devem regular a pesca profissional, fiscalizar de forma eficaz e aplicar as leis que já existem.
Na Figueira também sei que há muitas pessoas que apanham robalos e polvos sem medida. Nunca na Figueira da Foz, me perguntaram se o peixe tinha os rabos cortados. Toda a gente vê, mesmo da margem, os pequenos exemplares a serem capturados.
Mas mais uma vez, comecem a moralizar a pesca profissional.
No meu caso e dos meus colegas, tentamos sensibilizar os pescadores que vemos a errar (e nem todos recebem da melhor forma). Falamos com as autoridades e publicamos as nossas opiniões em blogues, onde eles também leem.
Entretanto na Figueira, e de forma gratuita(?) sai um Edital que impede os pescadores de kayak saírem da marina para o mar alegando questões de segurança (sem reconhecerem que os kayaks a pedais têm maior mobilidade). É estranho e achamos que possa ser retaliação ao desconforto que causamos. Então nós que pagamos tudo temos as embarcações vistoriadas, temos as nossas cartas marítimas, pagamos as taxas de farolagem, como acedemos ao Porto de Abrigo? Este ultimo parágrafo foi mais um desabafo, mas é para termos um cenário mais alargado.
Fiquem bem e sejam felizes! (que boas pescas não se deseja a ninguém)