Os detalhes que conduzem a um acidente de pesca são por vezes tão banais que nos levam ao desespero.
Imaginem que o dono de um determinado barco foi negligente e nesse dia deixou o camaroeiro esquecido em casa.
É sabido que desde o momento zero em que ferramos um peixe até que finalmente o temos na mão, vão acontecer diversas coisas que podem ser desastrosas para que consigamos levar o trabalho a bom porto.
Mesmo para aqueles peixes que ficam bem ferrados, há uma evolução em perda do contacto do anzol. A cada instante de pressão e luta corresponde um alargamento progressivamente maior do orifício provocado pela entrada do metal.
Em pesqueiros fundos, e poderíamos considerar que abaixo dos 100 metros todos o são, o tempo de subida é significativo. Cada segundo conta sabendo nós que o diâmetro do furo não diminui, antes alarga cada vez mais.
O momento em que o lutador peixe chega por fim à superfície é crítico. Se por um lado temos o peixe abatido, diminuído e cansado do esforço feito, em sofrimento pela diferença de pressão suportada, por outro temos um buraco alargado e por isso sem capacidade de retenção do anzol.
E é aqui que a falta de um camaroeiro se pode fazer sentir.
Se até ali toda a concentração foi posta na subida, a partir do momento em que o peixe se mostra o pescador assume a vitória. É precisamente por isso que os gestos passam a ser mais descuidados, menos precisos. A falta do camaroeiro faz o resto…
Quantos milhões de peixes escapam anualmente, mesmo já esgotados de forças, por pensarmos …”já está”!??…
Sem querer enumerar de forma exaustiva todos os detalhes que podem concorrer à fuga de um bom exemplar, aqui vos deixo uma nota de aviso à sucessão de detalhes negativos que podem levar a que um dia bom possa transformar-se num dia muito mau.
Ter o cuidado de conferir se todo o equipamento necessário está na mochila, se as canas estão em boas condições, ver caso a caso se haverá algum passador menos bem.
Ajuda passar com um algodão por dentro dos passadores e verificar se algum deles fica com algodão preso. Em caso afirmativo, se ficarem retidas algumas fibras de algodão, então o passador está rachado.
Ter sempre em mente que as canas mais rijas, mais duras, fazem perder mais peixe. Por oposição, as canas mais macias ferram pior mas são um garante de que peixe ferrado vai para a geleira. Mesmo nos momentos finais de recuperação do peixe à superfície, são estas últimas que nos podem ajudar mais.
Recordo-vos algo que é muito comum: chegamos ao pesqueiro e damos com o carreto preso, seco. Se aparecer um peixe grande, …vai embora. A linha não irá sair a tempo, à velocidade necessária, e acaba por romper.
Por isso é bom verificar sempre se os carretos estão bem lubrificados, se o drag está apto a responder bem. Nunca sabemos quando teremos o peixe das nossas vidas na ponta do anzol e se o sentimos e ele vai embora, é uma tragédia. Não há forma de recuperar de um acidente destes, e por mais peixes pequenos que consigamos a partir dali, já nada será igual.
Porque os grandes são os que nos levam lá, ao teatro de operações de guerra, não são os pequeninos…
Um outro detalhe que me parece importante: a qualidade dos anzóis. Se tomarmos como ponto assente o facto de um anzol que vai à água já não volta a pescar, temos menos azares. Por vezes basta uma ponta romba por ter batido numa pedra, ou mesmo no osso da boca de um peixe, para tudo ficar comprometido.
Os fabricantes lutam com um dilema: produzir anzóis tão afiados quanto possível sabendo que quanto mais os afiam mais frágeis as pontas se tornam. Quanto mais finas menos as pontas resistem ao impacto…mesmo em aços carbono de extrema qualidade.
Mirar sempre as barbelas dos anzóis e confirmar não só que existem, que estão lá, como não estão fechadas, (por vezes as fábricas de menor qualidade produzem séries de anzóis menos bons e querem vendê-los na mesma, logo …misturam-nos).
