As massas de água, quer salgada quer doce, podem reabastecer os seus níveis de oxigénio por contacto com o ar atmosférico.
No entanto, este é um processo relativamente lento, especialmente se a água estiver parada, estagnada. O caso de uma barragem, ou dos esteiros num estuário largo e pronunciado como o Tejo ou o Sado, por exemplo.
É verdade que as tempestades e o vento forte criam turbulências e misturam mais facilmente o oxigênio mas nós não temos temporais todos os dias, nem sequer todos os meses.
Assim sendo, se houver muita matéria orgânica presente, e falamos de açúcares, gorduras e proteínas, aquilo a que vocês chamam de algas, peixes mortos, etc… e as bactérias as comerem, as concentrações de oxigênio podem cair repentinamente.
Porque esse processo de degradação consome muito oxigénio.
E chegados aqui, importa dizer que algumas moléculas contêm mais energia do que outras e algumas são mais fáceis que outras de serem biodegradadas pelas nossas amigas bactérias.
Portanto, a quantidade de respiração aeróbica que ocorrerá depende da natureza química exata das substâncias orgânicas a decompor, bem como da sua concentração.
Imaginem uma morte massiva de peixes: para degradar esses corpos, a quantidade de oxigénio utilizado pelas bactérias é muito elevada. É o que se chama de demanda bioquímica de oxigênio (DBO), geralmente expressa como uma concentração em termos de miligramas de oxigénio por litro de água (mg/L).
Se querem um exemplo prático da utilização deste conhecimento, aí vai: nas estações de tratamento de esgotos municipais, antes do tratamento biológico feito pelas bactérias, pode existir uma massa, um caldo orgânico de DBO5 de 300-500 mg/L.
Caso esses dejectos /produtos químicos fossem lançados no mar, e sendo o nível base de oxigénio dissolvido no mar de 7-10 mg/L, o oxigénio seria totalmente consumido pelas bactérias na sua degradação, não deixando nenhum disponível para os peixes.
Ou seja, as grandes descargas de peixe morto, muitas vezes feitas por traineiras que pescam abaixo do tamanho mínimo e não são autorizadas a descarregar em lota, em nada contribuem para um ecossistema saudável.
O ideal seria que esses peixes não fossem capturados. Quando são largados no mar, e embora venham a ser consumidos quer por outros peixes quer finalmente pelas bactérias, deixam todavía uma pegada de problemas que leva muito tempo a solucionar.
E já agora, de enorme perda ambiental. Os nossos predadores, aqueles que procuramos pescar sempre que saímos de casa, precisam desses peixes miúdos para viver.
A ocorrência de arribadas de peixes mortos à costa significa que algo estará mal, que não estão reunidas as condições de sobrevivência mínimas para eles.
Chegados aqui, podemos passar uma vista de olhos por um tema que aparentemente nada tem a ver com pesca, mas que no fim acaba por ter e muito: a questão do tratamento residual de águas e o seu despejo no mar. De que forma isso afecta os nossos peixes?
Podemos começar por entender qual o princípio base: como funciona uma ETAR?
É muito simples e não passa de um aproveitamento exaustivo do trabalho das bactérias. O objetivo do tratamento biológico dos esgotos é cultivar muitas bactérias em tanques e fornecer-lhes oxigênio abundante para a sua respiração aeróbica.
Para fazer isso, o ar pode ser borbulhado através do esgoto ou, em alternativa, aplicando arejadores de superfície, pás mecânicas, usadas para agitar essa massa de esgoto. É um processo simples, biológico, corrente.
No fundo, estamos apenas a pôr as bactérias a trabalhar para nós, a decomporem o resultado dos nossos lixos orgânicos.
Quando libertamos esses fluídos tratados no mar, através dos colectores de esgoto, ainda assim não estamos a ajudar em nada o meio ambiente já que na melhor das hipóteses estaremos a fornecer um sub-producto que tem menos oxigénio dissolvido que a água do mar pura.
Vimos no número anterior que a taxa de oxigénio marinha é normalmente em torno de 7 a 10 miligramas de oxigénio por litro de água (7 a 10 mg/L), e a água residual que sai das ETAR`s andará à volta de 5 mg/ L.
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Catástrofes como esta não são tão raras assim…e querem dizer que o limite foi ultrapassado. |
Bom mesmo é sabermos que os nossos peixinhos têm boas condições de vida porque é a partir daí que nós os podemos pescar.
Se algo está mal, os nossos resultados ressentem-se, pescamos menos.
Quando falamos de frio, e pese embora esse seja um factor positivo em questões de manutenção das taxas de oxigénio, temos a considerar que nem todas as espécies o suportam da mesma forma.
Muitas espécies de peixes nossos conhecidos têm requisitos de temperatura específicos para reprodução bem-sucedida, e as águas frias atendem a esses requisitos.
Para aqueles que pescam na área de Setúbal/ Sines, é sabido que a um abaixamento da temperatura das águas invernais corresponde um imediato despoletar de condições para a pesca da dourada.
No fundo aquilo que acontece é que essas espécies de peixes aproveitam a ausência daqueles que lhes podem comer as ovas, para cumprirem o seu desígnio de reprodutores.
Sabemos que, por exemplo, a quantidade de cardumes de cavalas, peixes filtradores e por isso comedores de ovas, diminui bastante no inverno, deixando espaço livre para as posturas de ovas pelágicas.
Chamamos a isso de “condições reprodutivas favoráveis”.
Mas se alguns peixes como o sargo, a dourada, o robalo, e tantos outros, esperam pelas águas frias de dezembro/ janeiro/ fevereiro para iniciarem o seu processo de desova, outros simplesmente não conseguem lidar com o frio.
A alternativa é migrar, sair da zona de desconforto térmico, e isso faz-se de duas formas: emigrando para outras latitudes, afastando-se de um problema que fisiologicamente não conseguem resolver, ou afundando, ganhando distância das águas superficiais mais frias, encontrando as ditas termoclinas, zonas de águas profundas mais quentes, as que ainda não foram arrefecidas pelo ar frio, as que ficam longe dos efeitos do inverno.
Os nossos peixes de mar podem escolher, os nossos peixes de rio, barragens e lagoas nem tanto. Em casos de flutuações extremas de temperatura podem mesmo acontecer mortes em massa.
Não é o nosso caso, mas em muitos países europeus acontece mesmo a morte quase generalizada de algumas espécies. Em lagos de baixa profundidade, acontece uma carência de oxigénio extrema, e não por causa do frio, mas porque o gelo limita a troca de oxigénio com a atmosfera.
Os peixes da foto abaixo provavelmente sufocaram ao tentar desesperadamente chegar até a superfície para conseguir algum ar, e morreram aí, ficando posteriormente presos no gelo.
O inverno pode ser uma altura do ano difícil para os peixes, pois são poiquilotérmicos, não conseguem regular a própria temperatura corporal (com algumas exceções).
Os alevins que sobreviverem às condições extremas de frio encontrarão condições bastante favoráveis na primavera, e irão crescer bastante. A questão é mesmo ser capaz de sobreviver agora.
E como superam eles esta temporada tão desafiadora?
Vamos continuar a ver mais alguns destes detalhes no próximo número.
Vítor Ganchinho
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