PESCAR E APRENDER COM LUÍS RAMOS

As nossas crianças aprendem a falar por nos ouvirem falar.
Aprendem a relacionar os sons e as ações correspondentes. 
Na pesca não é, nem poderia ser, diferente.
Aprendemos a pescar com quem sabe mais que nós e quanto mais elevado é o nosso nível mais elevado tem de ser o conhecimento do nosso professor.
Pela negativa, podemos aprender com quem não sabe, mas apenas a ver fazer asneiras e a deduzir que daquela forma nunca conseguiremos resultados satisfatórios.
Na verdade, desde que nos iniciamos na pesca até que deixamos de ter condições físicas para a praticar, nunca paramos de aprender, de evoluir. As nossas mãos adaptam-se a todo o tipo de tarefas que lhes exigimos.
E isso tanto pode ser feito com gestos simples como complexos, por exemplo cortar uma linha de nylon com uma tesoura ou, bem mais complexo, empatar um anzol.
Nós humanos desde pequenos mostramos uma apetência generalizada para aprender a fazer, e isso explica a razão pela qual tanto somos capazes de aprender a meter uma colher na boca sem entornar a sopa como alguns anos depois a atar os atacadores dos nossos sapatos.
Pescar implica de facto uma multitude de gestos de grande complexidade, e por isso precisamos de tempo para os aprender.
O tempo é muito importante...

Depois de cravarmos um anzol nos dedos, aprendemos que não devemos desferrar um peixe com peso, …à mão. A qualquer instante pode fazer um movimento brusco, um salto violento e não temos rapidez de reflexos para evitar o acidente. 

Imitar os outros é um processo fácil de conseguir conhecimento.
Imitando, entramos num processo barato, pouco dispendioso do ponto de vista de despesa cognitiva. Não implica pensar, implica copiar o que alguém pensou antes.
É barato porque, depois de aprendermos a fazer, podemos reproduzir isso milhares de vezes em momentos futuros.
Digamos que existem pessoas com uma actividade cerebral mais intensa e outras serão um pouco mais…preguiçosas. Se assim me faço entender…
Não devemos subestimar o valor da inovação que surge da prática repetida, sistemática, profissional, mas também da que se apresenta de forma fortuita. Por vezes as coisas acontecem por mero acaso.
Se foram necessários cerca de 100.000 anos para que os ursos fossem capazes de desenvolver pelo protector contra o frio, bastou um dia o primeiro ser humano matar um urso, arrancar-lhe a pele e cobrir o seu corpo com ela, para que todos os outros o seguissem. Um só dia.
E isso passou a protegê-los do frio a todos, para sempre. Passámos todos a usar roupas.
Por imitação, todos podemos beneficiar imediatamente da capacidade inventiva de uns quantos.
Na pesca, é por demais evidente que milhões de pessoas seguem aquilo que meia dúzia de indivíduos conseguem criar. Isso significa um salto evolutivo imediato.
É claro que nem sempre concordamos, e eu e o Luís não somos excepção.
Pescadores que pensam a pesca fazem tudo e de tudo para provar as suas teses, e as batalhas mentais acontecem.
No fim de cada discussão estará sempre à vista o resultado prático de cada um, a pesca que é feita.
Ele pesca muito e bem, mas, com as devidas limitações, também me consigo defender nas minhas águas. Entendo que as minhas técnicas ligeiras produzem o suficiente, à luz da realidade que tenho à minha frente, uma realidade que não é de extremos, a das garoupas gigantes angolanas. Pesco o que tenho para pescar e sinto que sou eficaz. 
Folgo em saber que por fim, no fim de tudo e de todas as discussões, ambos amamos a pesca e respeitamos a posição de cada um.
Somos amigos.

Aprendemos uns com os outros. O tutor de Alexandre o Grande disse-lhe um dia: “Senhor, só os animais e os deuses podem viver sozinhos e nós não somos nem uns nem outros “...

Não imaginam a quantidade de coisas que eu aprendo com ele.
Na verdade é incrível ir à pesca com o Luís, vê-lo actuar no seu espaço de trabalho, o mar aberto, o mar profundo.
Num espaço exíguo como o do barco Incrível é impossível que duas almas não esbarrem uma com a outra a cada instante. Quando esse espaço é partilhado por uma figura da estatura do Luís não sobra muito para a outra pessoa.
Qualquer pescador se sente ali encostado a um pequeno canto, espartilhado, espremido, ainda que ele nos dê muito espaço, pelos menos noventa por cento da área “habitável” do convés.
Não é muito diferente de estar num ringue de box, em que há muito espaço livre mas não o conseguimos aproveitar porque levamos murros onde quer que queiramos ir.
Ele ensina, mas na base da pancada. Como um boxeur veterano que resolve ensinar um miúdo e lhe explica: ”dás forte com esta parte da luva, entendes?” E afinfa-lhe um murro que lhe parte seis dentes e o deixa com um olho ao peito.
A pessoa na altura sente-se aflita, a pensar que preferia ter sido diagnosticada com hepatite C, e que se divertiria mais a fazer saltos de avião sem para-quedas, mas no fim compensa, o aspirante a pescador ganha sempre algo.
É a forma dele ensinar, faz isso com o carinho que tem, o pescador fica todo negro da sova que leva mas sabe-se que aquilo que conta é o resultado final. A pessoa aprende!
Com ele a ensinar-me como deveria rodar a manivela do carreto ao mesmo tempo que dava a impulsão ao jig com a outra mão para o fazer voar, dei por mim a desejar que nenhum peixe me aparecesse. Tenho a certeza que não iria saber o que fazer a tanta informação ao mesmo tempo.
Na verdade, cheguei a pensar que afinal, ao fim de 56 anos de pesca, nem sabia rodar a manivela do meu carreto.
Senti o mesmo um belo dia em que fui a Valência tirar um curso de pesca ligeira com o meu amigo António Pradillo, e o vi fazer três movimentos de cana com o braço direito e dois movimentos de manivela de carreto com o braço esquerdo, com o cotovelo direito levantado.
Leva tempo a aprender, mas é a única forma de conseguir um “darting” perfeito com vinis. E aprendi…hoje consigo imensos peixes a praticar esse movimento, robalos, lírios, anchovas, sarrajões, etc…

Na altura pode parecer complicado, mas depois de se ver fazer, qualquer técnica pode ser aprendida.

Por vezes penso nisto e nas vantagens de sermos bichos sociais.
É uma das vantagens da comunicação humana e é por isso que acredito piamente que escrever para um blog vale a pena.
Eu interrogo-me, estudo formas de fazer e pescar, de entender os peixes. Questiono os seus comportamentos, relaciono-os entre si e a sua interação com outros fenómenos marinhos e faço isso há anos. Se alguém sabe mais que eu, observo, tento humildemente entender o que faz de diferente e aprendo. Os japoneses são exímios professores e devemos tê-los em consideração dado que nunca se cansam de nos ensinar.
E eu questiono, coloco dúvidas e o resultado final é positivo. Ser humilde e tentar aprender é uma boa regra.
Sou assim desde sempre.
À luz daquilo que é a minha forma de entender o que vejo, (e não passa da minha versão pessoal), chego a conclusões e passo-as aqui no blog, colocando informações disponíveis, prontas a usar.
Espero que sejam úteis a alguém.

Amanhã temos mais informação. 


Vítor Ganchinho


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