Tudo isto é prevenir, é cuidar, é assegurar que o peixe só vai embora se lutar o suficiente para isso.
Tudo o que há de ruim pode acontecer-nos no mar.
Na génese de um tremendo acidente está sempre uma pequena falha. Podemos encontrar vastos exemplos de como tudo se pode complicar a partir de um ou outro detalhe.
Dou-vos um exemplo: o super navio Titanic partiu a 20 de Abril de 1912 do Porto de Southampton. Dada a imponência do navio de cruzeiro nada poderia fazer prever o desastre que iria ocorrer. Todavia, a sequência de falhas verificadas levou a isso.
Quatro dias depois de largar ferro, afundou-se.
Tal como com a maioria dos desastres, não foi um único factor aquilo que precipitou a desgraça. Edward Smith, o capitão, ignorou todos os avisos de que havia icebergues na zona.
A velocidade do navio era excessiva.
Os vigias não tinham binóculos, logo não podiam visualizar objectos ao longe, em tempo útil para que o navio pudesse mudar de rumo.
Após a colisão, os sinais de socorro não foram os adequados. Os barcos salva-vidas podiam transportar 1178 pessoas, mas havia 2223 passageiros a bordo.
A temperatura da água do mar era de 2 graus negativos.
Estas não são questões de somenos, são dados objectivos que podem levar a que um acidente ocorra.
Neste caso, o maior navio do mundo afundou, para não mais voltar a flutuar. E morreram pessoas devido a muitos ….descuidos.
E mesmo depois do acidente, houve erros crassos. Podiam ter-se salvo mais vidas, mas com a temperatura da água tão baixa, tudo se precipitou.
Duas horas após o naufrágio o silêncio imperava. Salvaram-se 711 pessoas. Barcos salva-vidas apenas com metade da lotação máxima ocupada não voltaram para trás para socorrer mais náufragos.
Tudo correu mal e por isso a tragédia aconteceu.
Repito: todas as grandes tragédias têm na sua génese um detalhe aparentemente pouco importante.
A fuga de um peixe é muitas vezes o resultado de uma soma de pequenas coisas que não foram devidamente cuidadas.
E pior que isso, muitas pessoas não aprendem com os erros, e voltam a cometê-los. Atribuem os falhanços ao azar, fazem uma reflexão sumária, superficial, descuidada, e continuam a fazer igual.
Podemos extrapolar isso para a nossa vida em sociedade, a forma como nos relacionamos com os outros, como reagimos às adversidades. Cada pessoa tem a sua opinião.
Mesmo a análise de um acidente de viação não é vista de igual forma por ambos os sexos.
Não é indiferente que ela seja feita por um homem ou uma mulher. Somos mesmo diferentes.
Estudos comprovam que da parte dos homens a análise de risco é feita sobretudo de forma pragmática, objetiva, baseada em factos. Podemos dizer que a tomada de posição masculina é sempre feita tendo em conta factos.
Isso faz com que a decisão masculina seja alicerçada em elementos concretos, tendo em conta o histórico daquilo que habitualmente acontece.
No caso das mulheres não é assim.
Elas analisam a possibilidade de ocorrência de algum tipo de acidente tendo em conta factores emocionais, de justiça, de humanismo, de amizade, compaixão, etc.
Utilizam uma parte do cérebro que aos homens pouco diz, por falta de objectividade.
Quando um homem passa decidido numa rotunda por saber ter a prioridade, no fundo por ter a lei do seu lado, uma mulher abranda e tem em conta factores como quem poderá ter mais pressa, se o outro condutor é idoso, ou um jovem encartado, etc. Reagem com o coração...
Quando um peixe nos escapa, no caso dos homens que pescam a culpa é atribuída ao azar e continua a pescar.
A mulher pescadora fica a remoer a dor que o pobre peixe deve estar a sentir na boca...
Vítor Ganchinho
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